[ Edição Nº 99] – Álvaro Maurício, presidente da Junta de Freguesia de Cacilhas.

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Edição Nº 9922/11/1999

Para restituir o Tejo à freguesia
Cacilhas defende a recuperação ribeirinha

         O presidente da Junta de Freguesia de Cacilhas, Álvaro Maurício, acredita na aplicação do protocolo assinado entre o Governo e a Câmara de Almada, para a reabilitação da frente ribeirinha e atlântica do concelho, e defende que os projectos previstos mudarão radicalmente a freguesia. No entender do autarca, com as medidas previstas, a zona ficará ‘de cara lavada’, tendo assim oportunidade de recuperar o contacto com a frente ribeirinha, virando-a para as áreas do lazer e do turismo.


Setúbal na Rede

– Que benefícios terá a freguesia com a aplicação do protocolo para a reabilitação da frente ribeirinha e atlântica de Almada?

Álvaro Maurício

– Os benefícios serão alguns porque a zona ribeirinha, com um quilómetro e meio de extensão, está cheia de barracões abandonados pelo desaparecimento da indústria naval e das várias fábricas de outros sectores ali instaladas. A Câmara pretende requalificar toda a área e esta recuperação já começou com as obras na Fonte da Pipa, onde está a ser construído o elevador panorâmico que vai de Almada Velha até Cacilhas. Isto trará muitos turistas para o Ginjal e, sendo esta uma das zonas a requalificar em termos ambientais e de ordenamento, prevê-se ainda que os armazéns possam ter investidores para ali se instalarem serviços e hotelaria. Assim, esta área passará a ser de utilização pedonal para que as pessoas possam usufruir do rio Tejo, até agora escondido da própria cidade.

SR

– Concretamente, o que é que vai mudar na freguesia?

AM

– As pessoas vão ver a terra de ‘cara lavada’, uma vez que vai passar a ter uma zona pedonal bonita, a requalificação de áreas como aquela onde estavam os estaleiros da Lisnave, onde está o morro de Cacilhas. E parece-me que, com o largo recuperado, com a zona do Ginjal reabilitada e com a rua principal transformada em zona pedonal – embora aqui haja alguma resistência dos comerciantes que temem o afastamento dos clientes – acho que as coisas vão mudar na freguesia. E mesmo em relação à transformação da rua principal em zona pedonal, há um projecto que nos diz que os comerciantes e toda a população vão ganhar com isso porque a freguesia é uma das portas de entrada do concelho de Almada. Por isso, acho que todos os cacilhenses e as pessoas que nos visitam merecem que a freguesia tenha uma certa dignidade.

SR

– Cacilhas foi-se degradando com o tempo, apresentando agora um certo ar de abandono. Como é que se chegou a este ponto?

AM

– Tudo começou com o abandono e encerramento das fábricas que aqui existiam. Foi o desaparecimento de fábricas como a de Olho de Boi, que se dedicava à reparação de navios, foi também o caso da Sociedade de Reparação de Navios, foi ainda o desaparecimento da actividade da pesca e de uma série de armazenistas e comerciantes que ali estavam implantados. Com a crise que se instalou, as pessoas não tiveram capacidade de resposta e preferiram fechar as portas.

SR

– No entanto, não se poderia ter evitado a degradação que hoje a área apresenta?

AM

– Foi um processo inevitável, porque quando as pessoas não querem abandonam as coisas. Custa-me muito percorrer essas zonas e ver o estado em que estão, mas por isso mesmo é que foi assinado o protocolo que visa a reabilitação total destas áreas. E penso que as coisas irão melhorar bastante, até porque há algum tempo a presidente da Câmara disse que estava previsto para ali algum investimento em hotelaria.

SR

– Um dos objectivos do protocolo é captar o investimento privado para estas áreas. Acredita que isso possa verificar-se?

AM

– Acredito porque a zona ribeirinha de Cacilhas tem potencialidade e acho que existem condições para os investidores privados apostarem. A prova é que a Câmara Municipal e a Administração do Porto de Lisboa (APL) estão apostas em mudar as coisas porque acreditam que a situação não pode continuar. E o processo está a avançar, embora não com a velocidade que gostaríamos de ver para que chegasse rapidamente à freguesia. No entanto, acredito que dentro de algum tempo vamos ver a zona ribeirinha da freguesia completamente diferente. E para ali, vejo uma zona de lazer e de serviços, com escritórios e algumas áreas de cultura com oficinas de arte e de artesanato.

SR

– A Junta acompanha suficientemente este processo para saber da opinião dos outros agentes, quanto ao que poderá ser o futuro da zona ribeirinha?

AM

– Sim, temos acompanhado o assunto de muito perto e sabemos que, na zona dos armazéns, existe muita gente interessada em ajudar na reabilitação da zona. Esta é uma freguesia um pouco envelhecida e ainda tem aquelas pessoas mais velhas que conheceram bem o Ginjal, muitas iam para lá à pesca e outras usufruíam da zona balnear numa pequena enseada. Depois, com a vinda da Lisnave, as coisas mudaram e quem conheceu Cacilhas antes disso sabe como a zona era antes disso. E com a saída da Lisnave, gostaria de ver naquela zona construções de carácter habitacional, cultural e desportivo, especialmente de carácter desportivo porque Almada gostaria de receber parte das realizações dos Jogos Olímpicos. E porque não, construir naquela zona, não a Manhatan de que se fala mas sim um pólo desportivo para apoiar os Jogos Olímpicos?

SR

– Então, a solução urbanística apresentada para aquele espaço, pela Margueira Capitais, não lhe parece a mais correcta?

AM

– Não, e o que me parece é que estavam à espera de alguma reacção por parte da Câmara. São mais de oitenta andares para uma urbanização privada, numa área de lodo e água conquistada ao rio e que pertence a todos os almadenses. Aquilo é de todos nós, e agora vêem dizer que se não lhes dão os milhões que querem, eles vão construir ali os edifícios. Por isso, já criámos um grupo de trabalho entre os deputados municipais para analisar este assunto. Nada daquilo faz sentido porque não há acessibilidades que cheguem para os cerca de 30 mil habitantes de que falam, a não ser que arrasem a Cova da Piedade para construirem acessos. Depois, será que há capacidade para abastecer tanta gente de água, será que os bombeiros estão preparados para qualquer eventualidade que possa ocorrer naquela zona? E como se sabe, aquela zona é uma área de actividade sísmica agravada. Para além disso, trata-se de corredor aéreo, com os aviões a atravessarem a zona para entrarem e saírem do aeroporto de Lisboa. Ou seja, é um projecto megalómano e demasiado utópico para ser aplicado.

SR

– O projecto para a zona ao lado do largo de Cacilhas também lhe parece megalómano?

AM

– Trata-se de um plano de pormenor para uma área que pertence à Câmara, a uma companhia de seguros e a outros particulares. Não me parece nada megalómano, pois é um projecto para uma área habitacional com alguns pólos culturais, como é o caso de um museu para salvaguardar e divulgar achados históricos como as conhecidas ruínas romanas. Parece-me que o que a Câmara pretende é razoável e não desfigura a zona que poderá ainda ter parques de estacionamentos subterrâneos. Isso retiraria dali os carros e os autocarros e, com a respectiva reabilitação do largo e da zona ribeirinha, transformaria aquela zona num autêntico Terreiro do Paço.

SR

– A Junta de Freguesia tem sido ouvida no que diz respeito aos projectos de reabilitação da zona ribeirinha?

AM

– Temos sido sempre ouvidos desde o início do processo e tudo o que diz respeito à nossa freguesia tem sido feito com a nossa participação. Um dos exemplos é o plano de pormenor para o morro de Cacilhas e para toda a zona envolvente. E os munícipes também têm participado no processo, através da discussão e da análise dos casos. Em relação ao caso Lisnave, a população e a junta também participaram, ou seja, aqui não se faz nada sem que a Câmara nos consulte e faça contactos permanentes com a população. Quando é necessário discute-se os assuntos porque, como pessoas de bem, que somos, entendemo-nos em relação a estas coisas. Por isso, a Junta sente-se parte integrante neste processo de desenvolvimento da freguesia.

SR

– Acredita que o protocolo assinado entre a Câmara e o Governo vai em frente?

AM

– Estou muito confiante, acredito que os projectos vão ser aplicados e que, a curto prazo, Cacilhas irá mudar de forma radical. Aliás, a freguesia está já a mudar devido a algumas obras que já estão em curso, embora não seja com a velocidade que se gostaria porque as verbas do poder central parecem estar a chegar a ‘conta gotas’. E isto leva a que, sempre que pode, a Câmara avance com verbas próprias, em vez de estar à espera do dinheiro do Governo.

SR

– Com todas as alterações previstas, que futuro prevê para a freguesia?

AM

– Vamos ter mais turismo e investir nas actividades relacionadas com o nosso potencial natural, muito virado para o rio. Podemos inclusivamente apostar nas nossas tradições culturais como factor turístico e, ao mesmo tempo, vamos poder ainda recuperar as capacidades da nossa restauração que sempre teve uma tradição gastronómica muito forte.

Entrevista de Pedro Brinca
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