Edição Nº 86 • 23/08/1999 |
Prometido turismo ambientalmente correcto O presidente do Conselho de Administração da Imoareia, a empresa criada para fazer a compra dos créditos do Estado sobre a Torralta e para desenvolver o projecto turístico da SONAE, afasta os receios da população sobre um eventual condicionamento à utilização das praias. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, António Pinto garante não existirem razões para tais receios, uma vez que Tróia será para o usufruto de todos os visitantes. Quanto à aplicação do projecto de desenvolvimento, que será feita ao longo dos próximos seis anos, António Pinto afirma-se apostado em respeitar as mais valias ambientais da península e garante que os investimentos serão uma mais valia para o desenvolvimento da região. |
Setúbal na Rede – Como é que vê o projecto turístico da Torralta? António Pinto – O projecto tem como objectivo criar um novo destino turístico com alguma dimensão. Hoje em dia, em termos de funcionamento do mercado turístico tem que se ter um determinado tipo de dimensão porque não se consegue mobilizar os operadores internacionais oferecendo meia centena de camas. Tem de ser um produto com alguma qualidade, por isso pretendemos ser um destino turístico e não uma zona com componentes de segunda residência. Este destino turístico será diferenciado, em termos de produtos, uma vez que terá produtos de três, de quatro e de cinco estrelas. Por outro lado, não será apenas um produto de Verão porque o que se pretende é que seja uma oferta turística para todo o ano. Isso significa que tem de ter componentes que permitam que as pessoas procurem Tróia durante o ano inteiro. E aí, joga de forma muito importante tudo aquilo que Tróia pode oferecer: um local de uma beleza paisagística enorme e com condições ambientais excepcionais. Depois, oferece uma localização privilegiada, ao nível do território nacional, porque está praticamente na zona da Grande Lisboa. SR – A que tipo de segmento turístico se destina o novo complexo de Tróia? AP – Destina-se, fundamentalmente, às famílias porque, cada vez mais, as pessoas fazem férias ao longo do ano. Depois, face à sua localização que lhe permite ser um local de realização de eventos fora do período alto, será ainda destinada à realização de congressos, seminários e conferências. Ou seja, temos de ter boas condições de oferta de infra-estruturas que permitam esse tipo de realizações. Fora da época alta, haverá uma outra componente importante, que é a dos passeios ligados à Natureza e a utilização do campo de golfe. Portanto, o vector praia é importante, será potencializado, mas é um vector de Verão que permite apenas três meses de ocupação por ano. SR – Em termos urbanísticos, o que é que vai mudar em Tróia? AP – Desde o início que a Imoareia foi um parceiro da Câmara de Grândola na concretização do Plano de Urbanização de Tróia, porque sempre defendemos que em vez de se fazerem primeiro os planos de pormenor, que permitem logo a construção, deve fazer-se um plano que defina as grandes linhas de orientação urbanística. De acordo com o conteúdo deste plano que, de certa maneira contempla as ideias que transmitimos à equipa da Câmara de Grândola que elaborou o documento, pretende-se ter em Tróia quatro tipos de produtos. Um deles terá maior carga urbanística e corresponde à zona dos aparthotéis, na Ponta do Adoxe, a que chamamos centro urbano, onde vamos ter uma área de grande animação ligada à água, equipamentos de hotelaria e apartamentos turísticos, um porto de recreio e um health club. Depois haverá um produto de menor densidade, entre o centro urbano e o campo de golfe. Trata-se da zona de praia, onde serão implementados aldeamentos turísticos de baixa densidade. A seguir ao campo de golfe, na zona do antigo parque de campismo, pretendemos fazer um hotel resort, ou seja, edificações de baixa altura muito articuladas com a Natureza, que contarão com um healt club e com instalações para reuniões de empresas. Finalmente, teremos um produto inédito em Portugal, que é a implementação de entre 700 a 1000 camas em bungalows, junto às ruínas romanas. SR – Esse empreendimento ficará na zona da Caldeira, que é uma das mais sensíveis de Tróia. De que forma será assegurada a qualidade ambiental? AP – Os bungalows serão espalhados pela zona, que é muito extensa, serão feitos em madeira e terão uma baixa taxa de ocupação face à extensão de terreno em causa. Trata-se de um produto iminentemente ambiental que permite a circulação e o passeio das pessoas através da criação de zonas pedonais feitas em palafita. Isso irá permitir o usufruto saudável daquilo que hoje não se pode fruir, que é a beleza da zona natural da Caldeira. Esta será uma área bastante protegida porque os bungalows vão ficar a mais de um quilómetro de distância da Caldeira que, inclusivamente, poderá continuar a albergar as Festas de Tróia. Aliás, no prosseguimento da protecção da área, vamos recuperar o Palácio Sotto Mayor e as próprias ruínas romanas, de forma a permitir o acesso daquele local ao público. SR – O Plano urbanístico satisfaz os projectos da Imoareia para Tróia? AP – Fomos apresentando as nossas ideias à autarquia que, por sua vez, foi tomando conta dessas ideias e tentando conciliar as coisas. Portanto, acho que este plano está de acordo com o que pretendemos para Tróia. Compreendemos que se trata de um produto da Câmara e não escondo que, se fossemos nós a fazê-lo, eventualmente não faríamos exactamente a mesma coisa. Mas estamos a falar apenas de questões de menor importância e acreditamos que, nos planos de pormenor, poderão ser resolvidas. Por exemplo, para nós o conceito de porto de recreio é minimalista, uma vez que aproveita fundamentalmente a zona entre o cais do ferry boat e o antigo cais do overcraft. Por seu lado, a Câmara acha que o porto de recreio deve ir mais para a zona do mar, mesmo na Ponta do Adoxe. Não estamos de acordo com isso, mas trata-se apenas de um pormenor. Para além disso, refira-se que a Câmara não tem uma posição fechada sobre o assunto, pelo contrário, a sua posição é meramente indicativa. Portanto, em sede de planos de pormenor iremos discutir todos estes assuntos. SR – Sendo o Plano Urbanístico um instrumento de preservação da península, porque é que os ambientalistas não foram chamados para a sua elaboração? AP – Como se sabe, este é um plano elaborado pelos técnicos da Câmara que ouviram os diversos investidores naquela zona. Desconhecia por completo que os ambientalistas não foram chamados para este processo, pois trata-se de um assunto do foro da própria autarquia. O que posso dizer é que a Imoareia tem trabalhado ao longo destes anos com as associações ambientalistas, no sentido de preservar aquela zona. Não há qualquer dúvida de que esta é uma área rica e muito sensível, e como tal, tem mesmo de ser preservada. Sempre o dissemos e mantivemos esse objectivo, até porque o tipo de oferta que fazemos baseia-se no usufruto das zonas naturais existentes. SR – Isso quer dizer que o aumento do número de camas não vai aumentar a pressão urbanística sobre a área natural de Tróia? AP – O Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo Litoral, PROTALI, definiu uma carga para a península de Tróia, na ordem das 10 mil camas, e este plano de urbanização respeita os números definidos. Ou seja, isto inclui as ofertas da Soltróia e do Grupo Pestana, até à Comporta. Ao complexo da Torralta cabe a oferta de 7450 camas, contra as cerca de 3000 que estão construídas. No entanto, a densidade é baixíssima, uma vez que a extensão do território é enorme. Basta dizer que o máximo que o PROTALI admite é de 25 habitantes por hectare, e no caso da Torralta estamos muito abaixo disso. De acordo com a resolução do Conselho de Ministros nós tínhamos direito a 8400 camas, no entanto contemplámos no projecto apenas 7400. Isto porque o produto que queremos oferecer é este e não um outro qualquer. Não vamos esticar mais só porque nos é permitido fazê-lo, vamos apostar neste número de camas porque optamos pela qualidade. SR – São legítimos os receios de que boa parte do aldeamento possa ser vendido a particulares, transformando Tróia numa área de condomínio particular? AP – A engenharia financeira de um projecto destes é muito complicada e tem que ter componentes de aluguer e os chamados direitos reais de habitação periódica, ou seja, as pessoas pagam para toda a vida. Também é capaz de haver a componente de venda porque, como se sabe, a lei define que 50% do aldeamento tem de ser só para finalidades turísticas e que o restante pode ser vendido. Não sei dizer se vamos vender 50% ou não, porque isso depende da engenharia financeira de cada projecto. SR – Os interesses empresariais na península são compatíveis com a preservação do ambiente? AP – Sem dúvida e não tem sido nada difícil, antes pelo contrário, tem sido um prazer fazê-lo. Isto porque um dos elementos que queremos marcar em Tróia diz exactamente respeito às mais valias intrínsecas da península. Um dos elementos essenciais é a componente ambiental, ou seja, para nós este elemento é valorativo. A prova disso é o projecto que temos guardado no gabinete da administração. Trata-se de um projecto para uma marina na Caldeira, feito há 10 ou 15 anos. Está guardado porque nunca poderíamos aceitar uma solução dessas, já que para nós a Caldeira é um elemento marcante de Tróia, pelo seu valor histórico e ambiental. Aquele é um local de fruição de toda a gente, de tal modo que ultrapassa o património da Torralta. Numa óptica meramente turística era legítimo fazer ali a marina, mas numa óptica integrada de valorização dos activos de Tróia, isso seria um verdadeiro crime. SR – Acredita que a Torralta trará benefícios às populações da região? AP – Sim, quer em termos de postos de trabalho directos durante o ano inteiro, na ordem dos 2500, quer ao nível da promoção do turismo nos diversos concelhos. É o caso de Grândola, de Alcácer e de Setúbal. Em Setúbal, já fizemos saber à Administração dos Portos e à Câmara que queremos ser parceiros na requalificação da zona ribeirinha. Estamos interessados no desenvolvimento de Setúbal porque esta é uma área muito importante. Basta dizer que um destino turístico perde muito se não tiver perto uma zona urbana para usufruto dos turistas que nos visitam. Por isso, incentivamos a implementação da marina e estamos de acordo com a criação do parque de estacionamento previsto pela APSS. E se nos for feita a proposta podemos mesmo estar receptivos à ideia de o financiar ou de o explorar. É importante um espaço daquele tipo em Setúbal, quer para os turistas quer para a própria população. SR – Como é que vê os receios dos setubalenses, de que a mudança do cais do ferry boat para a zona dos Fuzileiros lhes condicionará o acesso às praias de Tróia? AP – Fizemos vários estudos para saber que utiliza estes barcos. E concluímos que há as pessoas de passagem, que se dirigem ao sul, e as pessoas que vão a Tróia para usufruírem daquele espaço. Foi dentro desse princípio que estabelecemos as medidas que permitem que os ferrys passem para os Fuzileiros e que os barcos de passageiros continuem a atracar onde sempre o fizeram. Assim, as pessoas que queiram ir para a praia podem fazê-lo sem problemas e, por outro lado, as que vão para sul também o fazem como sempre, mas agora sem as filas de automóveis na estrada principal. É que a pressão de centenas de veículos na Ponta do Adoxe, em bichas com a duração de mais de duas horas, é muito gravosa para aquela área e para os próprios utilizadores. Compreendo os receios dos setubalenses, que me merecem todo o respeito, mas não haverá qualquer condicionamento à utilização das praias porque, quem quiser vir de carro dos Fuzileiros para Tróia pode fazê-lo e estacionar em parques criados para isso, e que vão dispor de cerca de 3 mil lugares. Para os utilizadores que vierem sem carro, vamos oferecer meios de transporte até às praias. Não está nos nossos planos desincentivar as pessoas a fruírem dos benefícios de Tróia, antes pelo contrário, estamos a criar condições para que a população encontre aqui um produto de qualidade. SR – De acordo com o calendário de investimento, para quando é que se prevê a aplicação deste projecto? AP – Estamos já a investir em equipamentos que não necessitam de planos de pormenor, como é o caso da remodelação de algumas torres e da reabilitação de alguns espaços. Entretanto, vamos requalificar todas as bandas, que estão muito degradadas, e acabar a recuperação da torre Magnóliamar. Quanto ao projecto, que prevê ainda o desaparecimento de duas torres e a recuperação da que se encontra junto ao antigo cais do overcraft, vamos esperar pela decisão da Assembleia Municipal de Grândola. Agora que o Plano de urbanização foi sujeito a inquérito público, terá de passar pela aprovação da Assembleia Municipal e, logo a seguir, pela respectiva ratificação por parte do Governo. Feito isso, teremos de apresentar os respectivos projectos em sede de plano de pormenor e em sede de projectos de edifícios. Pensamos fazer isso até meados do ano que vem, uma vez que o nosso calendário de investimentos é muito marcado, de acordo com o contrato que fizemos com o Estado. Enquanto o grupo Pestana e a Soltróia, que não têm qualquer contrato com o Estado, podem estar anos à espera para desenvolver projectos, nós somos obrigados a investir num prazo de seis anos. Se tudo correr bem, dentro de seis anos o projecto de desenvolvimento da Torralta estará completamente implementado. |
Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |