(por Lina(*))
Produção de Arte Dabliu, Produtos Culturais, Lda.
(*) – pseudónimo de F. Cameira (**)
(**) – pseudo-pseudónimo de Lina
Querido diário
Neste fim de semana fui dar um passeio com o Arlindo e os pais. O Arlindo ainda ia meio amuado por causa da história do taxi e eu já não sei o que hei-de dizer. Já lhe prometi que não vou ao programa e já telefonei a dizer para não passarem o filme. Confesso que, agora que já está fora de questão, tenho até uma certa pena. Afinal não se passou nada de mal porque era brincadeira e sempre era uma oportunidade de aparecer nas câmaras e ser vista pelo país todo. Sei lá quando é que terei outra oportunidade assim.
O Arlindo é mesmo casmurro. É mesmo à antiga. Hoje em dia é tão normal aparecer na televisão em situações de todo o tipo, não é verdade? Se fôssemos a levar isso a sério como é que podiam fazer os apanhados e outros programas tão giros? Mas ele lá tem aquelas ideias e ninguém lhas tira.
Bem… tenho que me habituar se não quiser andar à espera do príncipe encantado. Ai, ai… um homem que me compreendesse… que não me estivesse sempre a recriminar… que fosse meiguinho comigo …
Ah, mas vou falar-te do passeio. Então lá fomos para o outro lado do Tejo. Atravessámos a ponte mas não foi a 25 de Abril foi a outra nova, a Vasco Gonçalves ou… Lia Gama, acho que é assim que se chama. Aquilo é que é uma ponte. É enorme, deve ter mais de um quilómetro, é muito larga e fizeram-na baixinha para as pessoas não se assustarem como na outra. Vê-se logo que é da Europa. Está toda cheia de candeeiros altíssimos. Devem ter sido muito caros. Parece que têm uma luz especial, disse o Arlindo, que é para as gaivotas e a bicharada do rio verem, à noite, onde podem poisar. O Arlindo lá sabe isso tudo. Ele diz que há ali muitos pássaros raros e que até estiveram para não fazer a ponte por causa disso. É que os pássaros sempre passam por cima mas já os crocodilos, as focas e assim… devem ter dificuldade em passar por baixo. Pois… estas coisas hoje em dia são muito importantes, estão sempre a falar dos animais em vias de extinção e na protecção do ambiente.
Por falar nisso eu acho que o Arlindo às vezes pinta um bocado a manta. Imagina que fomos a Setúbal. Primeiro fomos comer uns choquinhos que estavam muito bons mas muito mal lavados. Não sei como é que um restaurante é capaz de servir o peixe tão mal lavado. O Arlindo diz que é mesmo assim, que são os chocos com tinta mas cá para mim ele disse aquilo só para não dar parte de fraco e não admitir que tinha sido enganado. Mas o pior não foi isso. Quando fomos passear de carro à beira-mar ele apontou lá para cima para a serra e disse que fazia parte de um Parque Natural. Eu ainda lhe perguntei se tinha a certeza disso, uma vez que a gente estava a passar ao lado de uma fábrica enorme e só se via era pó branco por todo o lado. Aquilo parecia-me mais uma aldeia abandonada do que um Parque.
Que sim, que sim, tinha a certeza porque toda a gente sabe que a Arrábida é zona protegida, que eu devia ler mais e não sei quê. Começou-me a irritar. Então eu estava a ver a serra toda esburacada, lá no cimo, e ele a dizer-me que estava protegida? Até que fui mesmo aos arames quando ele me disse que também iam ali instalar uma coisa para queimar os lixos venenosos, uma daquelas incineradoras que ninguém quer nas suas terras e que dá sempre manifestações e tudo. Quando ele me disse isso não aguentei mais, respondi-lhe que era um mentiroso e que gostava era de estar sempre a armar ao pingarelho só para me rebaixar e para passar por muito culto. É que eu posso não andar a par de tudo mas não sou burra e essa de irem instalar uma incineradora numa reserva só para uma atrasada mental.
Olha! Ficou de trombas, saiu do carro e estava a ver que não se queria vir embora. Por fim lá regressámos mas nunca mais abriu a boca.
Mas não achas que não me devia calar? Então agora já me trata como se eu fosse uma idiota? A convencer-me que numa Reserva, num Parque Natural, instalam coisas que poluem? E com uma cimenteira? Aquilo é tanto reserva como eu sou o Bocage!
De maneira que agora ficámos amuados. Mas há-de passar. Há-de incinerar.
Sabes que por coincidência vi o tal Pedro do taxi, quer dizer, dos apanhados da TVI, lá em Setúbal? Até me senti corar mas ele nem me viu. Será que mora lá? Ai ele é mesmo um pão, juro-te. Se soubesse que o via outra vez convencia o Arlindo a dar mais uns passeios por lá. Só para limpar a vista, percebes?
Adeus, amigo. Vou lavar a minha roupinha para amanhã pois o melhor é estarmos sempre preparadas para qualquer imprevisto.
Lina
(Continua)