As eleições timorenses pela independência recordam o que aconteceu em Portugal em 1975, na África do Sul no dia em que milhões de mulheres e homens conquistaram o direito a serem considerados cidadãos e cidadãs, as primeiras eleições moçambicanas. Uma onda de liberdade levou o povo a pegar num voto e somá-lo ao dos seus concidadãos. Oitenta, noventa e tal por cento de participação! Filas intermináveis, vencendo o sol e a sede de justiça.
Do outro lado do mundo há um crocodilo, com forma de ilha, que culmina no Tata Mai Lau. Timor Lorosae! Densamente coberto por floresta tropical, que galga as montanhas, Timor é filho e filha da natureza, única força que permitiu a sobrevivência de um povo ao extermínio. Vivam as montanhas, onde a gente espera que o regime indonésio sacie a destruição e a morte, perante a cumplicidade de Clinton, Blair, Chirac!
A situação no terreno é patética. A Interfet tem o seu plano, liderado pela Austrália, que consiste em contornar a política de apoio directo ao regime de Jacarta que manteve ao longo de décadas, desde a invasão de 1975. A população timorense é secundária.
Mas foi na Austrália que surgiu uma vaga de solidariedade com o povo da ilha do crocodilo, só comparável com a surpresa de Portugal. Sindicatos, grupos e associações vieram para as ruas manifestar-se contra o segundo genocídio em curso, estimuladas pelas associações de exilados, sobretudo em Darwin, informadas em directo pela comunicação social dos terríveis e previstos acontecimentos a seguir à vitória no referendo.
E foi o segundo 25 de Abril em Portugal! O país parou. Pôs-se em movimento, invadiu ruas e praças, entrou dentro das fábricas e empregos. Os carros pararam. Foi bonita a festa, pá! A atitude do governo português deve ser considerada farisaica. Os últimos relatos enviados de Dili referem que estalou o verniz do gabinete do padre Melícias, cujos responsáveis máximos terão “perdido a paciência” com os negociadores da resistência… antes de anunciarem que já está em Portugal uma carga de chapas de zinco para construírem as casas incendiadas, pilhadas, perante o cinismo dos EUA, da UE, da ONU. Mas que governo é este? Quem é afinal António Guterres, que há quatro anos se vangloriava de tratar por tu os chefes das potências político-militares europeias, que continuaram sempre a vender as granadas, as munições, as metralhadoras, os helicópteros bombardeiros, os tanques. Guterres é amigo dos cúmplices do genocídio.
Mas serão eles amigos de Guterres, ou será ele um pobre diabo, sem dignidade, que no Kosovo reclamou sempre mais guerra, sangue, ódio, destruição e que em relação a Timor se envolve no manto da caridade tecido pelo papa, que afirmou sempre a cumplicidade com os militares indonésios. Foi o povo e não o governo português, que desencadeou, na hora H, o fantástico grito de revolta, que se ouviu nas montanhas de Dili e na Austrália, que se repercutiu finalmente nos patrões do mundo e que os obrigou a declarar que afinal não se tinham esquecido dessa promessa que fizeram: defender os direitos humanos e o direito de os povos elegerem o seu caminho. Mas como é isso? Quem acredita que os patrões do mundo prescindam dos negócios com a Indonésia em favor de um povo a que roubaram tanto e que não tem dólares?
Não podemos perder a atenção. A causa de Timor é nossa. A paz é possível em Timor Leste. Estamos nessa!