Edição Nº 94 • 18/10/1999 | |
MEMÓRIAS DA REVOLUÇÃO |
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(Suspensão da publicação do Sesimbrense) |
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Na época da ‘caça às bruxas’ Sesimbrense suspendeu edição O jornal “O Sesimbrense” sofreu um revés em Outubro de 1974, ao decidir-se pela auto-suspensão até que o período ‘quente’ acalmasse. Na base de tal decisão esteve a divulgação de uma lista de pessoas ligadas ao Partido do Progresso, entretanto ilegalizado, na qual surgia o nome do director da publicação. José Graça Costa, actual presidente da Liga dos Amigos de Sesimbra e um dos membros da direcção da então Liga dos Amigos do Castelo, proprietária da publicação, recorda os acontecimentos que levaram à suspensão do único jornal do concelho. |
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– Onde é que estava no dia 20 de Outubro de 1974? José Graça Costa – Estava em Lisboa, no Instituto Nacional de Estatística, onde era funcionário. Como só ia a Sesimbra, onde vivo, praticamente aos fins de semana, foi no fim de semana seguinte que soube que o corpo redactorial do Sesimbrense tinha decidido suspender a publicação. Na altura eu era membro da Liga dos Amigos do Castelo, agora Liga dos Amigos de Sesimbra, que detinha a posse do jornal. E, pelo que me foi dado saber, tal decisão nem sequer passou pela direcção da Liga. SR – A que é que se deveu a auto-suspensão do jornal? JGC – Pelo que me contaram mais tarde, teve a ver com o facto de, na sequência da ilegalização dos partidos do Progresso, Liberal e Nacionalista, que se dizia estarem ligados ao antigo regime, ter sido divulgada uma lista de pessoas do Partido do Progresso onde constava o nome do director do jornal, Hernâni Roque. E a intenção parece ter sido a de deixar passar aquele período conturbado que o país vivia e, ao mesmo tempo, permitir que se esclarecesse a questão do nome do director, porque o jornal nunca teve qualquer ligação fosse que partido fosse. Entretanto, só os que estavam mais próximos do jornal é que tiveram conhecimento da auto-suspensão, na medida em que foram sendo avisados, porque quem não estivesse a par dos acontecimentos só daria pela falta no final do mês, já que o jornal é de publicação mensal. SR –De que forma recebeu a notícia da suspensão? JGC – Eu compreendi as razões que levaram a tal decisão, dado o período conturbado que se vivia naquela época revolucionária. Tanto assim que, mais tarde, durante uma reunião, a direcção da Liga não tomou qualquer posição frontal, pelo contrário, entendeu e aceitou a decisão do corpo redactorial. Naturalmente, a Liga continuou em funcionamento e o espaço da Liga esteve sempre aberto. Portanto, foi uma mera suspensão para deixar passar aquele período conturbado e também, de certa forma, para tentar que o assunto se esclarecesse. SR – Como é que a população reagiu à suspensão do único jornal do concelho? JGC – Era, de facto, um jornal com tradições e muito importante para o concelho. No entanto, não houve qualquer pressão exterior para que a suspensão ocorresse, e muito menos houve qualquer reacção posterior à decisão do corpo redactorial. A população de Sesimbra não se manifestou a propósito e nem sequer interpretou a decisão como o resultado de qualquer tipo de ligação política. Esta foi mais uma suspensão, das várias que ocorreram porque um jornal deste tipo tem sempre problemas financeiros. Claro que, se não nos pagam as assinaturas nós não podemos publicar. SR – No entanto, esta suspensão durou mais de um ano. JGC – Sim, ela decorreu durante algum tempo até que se concluiu que a publicação deveria voltar às bancas, mais que não fosse para não perder a titularidade. E tal como aconteceu nas outras suspensões, o jornal teve que voltar a ser publicado, embora com alguma irregularidade, para evitarmos perder o título. A suspensão de 1974 trouxe-nos um pequeno problema, que foi a necessidade de procurar um director para o jornal, mas algum tempo depois conseguimos resolver o assunto e decidir pela pessoa que, estando já reformada, estava sempre em Sesimbra e tinha gosto por aquele trabalho. Era o tenente-coronel Carlos Palmela, que inclusivamente, ajudou muito o jornal do ponto de vista financeiro, o que permitiu que voltasse a ser publicado mais de um ano depois. Para além disso não tivemos problema algum em pôr o jornal a funcionar, o corpo redactorial era o mesmo e conseguimos recuperar muitas das assinaturas. SR – Quando é que a situação do jornal estabilizou? JGC – Depois dos anos oitenta as coisas começaram a melhorar e, embora não estivéssemos a nadar em dinheiro, o jornal começou a sair com mais regularidade. Isso levou a uma certa dinamização do trabalho, nomeadamente através do que a Liga tem vindo a fazer no sentido de denunciar os problemas do concelho. Aliás, as questões mais quentes de Sesimbra têm vindo a fazer com que a Liga surja como um elemento importante da sociedade civil no diálogo com os poderes autárquicos e os próprios partidos políticos. A Liga quer ser uma força que atravessa todos os partidos, com gente disposta a trabalhar em prol do concelho, independentemente da ideologia política ou partidária de cada um. SR – Tendo o Sesimbrense nascido em plena ditadura, alguma vez sentiu dificuldades no exercício da sua actividade. JGC – O jornal nasceu em 1926 e foi fundado por Abel Gomes Pólvora que sempre teve uma natureza independente, era uma pessoa de prestígio e de posses financeiras. Daí que, embora se dedicasse aos problemas com que Sesimbra se debatia na altura, os trabalhos eram basicamente de natureza financeira. Claro que, tal como todos as outras publicações, via todos os seus trabalhos passarem pelo lápis azul da censura. No entanto, não tenho conhecimento de que tenha tido qualquer problema. Depois, o título passou para a Liga, continuando sempre na linha do tratamento dos problemas do concelho, sem qualquer tipo de ligação ou pressão partidária ou política. SR – Como é que Sesimbra viveu o período revolucionário? JGC – O concelho viveu pouco essa época, em termos de intensidade. Passou-se tudo um bocado ao lado, embora aqui tenham ocorrido alguns acontecimentos. Mas nada como se verificou em quase todo o distrito, com acções como por exemplo, as ocupações de casas. Também aqui foi criada a Comissão Administrativa da Câmara Municipal, no entanto não tivemos qualquer problema, embora estivessem lá representados os mais diversos partidos. Lembro-me também da greve dos pescadores, que levou à fundação das cooperativas, e que foi uma acção pacífica. Os pescadores estão mais preocupados com o trabalho e em todas as acções que desenvolvem têm sempre uma atitude pouco partidária. Mesmo nas barricadas de 28 e 29 de Setembro, não me recordo de nenhuma em Sesimbra. Nessa altura estava em Canas de Senhorim e, lembro-me que para regressar ao sul esforcei-me por escapar às barricadas. Consegui contornar todas e fui dormir a Sesimbra, onde não vi nenhuma. No dia seguinte quando voltei para o trabalho, em Lisboa, fui apanhado na barricada da ponte sobre o Tejo. Só tive que abrir a bagageira para os militares revistarem e, como não havia lá nada, atravessei a ponte e fui trabalhar. Ou seja, Sesimbra atravessou o período revolucionário sem grandes problemas e, embora se tenham verificado alguns acontecimentos, o ambiente era de calma, contrariamente ao que se verificou no resto do distrito. |
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Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |