por José Maria Dias
(Director do Fontenova Teatro Estúdio)
O Botas
A escolha da figura mais importante do século XX português (escolha em votação feita pelos leitores da “Visão” e pela audiência da SIC ), foi de certa maneira uma surpresa para mim.
Foi surpresa, porque pensei que a mentalidade e a formação cultural dos portugueses tinha melhorado no último quarto de século. Foi surpresa, porque nos últimos 25 anos Portugal cresceu tanto a nível económico como cultural e na mesma medida, o seu prestígio internacional encurtou a distância do atraso.
Foi surpresa porque foram precisamente os 50 anos anteriores que imobilizaram, destruíram, abafaram, atrasaram e apagaram Portugal do mapa internacional. Onde o analfabetismo subiu em flecha. Onde conseguimos ficar na cauda da Europa e excluída dela.
Onde os nossos compatriotas, obrigados a emigrar, eram tratados como gente de 2a ou 3a categoria, obrigados, mais uma vez a fazerem trabalhos que mais ninguém queria. Onde o povo vivia na miséria sem habitação, saúde, segurança social, liberdade de expressão e sem liberdade de reunião. Com uma forte repressão policial, com prisões, degredos e torturas.
Onde se alimentou uma guerra injusta, contra os ventos anti-colonialistas do resto do mundo, só para garantir os interesses de alguns privilegiados e a vã e caduca teoria do Império Português.
Foi precisamente a figura responsável por tudo isto e muito mais, que seria enfadonho agora enumerar, a escolhida como a mais importante do século XX português.
Com a surpresa um pouco adormecida e com a frieza necessária, sou obrigado a admitir que tal figura marcou efectivamente o século XX português, mas muito negativamente.
Não pode de maneira nenhuma ser considerado a mais importante.
Não me deixem dar razão a um dos mais importantes dramaturgos modernos, Fernando Augusto, quando diz numa das suas obras mais representadas “O Solário”: “Como é que um país com oito séculos de História, com Vasco da Gama e Egas Moniz, aceita ser governado pelo homem mais pequenino, mais medíocre, mais campónio, mais bronco, mais beato falso, mais nulo que alguma portuguesa alguma vez pariu?! Não é um país, é um rebanho de carneiros e um bando de peruas”.