Edição Nº 118 • 03/04/2000 |
Acusando a oposição de levantar atoardas Teresa Almeida, vereadora do pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Setúbal, acusa a oposição na autarquia de levantar atoardas contra o executivo por razões políticas e garante não existirem razões para as acusações de crescimento desordenado do concelho. Por isso desafia quem queira provar o contrário, à luz do Plano Director Municipal. E se mais não fez foi porque está a pagar pelos erros da anterior gestão, do PCP, de quem diz estar ainda a engolir ‘sapos’. Crente de que o executivo PS está a trabalhar no sentido de um concelho equilibrado, Teresa Almeida rejeita ainda a ideia de falta de cuidado com o património e garante mesmo que vai acabar com a ‘guerra’ que diz ter sido iniciada pela direcção do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito. |
– A que é que se deve o atraso na reabilitação da zona ribeirinha? Teresa Almeida – A execução do Plano de Pormenor configura prazos que não são compatíveis com a urgência que todos temos, de ver a zona ribeirinha da cidade modernizada. O Plano de Pormenor ainda nem sequer está na fase de inquérito público, consultámos as entidades a quem se deve pedir parecer e estas entidades têm-nos feito inúmeros pedidos de mais exemplares deste ou daquele documento. Ou seja, há muita burocracia nestes processos e o país está feito de forma a que estas coisas não funcionem com celeridade. Se tudo correr bem, o Plano de Pormenor será aprovado pela Assembleia Municipal Municipal em Setembro. Este espaço de tempo deve-se ao facto de, depois de ter a aprovação das entidades competentes, o documento ter de ser aprovado pela Câmara e pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa Vale do Tejo. Só depois disto tudo é que será sujeito a inquérito público e, depois, levado à Assembleia Municipal. Este processo mostra como se passa um ano em procedimentos burocráticos, sem que, em termos substantivos, nada tenha sido visto. SR – As obras junto à Doca dos Pescadores estão a ser feitas sem Plano de Pormenor? TA – Para essas pequenas obras não é obrigatório o plano, uma vez que estamos a falar da reabilitação de infra-estruturas existentes. É o caso da rede viária que está a ser reabilitada e redefinida pela Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS). Se tudo correr como previsto, no Verão uma parte daquela via estará completamente reabilitada e será o exemplo daquilo que virá a ser a marginal em termos globais. Naquela zona serão colocados alguns equipamentos de lazer e de animação, sendo esta uma das formas de reabilitar e potenciar as capacidades daquela zona da cidade. Para além desta obra em curso, está a ser negociada a adjudicação do edifício da Marina Atlântica, com a Sonae, ao abrigo do plano de recuperação da Torralta. Pretende-se que aquela zona seja uma porta de embarque para Tróia com áreas de animação e restauração. Este é o trabalho que pode avançar sem Plano de Pormenor, no que respeita à zona ribeirinha a recuperar pela Câmara e pela APSS. Já no que se refere às obras previstas para o porto de Setúbal, a Câmara tem acompanhado de formas mais longínqua porque isso é da total competência da APSS. No entanto, acho que as coisas estão a correr bem apesar de ter sido necessário fazer uma reformulação do projecto porque a pedra para a construção do terminal já não pode vir de Sesimbra, como estava previsto. Entretanto foi encontrada uma solução técnica e uma nova forma de construção das fundações sem recorrer à pedra de Sesimbra e o processo está novamente a correr. SR – Em que é que o projecto de reabilitação vai mudar a zona ribeirinha de Setúbal? TA – Para a zona do parque de campismo Toca do Pai Lopes está prevista a instalação de uma marina com actividades comerciais adjacentes, a Doca dos Pescadores será redimensionada e a área em volta terá zonas de animação e de restauração, tal como acontece junto às docas de Lisboa. Achamos que este é um bom tipo de ocupação, anima a cidade e leva as pessoas até à zona ribeirinha. Junto à Docapesca há um edifício antigo que gostaríamos de ver recuperado e ocupado com equipamentos destinados ao usufruto da população. Mais à frente temos o Clube Naval Setubalense que irá ter instalações renovadas e o espaço em volta terá de ser renovado de forma a que a população o possa usufruir melhor. Nessa zona há ainda que criar uma outra configuração para a via junto às instalações do Parque Natural da Arrábida (PNA) e ainda mais áreas de estacionamento. Junto ao jardim temos o equipamento de restauração, a Tropicália, que está já em obras de reabilitação, mais à frente está a Marina Atlântica que irá receber o Museu da Ciência Viva, sendo a outra parte do edifício concessionada à Sonae. Por seu lado, a Doca Comercial será ampliada para poder receber mais barcos de recreio. SR – Não estava prevista a criação de uma ligação pedonal da zona ribeirinha à praia de Albarquel? TA – Isso não faz parte deste plano mas eu tive a ideia de o propor numa segunda fase porque acho que Setúbal ganhava muito com isso. Se os terrenos militares junto à Albarquel forem comprados pelo PNA, que tem mostrado muito interesse nisso, então poderemos estabelecer um acordo para a criação de uma zona pedonal desde a zona ribeirinha até à Albarquel, mesmo à beira do rio. Com a recuperação desta zona da cidade pretende-se dar mais qualidade aos espaços e ordená-los para os restituir à população. SR – Se a Câmara está preocupada em ordenar a cidade, porque é que continua a ser acusada de promover um crescimento desequilibrado do concelho? TA – Essas acusações não têm fundamento. Os núcleos urbanos crescem de uma forma aparentemente desordenada, ou seja, nós definimos determinados perímetros para zonas urbanas e depois são os promotores que fazem a construção. Se tivermos uma zona para construção, não podemos obrigar um promotor a construir depois de terminada a construção anterior. O crescimento não é, de forma nenhuma desordenado, porque está a desenvolver-se de acordo com o ordenamento que foi definido. Agora, a sequência é que é feita de uma forma um pouco aleatória de acordo com o promotor de cada obra. O que já não aconteceria se a Câmara fosse detentora do solo porque, aí, a construção era feita sequencialmente. Portanto, toda a gente sabe as regras a seguir e o Plano Director Municipal está a ser respeitado desde o dia em que entrou em funcionamento, em 1994. SR – Então como é que interpreta as acusações de destruição de zonas como a da Várzea? TA – São acusações perfeitamente falsas e atoardas sem sentido. E desafio seja quem for, a provar onde é que existem construções onde elas não podem ser feitas. O que me parece é que a oposição, porque não consegue encontrar dados objectivos, lança suspeitas e as pessoas ficam perplexas com isso. Nós temos o maior rigor na identificação das áreas naturais e garanto que não há uma única construção dentro de qualquer das áreas onde não é possível construir. Eu tive de engolir ‘sapos’ mas esses foram de compromissos anteriores, do tempo da gestão CDU. Compromissos esses que foram postos na mesa durante a fase da elaboração do PDM, frente a todas as entidades que tutelam o território. Havia alvarás e licenças de loteamento para locais que não os deviam ter e, para resolver o problema, tivemos de analisar caso a caso e as decisões ficaram consignadas oficialmente. Lembro-me do exemplo da Quinta do Quadrado, onde tivemos de consignar no PDM o impedimento da construção de cinco lotes. Isto porque não se podia permitir que se construísse em cima da ribeira do Livramento. Na Quinta do Paraíso foi a mesma coisa, passámos dos 1200 fogos previstos antes de 1974, para os cerca de 400 fogos actualmente previstos. Fomos negociando com as pessoas à medida que o tempo passava e conseguimos reduzir o número de fogos previstos. Este é um exemplo dos ‘sapos’ que tive de engolir, por isso desafio qualquer pessoa a consultar o PDM e a dizer-me onde é que está uma construção ilegal. O que eu gostava para a Várzea era zero de construção, no entanto não concordo com a acusação de que se esteja a destruir a zona quando, na verdade, ela está comprometida em cerca de 10%. A Várzea de Setúbal continua a ser uma grande área de retenção de águas pluviais e uma grande área natural. SR – Sabendo que a zona onde está implantado o estádio do Vitória conflui com a área de Várzea, preocupa-a a ocupação que ela poderá ter depois da possível desactivação daquele equipamento desportivo? TA – Ainda não me pronunciei sobre alternativas ao estádio do Vitória. A única coisa que digo é que, com a minha colaboração, nunca haverá ali um único edifício para habitação nem uma grande superfície comercial. Penso que há uma ‘digestão’ do assunto, a ser feita pelos sócios, no entanto para a Câmara é perfeitamente irrelevante porque ali não será construído nada que afecte a zona. Em termos de PDM aquela área é para equipamentos, portanto arrasar aquilo e fazer zona habitacional está fora de questão. SR – Considera importante a construção do complexo desportivo em Vale da Rosa, numa zona fora do perímetro da cidade? TA – Apostámos naquele complexo desportivo porque é uma oportunidade única de dispor de 20 hectares de terreno, porque Setúbal precisa de um equipamento deste tipo e também porque temos apoios financeiros. Esta é uma oportunidade única na vida, de conseguir conjugar todos os meios necessários para a construção de um equipamento de que o concelho sempre necessitou. Se o Vitória quiser utilizar o complexo e o campo de futebol muito bem, se não quiser o complexo continua a ter utilidade porque faz falta a toda a população do concelho. SR – Partilha do receio de algumas associações cívicas, de que um grande pólo desportivo na periferia pode ‘matar’ o centro da cidade? TA – De maneira nenhuma, o centro da cidade tem uma vocação única e vai continuar a tê-la. E é uma ideia antiquada pensar que as periferias são zonas desqualificadas porque hoje, quando se planeia, tenta-se diversificar pólos para haver capacidade de atracção. Quando construímos as piscinas das Manteigadas foi exactamente a pensar que a população da zona central irá deslocar-se para aquele lado. Da mesma forma como a população daquela zona da cidade vem às compras ao centro. Temos de implementar os vários equipamentos de forma equilibrada porque, caso contrário, a cidade era só o centro e o resto eram os arrabaldes. SR – Junto a esta área prevê-se também a construção de 25 mil fogos para habitação. Porque é que a oposição receia a construção de uma segunda cidade sem se acautelar as consequências? TA – As pessoas não debatem muito seriamente estas questões. O Plano Integrado de Setúbal (PIS) existe desde 1973 e definiu aquela zona com uma determinada capacidade de construção. Portanto, há cerca de 30 anos que não há ali iniciativas porque houve uma iniciativa de Estado que congelou aquilo. O que fizemos não foi nada de novo porque o que foi feito foi recomeçar a gerir a ocupação da zona porque não é legítimo deixar os proprietários à espera durante 30 anos. Ou seja, nem o Estado compra nem deixa fazer nada. O que foi estabelecido com o Estado foi que, dos 600 hectares congelados, 300 sejam para a Câmara promover a zona de expansão natural da cidade. E acho que o que a oposição diz são apenas atoardas porque, o que pedi à Câmara foi o início do processo. As coisas agora vão correr normalmente, com os cidadãos e as associações a pronunciarem-se sobre o assunto. Eu não podia fazer um processo mais transparente e mais participado, no entanto a oposição consegue fazer passar a imagem de que isto é um processo fechado e que estou a pedir-lhes, por baixo da mesa, para me darem o aval. Isso é perfeitamente mentira porque o processo está agora no início, ainda há que desenvolver um plano e só depois é que irá à Câmara para aprovação. Quanto ao Plano de Pormenor sobre a zona adjacente, que era de uma área industrial, é verdade que vamos potenciar ali a construção de habitação mas também é verdade que Setúbal continua a ter disponíveis muitas áreas para a implementação de indústrias. Portanto, não se pode dizer que deixou de haver oferta para a instalação da indústria. No entanto, a vocação do concelho é para a habitação e para os serviços e é nesta área que ele tem sido mais procurado. SR – A população de Azeitão continua a queixar-se de falta de equipamentos. O que é que se tem feito naquela zona do concelho? TA – Estamos a andar com o processo de legalização das chamadas Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI’s) e temos tido um bom relacionamento com as associações que representam os proprietários com quem estabelecemos as necessárias formalidades. Actualmente estão a conduzir os processos como promotores privados que são, com todas as facilidades que a Câmara pode dar no sentido de legalizar a situação. E estamos a falar de cerca de 10 mil casos que constituem a única zona de AUGI’s do concelho. Acho mesmo que estamos a fazer aqui um bom trabalho, especialmente se compararmos com outras câmaras do distrito que andam em guerra permanente com as associações. Mas Azeitão vai precisar de muito mais porque estamos a falar de uma área vasta com uma apetência enorme para a construção e da zona do concelho onde se constróem mais lotes. Como existe uma enorme apetência para a construção, a Câmara tem de fazer um grande esforço para lá chegar com os equipamentos necessários. Azeitão continua deficitário em muitos aspectos mas temos vindo a equilibrar as necessidades dos cidadãos e é nesse sentido que continuamos a investir ali. Foi o caso da piscina municipal e do Museu Sebastião da Gama, mas continua muito por fazer, como é o caso da construção do novo mercado e da dotação das colectividades com mais espaço e de mais equipamentos desportivos, obras para as quais já temos espaços definidos. SR – A autarquia tem sido também criticada ao nível do património. O embargo às obras no edifício do Museu de Arqueologia quer dizer que as queixas tinham razão de ser? TA – As obras foram embargadas por uma questão menor. Mexeram num elemento da resistência do edifício e para isso é preciso um projecto de estabilidade. Mas as coisas forma resolvidas e a obra continua. Portanto, não teve nada a ver com as críticas do MAEDS. Até porque as coisas estavam postas ao contrário porque, quem está ali mal é o museu e não o café no rés-do-chão. Estamos a desenvolver esforços, em conjunto com a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, no sentido de lhe dar instalações condignas. É que se há ali algum perigo de estabilidade, ele vem das peças pesadíssimas que o MAEDS guarda. Depois, o que está em causa é um café por baixo do museu e isso não traz qualquer tipo de problema. Pelo que sabemos trata-se apenas de um café com uma mesa de snooker, à Câmara ainda não chegou nada sobre o assunto e, por isso é que dizemos que o MAEDS está a falar de um problema virtual. A questão da muralha da cidade era outra polémica e é verdade que o ideal era não haver qualquer ocupação. Mas o certo é que o que estava previsto não ia contra a muralha, uma vez que a maior parte do equipamento ia ser colocada numa zona onde já nem há muralha. Quando muito poderia tapar um pouco da vista. Como não foi comprovada a posse do terreno, o processo ficou ’em águas de bacalhau’. Se a Misericórdia comprovar que o terreno lhe foi doado e lhe pertence, então a Câmara avançará com uma proposta de compra e recuperará a muralha. Aqui, tal como noutros casos, mais uma vez se empolou a situação sem qualquer razão para isso. SR – Outra polémica diz respeito às escavações no Hospital João Palmeiro. Porque é que a autarquia não pediu a colaboração do MAEDS? TA – Há aqui um equívoco muito grande porque a Câmara não é obrigada a entregar as explorações arqueológicas ao MAEDS. O Instituto Português de Arqueologia (IPA) reconhece o MAEDS e o seu trabalho mas, por outro lado, há vários concelhos do distrito que não querem trabalhar com o museu por variadíssimas razões. Ora, eu não quero trabalhar com o MAEDS quando ele está em guerra com a Câmara. Havia um acordo entre nós mas assim, vamos deixar de trabalhar com eles. Se eu fosse obrigada a isso, tinha de aturar tudo, mas como isso não acontece ou entendemo-nos e trabalhamos preferencialmente com o MAEDS, ou então se da outra parte não há vontade de trabalhar connosco nós também não lhe damos nada. Mas este assunto passa por uma conversa com a direcção do museu para esclarecer tudo de uma vez. No caso do Hospital João Palmeiro houve uma autorização do IPA para uma operação dirigida pelo conservador do Museu da Cidade e o equívoco no meio disto tudo é o MAEDS pensar que tem o exclusivo das escavações quando isso não é verdade. SR – No entanto, o IPA considera que a Câmara deve trabalhar, preferencialmente, em conjunto com o MAEDS e, por outro lado, que a autarquia deve criar um núcleo de arqueologia. TA – Não conheço essa deliberação do IPA, mas estamos já a equacionar a constituição de um núcleo de arqueologia com arqueólogos para trabalharem aqui. Ainda não o temos talvez por uma questão de comodismo, até porque tínhamos aqui o MAEDS, mas por sugestão do conservador do Museu vamos avançar com essa ideia. Até porque o Museu da Cidade é da cidade mas não tem achados arqueológicos porque eles vão todos para as salas do museu de Arqueologia. Das duas uma, ou o MAEDS é integrado no Museu de Setúbal e passamos a ter outras condições, ou então a Câmara cria uma equipa de arqueólogos para o concelho. SR – A Câmara tem vindo a anunciar obras mas as eleições autárquicas ocorrem dentro de dois anos. Até ao final do mandato o que é que fica feito? TA – A zona ribeirinha, a reabilitação de toda a baixa comercial da cidade, a iluminação pública de zonas centrais e de avenidas da cidade para que se tornem zonas mais seguras à noite, as obras no Convento de Jesus que só deverão estar prontas depois deste mandato e a Escola Profissional de Setúbal vai estar pronta, tal como o Cinema Charlot – que deverá estar pronto este ano a tempo de receber o Festival de Cinema de Tróia – e as obras de construção da variante da Várzea. Parte do equipamento desportivo de Vale da Rosa vai estar pronto daqui a dois anos e a terceira piscina municipal também. |
Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |