[ Edição Nº 118] – “O Diário de Lina” – parte XIV.

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por Fernando Cameira)
Produção de Arte Dabliu, Produtos Culturais, Lda.
Querido diário, meu amigo

Será que tu compreendes as voltas que a minha vida dá? Tu que és o único (para além do Pedro e dos curiosos, por todo o mundo, que lêem estas linhas) que conhece todas as minhas venturas e desventuras? Quem, melhor que tu, poderá compreender o sentido destas mudanças repentinas de sentido deste automóvel chamado Lina na estrada da Vida? Para muitos esta vida é uma auto-estrada, uma Circular, uma IP. Bem sinalizadas, belo piso, alta velocidade e sempre a direito. A minha, ao contrário, mais parece um caminho florestal: curvas e atalhos, entroncamentos, lombas e perigos vários, curvas perigosíssimas não assinaladas, passagens de gado, tudo enfim… tudo o que vem no código e represente perigo ou precaução… é a minha estrada.

Vem isto tudo a propósito da revisão do carrito que fui fazer por causa da tal visita ao Papa. Quando o fui buscar à tarde, prontinho, filtro do óleo mudado, pastilhas novas, etc… estava eu a passar o chequezito quando o mecânico me disse que estava uma carta fechada debaixo do banco, se não seria algo importante que me tivesse esquecido. Fiquei curiosa e, de facto, lá vi um envelope dirigido à minha pessoa e remetido da Agência de Viagens Caramujo. Fiquei intrigadíssima, como calculas. De repente pensei que seria publicidade! Pois claro! Só podia ser. Mas por outro lado… dirigido a mim em envelope fechado….

Para acabar com as dúvidas rasguei logo a li, pronta a deitar os papéis no bidão do lixo que está à porta do Sr. Liquito, o mecânico, cheio de porcas e peças oleosas (o bidão, não o senhor). Então não era um aviso urgente a informar-me que tinha ganho aquela viagem a Madrid de um concurso do Hiper-Super-Mega-Mercado que já nem me lembrava? E continuo sem me lembrar porque é daqueles que há a toda a hora, que a gente até compra mais umas margarinas e uns detergentes para a máquina para ter direito a mais uns papelinhos para pôr na gôndola. Bem, o que é certo é que a carta dizia que tinha que confirmar nesse mesmo dia porque o voo era na 3ª feira. Eu fiquei para morrer. A primeira vez que me saía um prémio e logo um daqueles e tinha que tomar uma decisão no momento. Então e o emprego? Então e os preparativos para o Papa? E os pais? E os preparativos para a viagem? Não só roupas novas, escova de dentes, camisa de dormir e malas mas também a preparação psicológica. É que eu nunca tinha saído do país e tinha bastante de medo de pensar em meter-me sozinha nessa aventura!

Espera lá: sozinha? – pensei de repente. Reli a carta e lá estava: “…viagem para duas pessoas…” Assim o caso mudava de figura. Ia já convidar o Camané. Não, não! – reflecti – o Arlindo, que é mais intelectual e deve saber tudo o que é preciso fazer e também deve saber falar espanhol.

Resumindo, depois de um dia diabólico de correrias para aqui e para ali, telefonemas para o emprego, telefonemas para o Arlindo, compras à corrida, levantamentos no multibanco e eu sei lá o quê, lá fui à Agência Caramujo levantar os bilhetes. Isto é mesmo o destino. Se não tivesse feito a revisão ao carro nem sequer tinha conseguido dar tantas voltas mas também nem tinha visto a carta a tempo. Isto é mesmo o destino.

Mas o melhor é que ainda não te contei e, para abreviar porque já estou a ficar impaciente para te revelar o segredo, quase tão importante como o de Fátima, abre-me bem essas orelhas:

ESTOU NOIVA

Sim, querido diário, sim: ESTOU NOIVA! Vou-me casar! Ainda não marcámos data mas o Juan Ordoña, pois é ele o meu noivo, diz que é logo que seja possível. Mais concretamente diz que será logo que acabe de fechar uns negócios e fazer as entregas de uns produtos aqui no norte de Portugal pois esses negócios vão-lhe dar muito dinheiro e vão-nos permitir ter uma vida regalada. Ele até me disse que precisava da minha ajuda para o êxito dos negócios pois eu conheço melhor o país e podia ser eu a levar aquelas malas no meu carro. Ah, que maravilha. Além de gostar de mim até me faz sentir uma mulher de negócios, finalmente. Já desisti daquela história dos envelopes e tudo. Agora vou poder realizar os meus sonhos de uma maneira que nunca pensei.

A única coisa que ele me pede é que se a polícia me mandar parar e perguntar o que está nas malas que eu diga que perdi as chaves mas que é para passar as férias em Barcelos. Ele diz que não é nada de mal mas que o segredo é a alma do negócio e que, por isso nem a mim me pode dizer o que lá está porque hoje em dia, se uma ideia nova não é guardada em segredo… é sabido que não dá nada porque há logo alguém que vai para a Internet falar disso.

É lógico. O Juan é mesmo inteligente, muito mais que o Arlindo e não tem a mania que é intelectual. É muito mais como eu, só que muito mais chique, um verdadeiro gemtelemano. E conhece muita gente bem relacionada em Portugal, parece que até no Governo, na Polícia, em todo o lado. Só não conhece bem as estradas.

Agora o Arlindo é que deixou de me falar. Mas isso conto-te depois: como é que aconteceu o encontro e o noivado com o Juan e o que aconteceu ao Arlindo.

Ai, ai , ai. Meu diário amigo. É tanta a emoção que até confesso que tenho pensado menos em ti.

Olha, depois continuo. Adeus, adeus, beijos do Juan para ti.