[ Edição Nº 125] – Co-incineração de resíduos industriais tóxicos na Serra da Arrábida provoca manifestação de setubalenses.

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Última hora26/05/2000

Cidadãos pela Arrábida contra resíduos
Sonae vai monitorizar dioxinas

         Cerca de quinhentos setubalenses participaram, no dia 24 de Maio, na primeira acção pública de protesto contra a co-incineração de resíduos industriais tóxicos na Secil instalada na Serra da Arrábida. Do encontro saiu a aprovação de uma moção e a marcação de uma vigília no dia 27, junto à Câmara Municipal de Setúbal.

Convocada pelo Grupo de Cidadãos pela Arrábida, a acção de protesto galvanizou tantos populares que a sala de sessões da Câmara foi pequena para tanta gente, pelo que a organização decidiu promover o encontro na Praça de Bocage, mesmo à porta do edifício da autarquia. Num encontro onde a foi criticada a ausência do presidente do município, Mata Cáceres, dezenas de cidadãos intervieram para demonstrar a sua oposição à decisão governamental de instalar a co-incineração numa zona natural protegida e perto de um hospital ortopédico.

João Bárbara, membro do Grupo de Cidadãos pela Arrábida, acusou o presidente da Câmara de “virar o bico ao prego” ao manifestar-se pela decisão governamental, “quando há cerca de dois anos apresentou e viu aprovada duas moções contra a co-incineração“. Convicto de que a localização apontada pela Comissão Científica “é um absurdo“, o clínico teceu fortes críticas ao facto de “quererem instalar uma unidade poluidora num Parque Natural, violando as leis que protegem aquele património da humanidade“.

Por outro lado, de acordo com este responsável, “há que pensar nas implicações desta opção no aproveitamento dos recursos naturais e turísticos de toda a região“. Um cenário que não agrada aos Cidadãos pela Arrábida que referem o “desconhecimento” oficial do tipo e da quantidade de resíduos perigosos em causa, devido à “inexistência” de um levantamento da produção de resíduos em todo o país, tendo em vista a redução, reciclagem e reutilização.

A solução de tratamento dos lixos adoptada pelo Governo é também criticada pelos setubalenses, pele menos a avaliar pelas intervenções de muitos dos intervenientes na discussão. De acordo com alguns dos oradores, esta terá sido a solução “que beneficia financeiramente a Scoreco e o Governo e penaliza as populações“. Num debate público onde não faltaram os deputados eleitos por Setúbal – à excepção dos do Partido Socialista – a população de Setúbal ouviu discursos solidários dos parlamentares social democratas Bruno Vitorino e Lucília Ferra, dos comunistas Odete Santos e Joaquim Matias, e do deputado do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã.

Falhas e precauções

As críticas que diversas organizações ambientalistas e cívicas têm vindo a fazer o relatório elaborado pelos quatro cientistas, que apontam o Outão como localização adequada, foram ontem expostas em cima da mesa com dados concretos. Em conferência de imprensa, a Quercus garantiu que a associação vai pedir a revisão do documento. É que, segundo o presidente da Quercus, Francisco Ferreira, para além do estudo não ter tido em conta formas alternativas de tratamento dos óleos queimados – que significam a maior parte dos resíduos a co-incinerar – os números estão trocados no exemplo das lareiras que emitem dioxinas. Afinal “não eram 170 mas sim 170 mil lareiras que emitiriam tantas dioxinas como um sistema de co-oincineração“.

Instada a comentar a decisão governamental, a SONAE Turismo afirma-se tranquila quanto à co-incineração pois “não temos condições para rebater um relatório científico“, contudo, segundo garantiu Henrique Montelobo ao

“Setúbal na Rede”, o grupo de Belmiro de Azevedo vai tomar medidas fiscalizadoras. Pelo sim pelo não, a SONAE vai promover a fiscalização permanente da evolução do ambiental decorrente da implantação do sistema de co-incineração na Secil.

É que embora o grupo responsável pela recuperação turística da Torralta, em Tróia, encare com “tranquilidade” a incineração de resíduos industriais tóxicos no Outão, “o Núcleo Ambiental de Tróia monitorizará em permanência” a emissão de poluentes para a atmosfera. Por isso, fica a promessa do grupo de Belmiro de Azevedo de que os problemas que eventualmente venham a ser detectados, serão denunciados junto das entidades competentes.

Para já, o grupo que vai investir na recuperação turística da Torralta alerta para a necessidade de que a co-incineração “não venha a ser um balão de soro para a Secil” e, neste aspecto, Henrique Montelobo recorda que independentemente da co-incineração, deve ser respeitado o tempo de vida previsto para esta indústria que “tem impactos que se reflectem negativamente no desenvolvimento da actividade turística na área das reservas naturais da Arrábida e do Estuário do Sado“.

Perante a onda de contestação instalada em Setúbal, o responsável da SONAE defende a disponibilização de toda a informação possível sobre esta matéria à sociedade civil, com vista “a um juízo habilitado” sobre a decisão oficial. É que, no entender de Henrique Montelobo, “a opinião pública mal esclarecida pode trazer graves consequências para a região”, nomeadamente a criação de uma má imagem da região que “poderá causar danos graves no sector da indústria do turismo“.

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