Edição Nº 99 • 22/11/1999 | |
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MEMÓRIAS DA REVOLUÇÃO |
(Alteração dos nomes de ruas na Amora) |
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Para perpetuar a revolução dos cravos
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– Onde é que estava no dia 1 de Dezembro de 1974? Sebastião Pinheiro – Estava na Amora, uma zona operária do distrito em que toda a população estava entusiasmada com a revolução. Nesse dia, decidimos sair à rua para mudar os nomes das ruas porque tinham nomes de gente fascista. E como não tínhamos material adequado para isso, decidimos escrever os novos nomes em cartão e colá-los por cima das chapas. Isto aconteceu numa série de ruas da Amora, entre as quais me recordo da José Maria Dinar, em homenagem a um professor que foi preso no tempo de Salazar, e do largo Manuel da Costa, em homenagem a este resistente que acabou por morrer no Tarrafal. SR – Como é que surgiu a decisão de mudar os nomes das ruas? SP – Foi uma decisão popular, as pessoas andavam com muita euforia na rua e já nos identificávamos uns com os outros. Houve uma reunião de grupo, na rua, e decidimos logo os nomes que deveríamos colocar nas várias ruas da Amora. E não nos esquecemos de baptizar uma rua com o nome de 1º de Maio porque esta data tem o dobro do significado na freguesia. Isto porque o grupo desportivo da Amora foi fundado num dia 1º de Maio e o seu símbolo era uma estrela. A Amora sempre teve uma tradição operária e revolucionária e a revolução teve aqui uma enorme expressão. SR – Depois de alterados os nomes das ruas, essa mudança foi oficializada na Câmara? SP – Sim, no mesmo dia tratámos desse assunto com o departamento da toponímia da Câmara que legalizou tudo. Assim, num curto espaço de tempo, a Câmara alterou as placas com os nomes das ruas, respeitando todos os nomes que nós decidimos colocar. SR – Este movimento popular encontrou resistência de grupos contrários? SP – No dia 1 de Dezembro a banda também saiu à rua para assinalar a iniciativa, e nessa altura vimos gente a passar de que não tínhamos bem a certeza de que lado estavam. Mas como se infiltraram para ajudar, então acompanharam-nos e nunca chegou a haver qualquer agitação. Alguns ficaram aborrecidos quando tomámos a Junta de Freguesia mas isso nunca chegou a provocar problemas entre nós. A Junta de Freguesia da Amora foi a última do concelho a ser tomada, mas ocorreu de forma pacífica e sem quaisquer problemas, quer com o executivo da Junta quer com a própria população. Quando fomos procurar provas relacionadas com o antigo regime não encontrámos nada porque tinham sido levadas para outro lado. SR – De que maneira surge a sua participação nestas movimentações? SP – Teve a ver com a minha educação política, pois o meu pai esteve preso em Peniche onde eu o ia visitar. Éramos quatro irmãos, dos quais eu sou o mais velho, e ia a Peniche todos os fins de semana com a minha mãe. Eu ficava sempre dentro da cela com o meu pai e comecei a ficar revoltado com a situação, porque ele foi sempre muito maltratado pelo regime. Antes do 25 de Abril eu trabalhei na clandestinidade e uma das coisas que fazia era distribuir o jornal Avante e lê-lo a quem não sabia ler. Participei em algumas acções antes do regime, por exemplo, lembro-me de ter ido ver a chegada de Humberto Delgado a Lisboa, enquanto candidato às eleições, e lembro-me que houve pancadaria porque as forças do regime queriam impedir a sua passagem pela baixa lisboeta. SR – Com as experiências que teve, esperava que a revolução acontecesse? SP – Era uma coisa que se previa porque estava a par das coisas e ouvia muita rádio. Fiz a tropa em Setúbal e em Lisboa, e por isso vivi de perto algumas discussões sobre o assunto. Era um assunto de que se tinha a certeza, para mais com todos os problemas causados pela guerra colonial. E quando se deu o 25 de Abril foi a euforia completa, eu não dormia porque queria estar a par de tudo, queria ver televisão para ver as pessoas falarem, queria participar nas discussões e queria estar em todo o lado. Por isso, pouco tempo depois ocupámos a Junta de Freguesia. Mas não foi fácil porque as pessoas da Junta eram conhecidas e, na altura, não eram consideradas más pessoas. No entanto consentiram muita coisa, especialmente nas eleições onde não nos deixavam votar, embora o Salazar tivesse dito que sim. Mas foi tudo mentira e ninguém votava. SR – Depois da ocupação da Junta, manteve a sua actividade política? SP – Sim, durante muito tempo fiz parte da Comissão Administrativa da Junta. Mais tarde, com todos os afazeres que tinha comecei a não ter tempo para a Junta. Trata-se de um órgão autárquico que requer um enorme trabalho e muito dinamismo por parte das pessoas. Embora as coisas agora sejam diferentes, porque as pessoas estão representadas na Assembleia de Freguesia onde levam os seus problemas, ainda há muita coisa a fazer porque a luta não acaba. SR – Para desenvolver a luta de que fala, é preciso mobilizar as pessoas. Acha que isso é tão fácil de fazer como há 25 anos? SP – Não, porque as pessoas mentalizaram-se de que existem organismos que as representam. E depois, naquela época existiam os nomes sonantes que ajudavam a mobilizar. Hoje em dia é diferente, as pessoas já não se mobilizam com tanta facilidade. Fala-se e discute-se os problemas, mas de facto houve um certo arrefecimento porque as pessoas vão-se desencantando. Hoje é futebol e novelas, as fábricas a fechar, a insegurança, a droga, e toda a gente pergunta onde é que isto vai parar. Mas acho que isto não vai ficar assim porque as coisas vão ter de mudar. SR – 25 anos depois, acha que valeu a pena a luta que desenvolveu? SP – Não me arrependo de nada e acho que valeu a pena. Pelo menos significou a libertação do povo. E não me importava nada de voltar a fazer o mesmo. Neste momento até desejava um outro 25 de Abril, porque não me está a agradar nada o caminho que o país está a seguir. E voltava para a rua, desde que a minha saúde aguentasse. É que, queiram ou não queiram, o país não pode ser de meia dúzia de pessoas. Os problemas da população estão a amontoar-se e o 25 de Abril não foi feito para isto. O país tem de dar uma volta, as pessoas têm de estar organizadas e saberem aquilo que querem. E quando isso acontece, a população tem um peso muito grande. |
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Entrevista de Pedro Brinca [email protected] |