[ Edição Nº 120] – Carlos de Sousa, presidente da Associação de Municípios do Distrito de Setúbal.

0
Rate this post

Edição Nº 12017/04/2000

Península de Setúbal pelo desenvolvimento
Plano Estratégico quer soluções equilibradas

          Apresentado publicamente no dia 12 de Abril, o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Península de Setúbal (PEDEPES), é uma aposta da Associação de Municípios que envolve as parcerias de cerca de 80 entidades da região. Por isso, o presidente da AMDS, Carlos de Sousa, diz-se animado quanto a um resultado de consenso a reflectir-se nas conclusões do documento que estará concluído dentro de dois anos. A ideia é apontar uma solução sustentada de desenvolvimento dos nove municípios da península de Setúbal, apostando na diversidade e na qualificação para evitar as crises cíclicas das regiões que, como a de Setúbal, dependem em boa parte de uma só indústria.


Setúbal na Rede

– Qual é a razão da elaboração do Plano de Desenvolvimento da Península de Setúbal?

Carlos de Sousa

– Ao longo das últimas décadas, a península de Setúbal tem tido problemas graves do ponto de vista social, devido a crises conjunturais ligadas a especializações desta região. Entre os anos 40 e 50 deu-se a crise da indústria conserveira, nos anos 80 deu-se a crise da indústria da construção e reparação naval e agora temos de nos preparar para o caso de se dar uma crise conjuntural ao nível da indústria automóvel.

Isto porque, neste momento, estamos muito dependentes desta indústria e da qual dependem mais de 20 mil postos de trabalho. É sabido que a indústria automóvel tem altos e baixos e crises cíclicas, pelo que temos de preparar o nosso tecido económico para que, em caso de crise, ele se aguente e ocorra o mínimo de impactos no tecido social.

SR

– Essa estratégia passa por encontrar alternativas de desenvolvimento?

CS

– Temos que diversificar ao máximo a economia desta região e, paralelamente, criar mais valias ao nível da especialização funcional nalgumas áreas. Mas isto tem de ter em conta várias questões como por exemplo, o peso que a península de Setúbal tem na Área Metropolitana de Lisboa. Nós queremos ter um papel fundamental no desenvolvimento da Área Metropolitana e não queremos ser os seus parentes pobres. Queremos contribuir para o desenvolvimento do país e temo-lo feito. Basta ver o peso que a indústria automóvel tem na balança de pagamentos.

Mas tudo isto, considerando as nossas potencialidades e as potencialidades do nosso território, não nos pode fazer esquecer que estamos inseridos na Europa e que estamos inseridos no mundo. A mundialização da economia é uma questão grave porque um problema qualquer que aconteça na Ásia ou na América do Sul pode ter influências negativas numa empresa da península de Setúbal com dois ou três mil trabalhadores. E é considerando esta mundialização da economia que nós temos de analisar o caminho a seguir na região. Por exemplo, pouca gente sabe que dois concelhos nesta região, Montijo e Alcochete, são os maiores produtores de flores de corte em todo o país e que exportam cerca de 90% da produção para o mercado holandês.

A questão que se coloca é esta: será correcto sugerirmos aos nossos empresários para avançarem com mais estufas de flores de corte? Temos de saber se, noutros países da Europa e do mundo existem estratégias semelhantes a esta. Imaginemos que a China, um mercado a florescer do ponto de vista económico, está a pensar criar estufas de flores de corte e a pensar colocá-las no mercado europeu a um preço baixíssimo. Se isso acontecesse, o mercado holandês virar-se-ia para aí e tal situação iria provocar problemas graves na indústria sediada em Montijo e Alcochete.

SR

– Quer dizer que o plano inclui uma prospecção do mercado e da economia mundial?

CS

– Na minha opinião só conseguiremos estabelecer, com o mínimo de segurança possível, os caminhos a seguir na nossa região se conseguirmos também perspectivar o que se passa no resto da Europa e no resto do mundo. Hoje em dia é completamente incorrecto pensarmos só no nosso concelho ou na nossa região sem sabermos o que está a acontecer à nossa volta.

SR

– Neste momento, é possível apontar os caminhos que o desenvolvimento da economia da península poderá tomar?

CS

– Ainda é cedo porque o trabalho começou agora. Em Junho vamos ter o diagnóstico prospectivo e todo este trabalho vai ter uma característica única: quando eu der as primeiras conclusões do estudo elas não serão as opiniões nem as conclusões do presidente da AMDS mas sim as opiniões e conclusões da Comissão Executiva e de todos os parceiros que estão connosco neste trabalho, como por exemplo a Associação Empresarial da Região de Setúbal, a Região de Turismo e a Associação de Comerciantes, a Mútua dos Pescadores.

SR

– Que critérios foram utilizados para a escolha dos parceiros para a elaboração do PEDEPES?

CS

– Foram critérios relativamente simples porque os parceiros que fazem parte da Comissão Executiva do Plano Estratégico são os mesmos parceiros que nos acompanharam ao longo dos últimos anos nos fóruns regionais de Setúbal. Eram fóruns de periodicidade anual, realizados com o objectivo de analisar a situação sócio-económica da nossa região. Felizmente, hoje em dia, para além destes parceiros temos outros parceiros que estão com uma grande ‘pedalada’ a contribuir para o desenvolvimento económico da região.

Sem ferir outros, posso dar o exemplo da Associação de Produtores Florestais da Península, que tem um trabalho muito interessante também em parceria com a AMDS em vários projectos. E o que eu disse na apresentação pública do PEDEPES, com o Conselho Regional, é mesmo verdade porque queremos que as cerca de oitenta entidades que lá estiveram representadas contribuam para este trabalho. Se conseguirmos isso, não tenho dúvidas de que o PEDEPES vai ser o plano da região, dos agentes económicos da região, dos agentes sociais da região e dos seus 700 mil habitantes.

SR

– Com tantos agentes e organizações existentes na região, até que ponto é que o plano conseguirá ser representativo dos interesses da península?

CS

– Vamos tentar que seja, por isso é que convidámos todas aquelas entidades para fazerem parte do Conselho Regional. Quanto maior for a participação daquelas entidades, mais ricas serão as conclusões e mais verdadeiro será o espalho da vontade da região no Plano Estratégico.

SR

– Neste plano há espaço para ouvir as entidades ou agentes de desenvolvimento que não fazem parte das parcerias?

CS

– Há espaço para todos os que queiram participar. Vou elaborar um ofício a agradecer a presença de todos os que estiveram na primeira reunião do Conselho Regional e uma das questões que vou colocar a essas entidades é precisamente a de que se souberem de alguma entidade ou associação que possa ter um contributo válido para a região e que deva fazer parte do Conselho Regional, agradeço que nos informem sobre isso.

Portanto, o Conselho Regional é um organismo aberto e está completamente aberto à vinda de novas entidades. Mas não só, porque temos uma página na Internet, através do “Setúbal Na Rede”, para que todos os cidadãos individuais interessados possam também contribuir. Há pessoas que não pertencem a associações e têm as suas ideias próprias sobre o que deveria ser a região, pelo que estamos abertos e incentivamos os cidadãos a participarem individualmente na construção deste plano.

SR

– Que aplicação prática terão as conclusões do PEDEPES?

CS

– As conclusões terão a ver com a riqueza da linha estratégica do plano. Devo focar aqui um outro aspecto importante, que é o facto da Comissão Executiva querer muito que este plano ajudasse também a cimentar ainda mais o espírito de Setúbal. É fundamental para a região que tenhamos uma só voz e uma só vontade. Por exemplo, estamos agora a discutir o Terceiro Quadro Comunitário de Apoio e existem pressões aqui e acolá porque o dinheiro vai mais para esta ou aquela região.

E na península de Setúbal, por exemplo no âmbito do QCA, independentemente das nossas opiniões político-partidárias e da nossa formação religiosa, temos de ter a mesma vontade, a mesma voz e a mesma força para exigir que venha o maior número possível de projectos e de investimentos para a nossa região. Considerando a riqueza e a diversidade das nossas opiniões, a conjugação de interesses e de vontades é muito importante para se conseguir isso.

SR

– Como é que vê os receios que têm vindo a ser manifestados, de que os resultados do plano possam não vir a reflectir-se, na prática, no rumo a tomar pela região?

CS

– Entre os diversos parceiros deste plano está também a administração central. A Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo foi convidada a participar no Conselho Regional, tal como fazem parte deste trabalho as diversas direcções gerais desconcentradas na nossa região. E uma das orientações técnicas dada à equipa é a de que este trabalho vai ter em linha de conta todos os planos feitos ao longo dos anos, nomeadamente o Plano Estratégico para a Região de Lisboa e Vale do Tejo.

Todos nós participámos na elaboração desse plano, sabemos que é um trabalho muito interessante do ponto de vista técnico mas é muito generalista para esta região, uma vez que abrange 52 municípios. Nos nove municípios da península, precisamos de linhas mais pragmáticas e mais práticas, precisamos de uma maior pormenorização ao nível dos nossos projectos.

SR

– O plano não choca nem se sobrepõe ao da Região de Lisboa e Vale do Tejo?

CS

– Não, porque são planos diferenciados. O de Lisboa e Vale o Tejo é um plano de grandes intenções, de grandes linhas de actuação e o PEDEPES será um plano mais de pormenor. Será condicionado pelo outro mas é preciso ver que a região de Setúbal também contribuiu muito para as suas grandes linhas mestras. Portanto, o casamento é perfeito e não há problemas em relação a isso.

SR

– A presença do secretário de Estado da Economia, Vítor Ramalho, na apresentação pública, pode ser entendida como uma atenção especial do Governo para com o plano?

CS

– Sem dúvida, até porque actualmente a península de Setúbal contribui muitíssimo para a balança de pagamentos. O secretário de Estado da Economia que inclusivamente referiu isso na sua intervenção, tem a noção dos problemas que esta região tem tido ao longo dos anos. Nós temos de criar estabilidade de emprego e estabilidade social porque, quanto mais estabilidade houver mais rico e estável é o tecido económico. É possível fazer aqui um casamento desses dois factores e obviamente que isso interessa ao Governo. Penso que é essa a razão pela qual o Governo esteve presente na apresentação pública do plano.

SR

– Uma vez que a elaboração do plano decorrerá durante cerca de dois anos, para quando é que se prevêem resultados práticos do estudo?

CS

– O trabalho é composto por várias fases, a primeira é de diagnóstico e depois teremos uma primeira amostragem de algumas pistas. Essas pistas e primeiras conclusões vão ser analisadas por todos os parceiros e depois avançamos para uma segunda fase já com uma maior especificação desses projectos. Penso que, provavelmente daqui a dez meses já somos capazes de ter algumas pistas que possibilitem à região dar alguns contributos a nível do QCAIII, embora o QCA não seja o primeiro objectivo.

Neste país faz-se a seguinte leitura: há um quadro comunitário de apoio, portanto há que arranjar projectos para ir buscar o máximo de dinheiro. O problema é que, muitas vezes, isso é feito de uma forma não integrada e não sustentada. Neste caso isso não acontece porque primeiro precisamos de saber, de uma forma pormenorizada e correcta, quais são os projectos que interessam à nossa região. Não nos interessa gastar o dinheiro por gastar, interessa-nos gastá-lo mas que ele sirva o desenvolvimento sustentado da região e que preveja as crises cíclicas as crises cíclicas que acontecem na Europa e no mundo.

SR

– Tendo em conta que algumas entidades parceiras têm tendências partidárias, como é o caso das câmaras, as eventuais mudanças políticas dos próximos anos podem vir a comprometer este plano?

CS

– O grande esforço que estamos a fazer é exactamente o da não partidarização deste plano. E isso foi bem demonstrado na apresentação pública, onde se via gente de todos os partidos. Algumas pessoas com responsabilidades na região tentaram isso mas espero que desistam rapidamente de tentar partidarizar este plano. Nós temos de criar um espírito da região e ele tem de se sobrepor ao partidarismo. Obviamente que a existência dos partidos é fundamental para a democracia, é fundamental para a democracia haver discussão de ideias mas em algumas matérias temos de juntar os nossos esforços e trabalhar na mesma direcção.

SR

– O que está a tentar fazer-se é o lobbie regional que falhou noutras tentativas?

CS

– Não sei se falhou, se calhar pode não ter atingido os objectivos que pretendíamos. A discussão conjunta de assuntos já é antiga, lembro-me de reuniões de há 15 anos atrás para discutir os problemas de Setúbal e onde estavam representados vários partidos, a Igreja, os empresários e os sindicatos. Não quero exagerar, mas penso que a região de Setúbal é capaz de ser a região do país onde, ao longo dos últimos 10 a 12 anos, tem havido mais trabalho em parceria e onde é mais fácil dialogar entre todas as entidades.

Nós conhecemo-nos uns aos outros e, na apresentação pública, quem estivesse de fora a analisar via até a amizade entre alguns representantes das diversas entidades. E na minha opinião, isto é muito importante para um trabalho conjunto. Nós apenas temos de tirar o máximo proveito desta relação de parceria que já existe.

Entrevista de Pedro Brinca
[email protected]