[ Edição Nº 88] – Carlos Santos, cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo distrito de Setúbal.

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Edição Nº 8806/09/1999

Bloco de Esquerda quer ser a nova oposição
Carlos Santos acredita vir a ser eleito por Setúbal

          O cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo distrito de Setúbal às eleições legislativas de 10 de Outubro, Carlos Santos, está convencido de que será eleito deputado. Assim, o líder da candidatura por Setúbal, apresentada por esta nova força política constituída pelo PSR, pela UDP, pela Política XXI e alguns independentes, defende que está na hora de criar um novo grupo parlamentar e uma oposição de esquerda ao Governo. Por isso, promete desencadear uma política diferente, em defesa dos cidadãos e dos interesses do distrito.


Setúbal na Rede

– O Bloco de Esquerda (BE) estreia-se este ano na corrida para as eleições legislativas. Acredita existirem condições para eleger deputados?

Carlos Santos

– Acreditamos que sim, porque o BE tem todas as hipóteses de conseguir eleger uma representação parlamentar. Em Setúbal, lutamos pela eleição de um deputado, embora saibamos que é difícil. Trata-se de passar de 2,7% para quase 5%. Mas não nos resignamos com a actual situação e pensamos que as pessoas não estão designadas. Fora do distrito, pensamos eleger deputados em Lisboa e no Porto, as áreas urbanas onde o Bloco de Esquerda teve a sua base inicial. E esperamos resultados muito positivos noutras zonas do país, à semelhança do que aconteceu nas eleições europeias.

SR

– O que é que vai mudar no país, se conseguirem eleger deputados?

CS

– É necessário mudar a qualidade da oposição e nós vamos contribuir seriamente para isso. Portugal não tem só um problema de governação, tem também um problema de oposição. E dou um exemplo simples: se nesta legislatura tivesse existido um grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, de certeza que o Partido Socialista não teria chegado a estas eleições sem ter sido alvo de uma moção de censura. Naturalmente, teríamos apresentado uma moção de censura, e mesmo que não fosse aprovada seria um acto muito concreto e claro de rejeição da política do Governo do Partido Socialista. Achamos que não chega criticar porque é preciso ter actos concretos e apresentar propostas de transformação e mudança.

SR

– Como é que classifica a actual oposição?

CS

– Cada vez há mais uma semelhança entre a política aplicada pelo PSD e a que é aplicada pelo PS. E o PSD não chega a ser uma oposição. Quanto ao PCP, de facto tem seguido uma política de oposição e é um partido absolutamente necessário na oposição ao chamado bloco central, composto pelo PS e pelo PSD. No entanto, o PCP desliza entre dois pontos porque nem está com o Governo PS nem dá passos no sentido de criar uma alternativa de esquerda, real e efectiva. E para construirmos uma alternativa à esquerda do Governo do Partido Socialista, precisamos de uma esquerda plural.

SR

– Isso é um convite aos descontentes do PCP?

CS

– O que me parece importante é que as pessoas que estão decepcionadas com o PCP não engrossem as fileiras do PS. É necessária uma alternativa de esquerda e o Bloco de Esquerda é essa alternativa porque, cada vez mais, há muitas pessoas que não se sentem representadas pelo actual quadro de representações parlamentares porque este esquema que, de facto, se esgotou.

SR

– Se for eleito deputado por Setúbal, o que é que fará pelo distrito?

CS

– Há duas questões essenciais no trabalho do Bloco de Esquerda: a apresentação de propostas concretas e a relação entre o deputado e os eleitores. E sobre estes assuntos, iremos introduzir mudanças importantes. Ao nível das propostas, já apresentamos uma sobre a reforma fiscal e no futuro iremos concretizar outras matérias. Mas não nos vamos limitar ao quadro parlamentar porque, no caso de algumas das nossas propostas não chegarem a plenário, vamos desencadear outros mecanismos de participação popular. Ao nível da relação entre o eleito e o eleitor, vamos ter deputados profundamente ligados aos distritos que os elegeram. Iremos fazer com que cada deputado circule pelo distrito por onde foi eleito, oiça a população e tome conhecimento dos seus problemas.

SR

– O facto do BE ter à frente da lista por Setúbal uma pessoa do distrito, quer dizer que o Bloco acha essa uma condição fundamental?

CS

– É importante que o cabeça de lista seja do distrito mas também admito que, por vezes, não seja, e isso acontece muitas vezes. Não sendo fundamental, acho importante que o cabeça de lista seja do distrito porque, ao falar dos assuntos da região, não fala só com conhecimento de causa mas também sente aquilo de que fala. Evidentemente que alguém que vive na região sente mais os problemas do que aqueles que vêm fazer cá uma campanha e no dia seguinte vão-se embora.

SR

– Sendo um candidato do distrito, considera-se mais habilitado que os outros para defender os interesses de Setúbal?

CS

– Não, mas acho que existem políticas diferentes e a política que o BE defende, irá defender o distrito de Setúbal. Não quer dizer que outros partidos não o possam fazer, mas do que tenho a certeza é que o BE apresentará propostas essenciais para o distrito.

SR

– Que propostas é que a população do distrito poderá esperar de um deputado do BE, caso venha a ser eleito?

CS

– Há questões que devem ser alvo de intervenção, como é o caso das portagens para Lisboa. A população não deve pagar um imposto para entrar na capital porque isso significa uma subalternização das pessoas e desta região. Muitos outros problemas do distrito também nos preocupam, pelo que vamos desencadear iniciativas no sentido de os resolver. É o caso da insegurança ao nível das garantias de trabalho, com contratos a prazo e trabalho escravo, da precariedade em todo o distrito e da própria falta de segurança no local de trabalho. São situações que afectam a camada mais nova dos trabalhadores, em todos os seus direitos e, por outro lado, afectam também a camada mais velha que é considerada demasiado velha para arranjar emprego e demasiado nova para ir para a reforma.

Há outros assuntos que nos preocupam e, como tal, serão alvo de iniciativas parlamentares, como é o caso da recuperação da Torralta. Trata-se de um problema muito sério porque é grave que se continue a fazer de Tróia um projecto turístico apenas para alguns. Isso tem acontecido ao longo dos anos e temos visto que se trata de um projecto falido. Ou seja, nem se faz turismo para todos nem se tem sucesso no projecto que se quer implementar. E, neste aspecto, a Câmara de Grândola tem uma responsabilidade fundamental na garantia de que a população de Setúbal terá acesso a Tróia sem quaisquer barreiras, sejam elas físicas ou económicas. Depois há a questão ambiental porque triplicar a construção em Tróia é uma barbaridade para uma zona tão sensível como aquela.

SR

– Tendo este movimento uma origem fortemente urbana, pode dizer-se que a qualidade de vida nas áreas metropolitanas também o preocupa?

CS

– A qualidade de vida nas cidades é preocupante, particularmente nas que estão inseridas no distrito de Setúbal. E começa logo pelos transportes, sendo lamentável a prioridade absoluta que se tem dado ao automóvel. Não digo que não se use o transporte próprio, mas temos que ver que essa não é a solução para o dia a dia dos cidadãos. Por isso é necessário dar prioridade ao transporte público, nomeadamente ao transporte ferroviário, que é o que menos polui e o que melhor serve as pessoas. Quanto aos transportes colectivo, é lamentável a situação do distrito, com um comboio na ponte de preços altos e fora da chamada rede de passe social.

Por outro lado, a linha Barreiro/Setúbal continua lamentável há 50 anos sem que os problemas sejam resolvidos. Ou seja, é preciso investir seriamente nos transportes colectivos de passageiros, nomeadamente no transporte ferroviário, no transporte fluvial e no transporte rodoviário. Ainda ao nível da qualidade de vida nas cidades, um dos maiores problemas está na habitação e isso deve-se à excessiva densidade habitacional, à construções sem qualidade e aos guetos que se vão criando. Isto é uma segregação social, cada vez mais visível em Setúbal, onde a habitação se divide, cada vez mais, entre dois extremos: os bairros sociais e os condomínios privados.

SR

– Se o BE não conseguir eleger um deputado por Setúbal, qual vai ser a posição dos candidatos em relação aos eleitores da região?

CS

– Estou plenamente convicto de que, nestas eleições vai dar-se uma mudança e que vamos acabar com a situação de existirem apenas quatro partidos com representação parlamentar. Em qualquer caso, o Bloco insistirá no seu trabalho e continuará tal como nasceu, a partir de vontades variadas, sendo uma esquerda nova e plural. Por isso, se eventualmente não elegermos um deputado por Setúbal, o trabalho vai continuar junto da população, como sempre fizemos desde que o Bloco nasceu. Seja como for, o trabalho do BE vai continuar em defesa dos interesses da população, quer nestas legislativas quer na preparação das próximas eleições autárquicas.

Entrevista de Etelvina Baía
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