Edição Nº 87 • 30/08/1999 |
Com uma participação maciça no referendo
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Filomeno Simões – Vemos com muito optimismo, pois acreditamos que vai vencer o voto pela independência. Todos nós saímos de Timor por causa da ocupação indonésia e das atrocidades que cometeram durante 23 anos, somos a maior comunidade timorense do país e, tal como as outras comunidades espalhadas por Portugal, temos gente da Fretilin e da UDT. No entanto, as divergências foram desaparecendo ao longo dos anos, tal como aconteceu em Timor Leste, e neste momento todos lutamos contra um inimigo comum, ou seja, a ocupação do território pela Indonésia. Um dos exemplos é o meu caso pessoal, uma vez que sou casado com uma activista da UDT. No entanto, cedo percebemos que estamos do mesmo lado da ‘barricada’ porque o que queremos é ver-nos livres da ocupação indonésia e fazer de Timor Leste um país. SR – Os timorenses residentes em Setúbal aderiram ao recenseamento eleitoral? FS – Não só aderiram como foram dos primeiros a recensearem-se. E pelas indicações que tenho, todos os maiores de idade das 54 famílias aqui residentes concluíram o processo. Por essa razão, tenho a certeza que todos estão a aderir à consulta popular e que, com a ajuda do nosso voto, Timor Leste será independente. Aliás, esta é uma reacção natural porque desde 1975 que esperamos por este momento. Saímos de Timor e espalhámo-nos pelo mundo para fugir dos crimes do regime indonésio, mas sempre ajudámos os conterrâneos que lá ficaram a passar a mensagem de um Timor livre, na esperança de que, um dia, as coisas mudassem. Em Setúbal, conversamos muito sobre o assunto e estamos diariamente ligados à televisão ou ao rádio, acompanhando de perto os acontecimentos. Todos nós temos um sentimento comum: a independência de Timor. SR – Não teme eventuais boicotes ao referendo, por parte das milícias pró- indonésias? FS – Saí de Dili em 1985 com a ajuda da Cruz Vermelha Internacional, numa altura em que os crimes indonésios em Timor Leste se intensificavam e, por isso, era quase impossível sair do território. Apesar de todas as dificuldades ajudaram-nos a fugir e, por isso, continuo a acreditar nas instituições que nos querem ajudar. É o caso da comunidade internacional, que nos merece muito respeito, particularmente o desempenho de Portugal ao longo dos últimos anos. O que quero dizer é que, apesar de recear a ocorrência de alguns problemas, tenho a certeza de que, com os olhos do mundo inteiro postos neste referendo e com o acompanhamento que tem sido feito, e continuará a ser feito por algum tempo mais, através dos representantes da ONU no território, estamos um pouco mais descansados quanto à resolução de problemas que possam surgir, nomeadamente algumas tentativas de boicote à consulta popular. SR – Dado o estado de tensão no território, que tem levado a confrontos entre independentistas e integracionistas, não teria sido mais seguro adiar o referendo? FS – Não me parece que isso tivesse resolvido alguma coisa porque a provocação tem sido um hábito das milícias populares armadas por Jakarta, no sentido de desmoralizar o povo timorense. Portanto, se isso acontece agora também aconteceria daqui a um mês ou um ano, caso se adiasse o referendo para essa altura. É certo que as condições não são as melhores para se desenvolver um processo deste tipo mas é certo também que essas condições nunca chegarão se não nos livrarmos dos indonésios. Isso porque eles manipulam as pessoas e obrigam-nas a fazerem o que Jakarta quer. Acredito mesmo que as milícias armadas sejam, na sua maioria, compostas por indonésios e que, os poucos timorenses que lá estão sejam obrigados a isso por serem pressionados com actos de violência e de chantagem. Era isto que os indonésios faziam quando eu estava em Dili, na resistência, e é isto que fazem, deste o dia em que invadiram o território, há 23 anos. SR – Acredita na pacificação do território, após a consulta popular? FS – Essa é uma coisa em que não acredito e cujo desfecho todos tememos, porque se a independência ganhar, como acreditamos, não estou a ver os indonésios aceitarem a decisão com facilidade. Isso porque custa-lhes muito perder um território tão rico e, por outro lado, significa a esperança para as outras ilhas que há muito lutam pela independência. Aliás, temos visto muitas tentativas dos indonésios para amedrontar o povo timorense e não é novidade nenhuma que eles não venham a aceitar bem a independência, uma vez que até a presidente eleita, Magawati, já tornou público que gostaria de continuar a ver Timor na Indonésia. As expectativas não são muito animadoras quanto ao futuro imediato, mas o que é certo é que há que fazer qualquer coisa por Timor. Agora, há que votar e esperar pelos resultados com muita calma porque este é o momento ansiado por milhões de timorenses e pelo qual morreram muitas centenas de milhar. Depois da consulta popular, vamos ver o que se poderá fazer para pacificar o território. E acho que essa pacificação terá de passar pela libertação de Xanana Gusmão, pela intervenção da comunidade internacional e pela supervisão da ONU. SR – Se ganhar a autonomia, os timorenses acatam o resultado do referendo? FS – Não pensamos nisso porque acreditamos que Timor livre vai ganhar. É isso que o povo quer e é por isso que muitos de nós morreram ao longo de todos estes anos. Vamos esperar pelos resultados e depois se verá como reagir, caso não ganhe a independência. Mas parece-me que a independência só não ganhará se o acto for mesmo boicotado pela Indonésia ou pelas milícias armadas por Jakarta. SR – Se este referendo der a vitória à independência, as famílias residentes em Setúbal contam regressar a Timor Leste? FS – Sem dúvida que todos voltamos, embora uns mais cedo que outros. Sei que muitos dos meus conterrâneos residentes em Setúbal estão já a preparar-se para o regresso e que outros já foram para a Austrália na esperança de entrar em Timor assim que puderem. Nós, tal como muitas outras famílias, só iremos daqui a uns anos por causa dos filhos que cresceram aqui e estudam cá. Mas apesar destas dificuldades em conciliar a nossa vida pessoal e a dos nossos filhos com a necessidade de regressar a Timor, nenhum de nós quer deixar o território sem gente. Achamos que, agora mais que nunca, a reconstrução de Timor exige que estejamos todos lá para contribuirmos para a formação do nosso país. SR – Como é que vê o facto de Portugal ter criado um grupo empresarial para investir em Timor, após o referendo? FS – Estamos todos muito satisfeitos com a ideia dos empresários e do próprio Estado português, que irá permitir o investimento nas áreas mais prioritárias da vida dos cidadãos de Timor Leste. Para rumarmos à independência precisamos das estruturas que ajudam a fortalecer um país, como é o caso das obras públicas, das redes viárias, das infra-estruturas básicas, da criação de empresas e do nascimento de uma economia baseada na nossa riqueza. E embora Timor Leste seja um território riquíssimo, em termos de recursos, vamos precisar de ajuda para os potenciar. É o caso da agricultura, onde somos dos primeiros do mundo a produzir café e cacau. Isto já para não falar do petróleo que temos ao largo do mar de Timor. Assim, neste momento fundamental para o futuro de Timor Leste, esperamos a solidariedade dos portugueses e de todos os países que nos têm ajudado até hoje. |
Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |