Edição Nº 89 • 13/09/1999 |
Convencido de que será eleito por Setúbal
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– Porque é que aceitou ser o cabeça de lista do PP, pelo distrito? Rosado Fernandes – Aceitei porque queria dar uma ‘mãozinha’ a uma direita respeitadora dos direitos e das obrigações humanas e, com a minha intervenção, contribuir para que este bloco central que tiraniza suavemente o país, distribuindo entre si os lugares e insultando-se de vez em quando se as comadres não estão contentes, deixe de fazer isso porque este domínio é um dos grandes travões ao desenvolvimento de Portugal. O sistema quadripartido parece-me certo, com comunistas e socialistas, o PSD que é um ser anfíbio que nunca sabe se é social democrata ou liberal, e depois vem o PP que se define não como completamente centrista, porque eu não acredito no centro, mas uma direita que respeita a liberdade. SR – A escolha do seu nome não foi uma questão pacífica dentro do PP. Como é que irá gerir os eventuais ‘anti-corpos’ dentro do próprio partido? RF – Isto foi polémico sobretudo para mim porque já tinha cumprido a minha missão no Parlamento Europeu e não estava lá muito interessado em ingressar na política nacional. É uma política um pouco mesquinha, não há uma tradição democrática e as pessoas discutem coisas que não têm interesse para o país, pelo que acho que a classe política ganharia muito se tivesse um pouco mais de cultura. Quanto ao meu nome, a coisa não foi assim tão trágica mas bastava que me tivessem dito que nem sequer cá tinha posto os pés. No que se refere aos ‘anti-corpos’, é preciso dizer que o PP sempre teve uma tendência mortífera autofágica que não tem favorecido nada a sua imagem. Tem-se feito uma espécie de canibalismo partidário, em que vários chefes de tribo tentam devorar-se uns aos outros, no entanto parece-me que o presidente Paulo Portas tem tentado criar uma certa convivência, o que é importante num partido. Fui presidente da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP) durante doze anos e numa organização como aquela há intrigas por tudo o que é sítio mas, como sempre, estou-me nas tintas para as intrigas. Isso é normal na sociedade humana, por isso ignoro-as. SR – Acredita que o eleitorado de Setúbal vai elegê-lo deputado? RF – Tudo depende do entusiasmo das pessoas e de quererem, ou não, mudar a situação actual. Acredito que serei eleito porque já há muita gente a abrir os olhos para os problemas, mas se não abrirem os olhos pior será para Setúbal porque para mim não faz diferença nenhuma, não é disto que eu vivo. Apostei para ajudar uma causa, não para me servir a mim porque um deputado não ganha nada. Acredito na propriedade privada e na iniciativa privada, acredito no respeito pela liberdade individual e foi por isso que fui presidente da CAP e ajudei a formá-la, foi por isso também que trabalhei na clandestinidade porque, depois do 25 de Abril, um descendente de um latifundiário não podia aparecer. SR – Preocupa-o a possibilidade do facto de ser dirigente da CAP influenciar a tendência de voto dos eleitores do distrito? RF – A CAP é considerada pelo PCP, como uma organização fascista. Entretanto não sei se existirão 250 mil fascistas em Portugal, que é o número de sócios da CAP desde Viana do Castelo ao Algarve. Mas, contrariamente ao que pensam alguns teóricos, o fascismo é feito pelos movimentos totalitários da pequena burguesia. Acredito que o facto de eu ser da CAP pode influenciar negativamente o sentido de voto, se as pessoas acharem que eu não defendi os seus direitos. Mas quando se está já intoxicado com estas coisas, ao ponto de me considerarem fascista, está tudo dito. SR – Então está disposto a fazer campanha eleitoral no Poceirão e nas outras zonas agrícolas onde predominam agricultores associados da CNA? RF – Sim, acho que pelo menos posso ir lá falar com as pessoas e peço é que não me recebam à tomatada. Conheço bem a realidade agrícola, sei bem das dificuldades por que estamos a passar e era bom que todos se lembrassem que, neste momento, o grande problema mundial é que é a alta finança que domina os preços no mercado. Essa alta finança diminuiu o valor do produto agrícola e colocou-o abaixo do preço de custo, e com isto tem provocado grandes dificuldades às pessoas e também muitas falências. Aqui, as forças políticas podem ter um poder muito grande negociação com as fábricas e com as grandes superfícies porque, apesar de tudo, as grandes superfícies e as fábricas também dependem do poder político. SR – Como é que vê o distrito de Setúbal em relação ao todo nacional? RF – É um distrito riquíssimo porque tem tudo. Tem uma enorme variedade de recursos naturais, há salinas, cortiça, pinheiro manso, eucaliptais e uma floresta que produz, tem vinho de qualidade e tem água. Estes são produtos de valor acrescentado e vendáveis no mercado internacional. Tem boas empresas exportadoras e alguma indústria. Portanto, o que faz falta para desenvolver Setúbal é vontade política e a promoção do ensino médio. Não acredito que, com o ensino politécnico e com o ensino universitário se resolva o problema português, que é a massa crítica. Portanto, ou Portugal aposta no ensino médio ou será sempre o pasto das multinacionais que compram uma série de companhas a preço de saldo. Os países pobres como o nosso, e sobretudo católicos, porque gostam muito de apresentar igrejas mesmo que elas estejam vazias de fiéis. Nós apresentamos boas auto-estradas, grandes hospitais e grandes escolas mas continuamos a ter um ensino mau, filas nos hospitais e, se calhar, um dia destes as nossas auto-estradas podem servir para fugir daqui e não para entrar. SR – Então discorda dos partidos que defendem ser Setúbal um caso problemático de desemprego e pobreza? RF – Sei que há quem diga isso mas também sei que Setúbal não é assim. O distrito foi escolhido para isso porque fica perto de Lisboa, é um adversário fácil virem cá ‘cheirar’ e dizer o que lhes apetece. E o problema é que não há massa crítica que os mande calar e os mande pensar melhor antes de dizerem asneiras, sejam eles bispos, autarcas ou deputados. SR – Questões como a reestruturação da Lisnave e o plano de recuperação da Torralta preocupam-no particularmente? RF – Como todos os estaleiros do mundo, a Lisnave levou uma ‘pancada’ devido à evolução tecnológica e à concorrência total das duas Coreias, para além do desaparecimento da nossa Marinha. Depois, durante um período as pessoas ficaram destruídas e com as capacidades económicas afectadas. E sobretudo, lançou-se o pavor em todos os que tinham alguma coisa de seu, porque eram chamados fascistas. Actualmente, a reestruturação está em curso e agora o que a Lisnave tem que fazer é procurar clientes, entretanto, se esses clientes forem do leste europeu arriscam-se a não ter liquidez suficiente para cumprir as suas obrigações. Quanto à Torralta, por um lado espero que a Sonae faça um empreendimento mais humano do que aquelas torres que já lá estão, por outro não posso criticar o Governo por ter cedido aquilo a baixo preço. É que, quando um Governo, na sucessão de sucessivos governos, deixa arruinar uma zona como aquela tem que assumir as responsabilidades e não pode exigir ao comprador que vá pagar as dívidas feitas por outro lado. SR – Não partilha os receios da população, de que os acessos às praias lhe seja vedado? RF – Isso implicaria uma negociação com a Torralta e, naturalmente, seria bom ver as alternativas existentes porque a população de Setúbal ainda tem praias desde a Figueirinha a Galapos, e da Arrábida e ao Cabo Espichel. Mas as pessoas ainda não sabem se essa possibilidade de condicionar o acesso existe ou não, as coisas falam-se mas não há certezas. Nestes casos deve acabar-se com os falatórios, esclarecendo as pessoas sobre os projectos em causa. Depois há um outro aspecto da Torralta que é muito importante, o do emprego e da requalificação urbanística da península. SR – Estando ligado às questões da agricultura, como é que vê a crise instalada entre os pequenos agricultores do distrito? RF – Há problemas, particularmente no Poceirão, onde os agricultores continuam com problemas devido ao vírus do bronzeamento do tomate. Isto deve-se ao facto de existir uma monocultura de tomate há muitos anos e só se consegue evitar fazendo culturas alternativas que evitem esse vírus. Mas claro que não pode ser uma alternativa de pousio, em que eles fiquem quatro anos sem receberem rendimento nenhum. Portanto, a solução passaria por um estudo científico e pela produção alternativa. Era bom que o Instituto de Agronomia saísse dos escritórios e viesse aqui, mas também seria bom que os agricultores tivessem iniciativa, até porque já poderiam ter contactado os serviços do Ministério da Agricultura e alguns especialistas que os poderiam aconselhar sobre a melhor forma de evitar a perda de rendimento. Depois há aqui um elemento político, com os agricultores todos à esquerda, e é evidente que interessa mantê-los todos a protestar porque isso dá votos. Por vezes vejo com muito cepticismo a manipulação de alguns agricultores, é fácil fazer demagogia e prometer o céu na terra mas o que é difícil é apresentar propostas concretas que resolvam os problemas. SR – Qual é o adversário do PP, nestas eleições? RF – Se calhar é aquele que estará mais próximo de nós, o PSD, e no fundo são aqueles que deveriam estar connosco e não estão. Nestas coisas, o nosso inimigo é quase sempre o nosso primo. Abstenção, é claro que vai haver principalmente por causa do bloco central porque as pessoas partem do principio que o bloco central ganha e, assim, nem sequer vão votar. SR – Vê com bons olhos a proposta do presidente o PSD, de adiar a data das legislativas por causa dos problemas em Timor Leste? RF – Acho que se trata de um aproveitamento de ‘chico-esperto’ de uma questão traumática que toda a sociedade portuguesa sente. Não vejo razões para adiar as eleições legislativas e nem sequer acho que isso seja viável. |
Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |