[ Edição Nº 125] – Setúbal revoltada com decisão de co-incinerar resíduos tóxicos na Arrábida.

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Última hora24/05/2000

Pela protecção da Arrábida
Setúbal rejeita lixos tóxicos

         A decisão governamental de aplicar as indicações da Comissão Científica Independente (CCI) sobre a co-incineração, e queimar os resíduos industriais perigosos no Parque Natural da Arrábida, revoltou a cidade de Setúbal que se recusa ver tratar lixos tóxicos numa área protegida. As queixas surgem de todos os lados, uma vez que, de acordo com os diversos grupos cívicos e ambientalistas que se insurgiram contra a decisão, este processo “está cheio de erros e contradições”.

A garantia é do Grupo de Cidadãos pela Arrábida, formado por diversas individualidades que atravessam todos os quadrantes políticos, já que a CCI “não estava mandatada para definir localizações e muito menos para se cingir a um só método de tratamento“. O jurista Manuel Salazar, membro deste movimento, disse ao

“Setúbal na Rede” que a confusão vai ainda mais longe ao “ao constatar-se que a lei que protege a zona natural será violada” se a co-incineração vier para a Arrábida. Segundo explica, a legislação proíbe aquele tipo de actividade por razões técnicas e por factores psicológicos que se relacionam com o bem estar das populações e a própria imagem do Parque Natural da Arrábida.

A convicção dos grupos ambientalistas e cívicos do distrito sobre ilegalidades na decisão governamental é tão grande, que os Cidadãos pela Arrábida decidiram reactivar o processo de queixa junto da Comissão Europeia, com base na alegada violação da legislação comunitária transposta para o direito português. Entretanto, os protestos ocorridos nos últimos dias um pouco por toda a região já chamaram a atenção da Comissão Europeia que ontem decidiu pedir explicações ao Governo português sobre este caso. Em Setúbal, a preocupação é tanta que os cidadãos decidiram que, se a decisão governamental for em frente, a Comissão avançará com um pedido de providência cautelar no Tribunal Administrativo.

Até porque, segundo explica João Bárbara, do mesmo movimento de cidadãos, “também não faz sentido dar argumentos à Sécil para ficar mais uns anos” quando “se sabe que o maior problema do PNA é aquela cimenteira”. Uma situação que, aliás, tem levado os diversos movimentos a prepararem acções conjuntas com vista para à saída da fábrica daquela zona natural protegida e inscrita na Rede Natura 2000. Para mais, os receios destes responsáveis aumentam ao referirem que, tendo a cimenteira contrato de exploração até 2010, “o que se adivinha é uma co-incineração dos resíduos nacionais e estrangeiros como justificação para um novo contrato de exploração da Arrábida“.

Quem não parece estar pelos ajustes em relação a este assunto é o Governador Civil de Setúbal, Alberto Antunes, que já fez saber da impossibilidade do Governo retirar a fábrica da zona protegida. Neste aspecto, a questão que se coloca, é “se há capacidade financeira para isso, se o estado tem condições para retirar dali aquela unidade e construi-la noutro sitio, inclusivamente acabando com postos de trabalho” na região. Acreditando na ‘bondade’ da solução e da localização encontrada pelo Governo, Alberto Antunes defende o relatório dos cientistas por não ter conhecimentos especializados que provem uma tese contrária.

Cidadãos contra «negociata»

O facto do processo co-incineração ter sofrido alguns reveses ao longo dos dois últimos anos é objecto de fortes críticas por parte da sociedade civil que fala agora em “interesses na co-incineração à força, por se tratar de um sistema mais barato“. E é por isso que Manuel Salazar denuncia “negociatas“. Tanto mais que, segundo argumenta, “toda a legislação produzida sobre esta matéria anda a reboque do contrato firmado entre o Governo e a Scoreco em 1997“.

Por seu lado, Maurício Costa, presidente da LASA/Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, contesta os resultados do parecer da Comissão Científica porque “a emissão de dioxinas não pode ser avaliada em poucos meses“. Daí que esteja convicto de que a suspensão do processo, efectuada em 1999, tenha sido “uma manobra habilidosa para evitar consequências negativas nas eleições legislativas” do mesmo ano.

Sem conseguirem encontrar qualquer ponto positivo na decisão governamental para a co-incineração de resíduos industriais tóxicos no Outão, os movimentos cívicos avançam ainda com outros entraves à vinda dos lixos, nomeadamente o modelo de desenvolvimento da região, “virado para o turismo e o ambiente” e que, segundo conta Maurício Costa, não se compadece com a presença de actividades industriais daquela natureza. O mesmo adianta a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal (AMDS), cujo presidente, Carlos de Sousa, rejeita a decisão oficial ao referir a necessidade de “desenvolvimento sustentado” da região de Setúbal com base em actividades relacionadas com o turismo e o meio ambiente.

Partidos reabrem discussão

O dossier co-incineração tem vindo a irritar solenemente os partidos da oposição que falam em incoerências e «manobras» governamentais sobre esta matéria. Segundo a parlamentar de Os Verdes, eleita por Setúbal, Heloísa Apolónia, “por decisão governamental, a Comissão pronunciou-se apenas sobre a co-incineração sem abordar alternativas“. E depois, segundo acrescentou ao

“Setúbal na Rede”, se a co-incineração “é assim tão segura, porque é que excluíram Maceira deste processo?“.

Quem afina pelo mesmo diapasão é o deputado comunista Joaquim Matias, que integra a Comissão de Poder Local e Ambiente e Ordenamento, ao referir que o Governo “não pode esconder-se debaixo das saias da Comissão” porque “esta não foi mandatada para escolher locais mas sim para ver dos processos de tratamento”. A afirmação do deputado comunista cruza-se com a posição do PSD, já que o deputado Bruno Vitorino, eleito por Setúbal, pediu esta semana explicações ao Governo, através de um requerimento. Por seu lado, a parlamentar PSD Lucília Ferra pretende questionar o Governo sobre medidas “contra eventuais riscos” e de que modo é que os resíduos seriam transportados, uma vez que as estradas de acesso à Arrábida não são das melhores.

Governador contra aproveitamento

Contra alegados “aproveitamentos políticos” desta questão, está o Governador Civil do Distrito de Setúbal, Alberto Antunes. É que, de acordo com o representante do Governo, “há aqui um claro aproveitamento“, uma vez que “há quatro anos o PSD pretendia uma incineradora dedicada que queimasse o resíduos a 600 graus“, quando nas cimenteiras o processo decorre a mais de mil graus, o que lhe dá “mais segurança“. Para além disso, recorda que a opção que o governo PSD tinha aceite obrigava a criação de uma construção de raiz “e tinha grandes implicações na vida das pessoas“.

Recordando que a incineração dedicada esteve mesmo para ser instalada na Mitrena, em Setúbal, no tempo do PSD, o Governador não compreende “que razões desconhecidas os leva a defender isso quando todos os cientistas diziam que a co-incineração é mais eficaz que a dedicada“. Apostado na defesa da posição do Governo, Alberto Antunes fala em “tentativas de criação de fantasmas que se justificam por razões politicas partidárias mas que nada têm a ver com a defesa da qualidade de vida do cidadãos“.

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