[ Edição Nº 117] – “O Diário de Lina” – parte XIII.

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por Carolina Santos)
Produção de Arte Dabliu, Produtos Culturais, Lda.
Querido diário:

Hoje aproveitei a hora de almoço para passar lá na paroquia. Estamos já a tratar dos pormenores da excursão de Maio. O ano passado não pude ir porque calhou no dia de arranjar o cabelo; mas este ano é especial, não faltarei de modo nenhum. Quero ver o Papa e ouvir o que ele tem para dizer.

O melhor é fazer já uma lista das coisas que tenho para tratar, para que sobre a hora não se me vá escapar nada:

    1. fazer uma revisãozita ao carro

      (velas, óleo e pastilhas)

    2. ver o preço dos quartos na pensão junto ao santuário

      (confirmar o nome com a Lena, qualquer coisa como ‘Fé Sol Lá Si Dó’

    3. comprar um chapéu
    4. mandar fazer a vela

      (escolher as medidas)

Da revisão do carro é que não me posso esquecer mesmo, senão ainda fico apeada. Espero, também, que encontre um chapéu que me cubra a cabeça toda, que nunca se sabe de que lado se apresenta o sol. Dizem que Sua Santidade vai aproveitar para fazer uma comunicação importante; seria emocionante! Só espero que não seja uma comunicação muito grande, que o coitadinho já se vai cansando facilmente. Pois se já nem forças tem para beijar o chão, já é o chão que o beija a ele, é porque bem precisa de se poupar. Eu até acho melhor assim: vem o chão numa bandeja, tipo “foi vocé que pediu um porto ferreira?”; escusa o homem de andar a arregaçar das saias e a se dobrar todo.

Espero que se venha a saber da conversa da Lucia com Sua Santidade. Confesso que não lhe aprecio muito a atitude de andar sempre aos segredinhos, mas ela lá sabe!

Gostava de convencer a mãe a ir comigo, a ver se lhe dava forças para deixar a bebida. Mas com as convicções dela, parece-me difícil. A minha irmã, a Quecas, diz que tinha vontade de ir, mas que se sente cansada de multidões e confusões, que este ano já teve a sua dose na feira de Barcelona. O pai diz que a ir, vai a pé, o Arlindo ainda não sabe.

Se há coisa que me irrita no Arlindo é nunca saber nada. É sempre, ‘não sei’, ‘não sei’. É a única pessoa que eu conheço a dizer que não sabe. Eu cá, sabendo ou não, digo sempre que sei. Sempre aprendi que não saber é pura ignorância, o melhor é ser-se sabichão e ter palpites para tudo. Só uso o ‘não sei’ com o ‘então’ imediatamente antes, para lhe trocar o significado. ‘Então não sei!’, ‘Então não havia de saber!’ E se alguma vez tenho que argumentar sem saber o que dizer, não digo que não sei. Nada disso, franzo o sobrolho, arrasto a voz e dou-lhes com um ‘Não sei não! Não sei não!’; que é como quem diz ‘oh pá, olha que és capaz de estar enganado, o porquê é que não vem ao caso’. Gosto de pessoas confiantes e que sabem as coisas. Gosto de uma pessoa que se sinta capaz de fazer seis por cento da quantia mais absurda, mesmo que o resultado pouco tenha a ver com a realidade. Mas, antes isso do que sacar da máquina de calcular ou dizer que não se sabe. Não saber seria pior que pegar em papel e lápis e puxar da tabuada do ratinho.

Espero vê-lo a ele, ao Guterres, bem junto ao Papa o tempo todo. Isso eu aprecio nele. Só é pena que o Mário e o João Soares não sejam católicos, sempre podiam aproveitar para se queixarem ao Papa. Apesar de tudo, também os tenho em estima e confesso que não gosto que agora sejam sempre chamados de ‘Mário e João Soares’. Parecem manos de uma Boys Band. Que Deus lhes dê muito sucesso, que ainda são bem capazes de ganhar algum disco de platina ou mesmo de diamante.

Lina