[ Edição Nº 90] – Testemunhos de Timor “Sol Nascente”.

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Testemunhos de Timor “Sol Nascente”
(I parte)

          Em representação do Partido Ecologista “Os Verdes”, integrei a Missão Oficial de Observadores Portugueses na Consulta Popular de Timor Leste.

Cheguei a Dili no dia 11 de Agosto, onde fui informado do meu destino definitivo durante a missão: Ambino.

Ambino é um distrito situado junto ao mar, na parte ocidental da ilha e rodeado por território de Timor indonésio, constituindo assim um enclave. A sede do distrito é a cidade do Oecussi, ali junto a Lifau, capital da colónia de Timor até 1769 e onde pela primeira vez desembarcaram os Portugueses. Junto à Praia, permanece ainda um monumento em pedra a testemunhar a passagem dos Portugueses por aquelas terras, na placa diz-se “Aqui desembarcaram os Portugueses – XVIII-VIII-MDXIV”, e na superfície do último degrau onde assenta o monumento, em letras desenhadas com pequenas pedras pode ainda ler-se: “Aqui também é Portugal”.

Os Timorenses, gente inofensiva, dócil e acolhedora, cujos silêncios diziam tanto, cujos olhares alcançavam os horizontes do desejo de dias livres de opressão e de “guerra”, sempre que se cruzavam connosco, cumprimentavam-nos com uma alegria que não escondiam. Os mais velhos falavam Português e mostravam-se sempre dispostos a indicar caminhos ou a prestar outras informações.

Por todo o território as casas tinham hasteadas bandeiras da indonésia. Questionando tal facto, foi-me explicado que era hábito hastear a bandeira para as comemorações do dia da independência da indonésia (15 de Agosto) mas que toda a gente havia sido aconselhada a deixar estar as bandeiras até ao dia do referendo.

A campanha eleitoral começou no dia 14 de Agosto. Assistimos a quase todos os comícios, tanto da UNIF (Autonomia) como do CNRT (Independência). De comum estes comícios tinham apenas o inicio que era invariavelmente igual: começando em oração. Mas as semelhanças esgotavam-se neste testemunho de um povo que é profundamente católico, de resto tudo era diferente. Os comícios da UNIF eram inundados por bandeiras com as cores da Indonésia previamente colocadas por todo o lado, havia distribuição com alguma abundância de camisolas, coletes, bonés e bandeiras da indonésia, sempre acompanhados por uma banda musical, nos comícios do CNRT, viam-se apenas dois ou três cartazes e um poster de Xanana Gusmão, pendurados nos troncos das árvores. Nos comícios da “Autonomia” percebia-se alguma arrogância no tom de voz dos oradores que olhavam os observadores Portugueses de forma intimidatória e até as pessoas que assistiam pareciam ter receio de nos cumprimentar. É que nestes comícios as milícias estavam sempre presentes. Nos comícios da “Independência”, procurava-se explicar como votar. Sempre com muito mais assistência, falava-se a medo, agradecia-se a presença dos observadores. A chegada dos observadores portugueses chegava a ser motivo para interromper os comícios com aplausos, o que nos causava algum embaraço. Era cada vez mais evidente que a nossa presença tranquilizava aquela povo, cansado de dor e perseguição, que apenas clamava paz e liberdade.

Mas a campanha decorreu quase até ao fim sem grandes problemas e sem confrontos, o que fazia prever que o enclave de Ambino era afinal uma excepção ao resto do território de Timor Leste. Mas não foi.

No último dia de campanha, 27 de Agosto, as coisas alteraram-se radicalmente e os acontecimentos mostravam que afinal os receios dos que a medo nos haviam já confessado que “depois da votação, vão-nos matar a todos”, começavam a fazer sentido. Nesse dia houve dois comícios no Oecussi marcados para a mesma hora. O comício da “Autonomia” acabou e os seus entusiastas resolvem passar por perto do local onde ainda decorria o comício do CNRT. Passaram em caravana, a buzinar e a fazer um enorme alarido, agitando as bandeiras da indonésia. Indiferentes à provocação, as pessoas que assistiam ao comício deram as mãos e enquanto a caravana passava, cantaram o que parecia ser, uma música religiosa, que só terminou quando o último camião da caravana já ia longe. Aqui estava uma excelente lição de democracia que com elevação aquela gente soube mostrar ao mundo, através do olhar atento de todos os observadores.

Terminado o comício deslocaram-se a pé ordeiramente, formando enormes e volumosas filas até à sede do CNRT para dali partiram para as respectivas aldeias. Porém quando se preparavam para sair da cidade, sente-se uma agitação no fim da multidão. Era já noite e nós que vínhamos em sentido contrário estacionamos o jipe na berma da estrada e saímos. As pessoas começam a correr, e quando viram o nosso Jipe, agarram em pedras. Iinstintivamente levanto as mãos. Só muito perto perceberam, pela bandeira colada no Jipe, que eramos observadores Portugueses. Deixavam então cair as pedras e tentavam comunicar que ao fundo havia confusão. Pediam ajuda, mas nós nada podíamos fazer. A policia entretanto vem para o fundo da “manifestação”, o Jipe azul das milícias dirige-se a grande velocidade em direcção às pessoas ali concentradas e mesmo ali ao nosso lado 6 policias com armas em punho formam uma barreira e obrigam o condutor a uma travagem brusca. Ainda consegui ver a policia desarmar o condutor, antes da policia nos mandar sair dali rapidamente.

Nessa noite várias mulheres e crianças procuraram abrigo em nossa casa, sentiam-se mais protegidas. A nossa presença parecia criar uma aura de protecção que para nós tinha o reverso da responsabilidade de pouco ou nada poder fazer para a sua segurança.

Constava-se que as milícias iam atacar naquela noite. Fomos à policia pedir escolta, foi-nos dito que não havia efectivos disponíveis. Regressámos a casa. Durante a noite ouviram-se tiros. (

José Luís Ferreira
Elemento da Missão Oficial de Observadores Portugueses na Consulta Popular
em Timor Leste, em representação do Partido Ecologista “Os Verdes”
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