Edição Nº 125 • 22/05/2000 |
“Setúbal na Rede” debateu futuro do distrito
À semelhança do que se verificou nas intervenções da maioria dos oradores convidados, entre os cerca de 200 participantes no seminário surgiram fortes críticas à administração central no que toca aos problemas causados pela actual divisão administrativa e à falta de políticas para alguns dos mais importantes sectores da vida da região. Por outro lado, se ao Governador Civil de Setúbal, Alberto Antunes, coube ‘colocar água na fervura’, já aos representantes da Associação de Municípios do Distrito, da Associação Empresarial da Região de Setúbal, da Região de Turismo da Costa Azul e do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito couberam as denúncias de situações que entendem serem a base dos problemas com que a região se debate. |
Dando o exemplo da ‘confusão’ administrativa e de poderes com que estes organismos regionais se têm deparado ao longo da sua existência, Eufrázio Filipe questionou-se sobre se, quando se fala do turismo de Setúbal “estamos a falar do concelho, da península ou do distrito”, ou seja, se quando se fala do turismo em Setúbal “estamos a referir-nos a uma península integrada na Área Metropolitana de Lisboa ou aos quatro municípios integrados na área Alentejo”, ou a Grândola que, embora esteja inserida na área promocional Alentejo, tem a península de Tróia “que integra a área de Lisboa e Vale do Tejo”. Para complicar ainda mais “esta complexidade administrativa e institucional”, o presidente da RTS referiu ainda a existência de duas comissões de coordenação regional, e duas áreas de promoção turística, ou seja, organismos regionais “desconcentrados em duplicidade”. Mas apesar desta realidade, Eufrázio Filipe acentuou a posição “de charneira além Tejo e além Sado” que a região ocupa, pelo que, no seu entender, dispõe de condições de se afirmar “do ponto de vista cultural, sócio-económico e demográfico”. Contudo, para que isso aconteça é preciso que o Governo assuma as “reformas estruturais ciclicamente adiadas”. Tanto mais que, segundo acrescentou, o turismo representa hoje 10% do trabalho activo nacional e 8% do Produto Interno Bruto. Ou seja, de acordo com Eufrázio Filipe, a indústria do turismo “começa timidamente a despertar a atenção política, não só do poder central como também das instituições locais e regionais”. Mas contra esta chamada de atenção parecem continuar os problemas institucionais, adianta este responsável ao referir que “só para a assinatura do contrato para a Torralta foram gastos três anos e exigidos contactos com 40 entidades e estruturas diferentes”. Uma constatação que leva o presidente da RTS a considerar que “a burocracia instalada não incentiva o investimento”. Ainda ao nível financeiro, este responsável alertou para a necessidade do peso relativo das verbas a atribuir ao turismo passar a ser “mais consentâneo com o peso efectivo deste sector na economia nacional”, e que, por outro lado, a distribuição das verbas do Terceiro Quadro Comunitário de Apoio “obedeça a regras claras, respeitando as prioridades regionais” e que estas verbas sejam aplicadas “de forma a contribuírem para a redução dos atrasos na construção de infra-estruturas e equipamentos”, de modo a “darem sustentabilidade a esta actividade”. Considerando que os grandes temas da próxima década serão o emprego e o desenvolvimento, as cidades e o meio rural, o ambiente e o património cultural, o presidente da RTS defendeu que estes são temas “incontornáveis para a promoção de um turismo de qualidade”. Por isso, defende que este sector da economia deve “estabelecer parcerias estratégicas”, na base de benefícios mútuos com o ordenamento o território, o ambiente, os recursos naturais, o património e a cultura. Neste capítulo, Eufrázio Filipe defende um tecido económico saudável, com indústrias que partilhem o futuro do distrito com o turismo. Contudo deixa o aviso sobre que tipo de indústrias a região dispõe, já que dos elefantes brancos dos anos 80, como a IMA, a Renault e a Movauto, o distrito passou para “elefantes cor de rosa” como a Autoeuropa. Apesar de tudo, ao longo dos anos 90, o distrito “viu surgir o evento das indústrias não poluentes”, o que permite algum optimismo ao admitir que “a complementaridade é perfeitamente possível entre estas duas actividades”. Mesmo assim, alerta para as muitas contradições ainda existentes na região, bastando para isso “estar num areal de Tróia e pousar o olhar na cimenteira em frente”, ou então lembrar os estaleiros navais no Sado e as pedreiras na Arrábida. A questão da preservação do património, do desenvolvimento económico e da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos é, também, para Eufrázio Filipe, uma peça fundamental para o desenvolvimento turístico sustentado da região, pelo que defende a união entre todos os parceiros em volta do plano de desenvolvimento da península, PEDEPES, assumido pela Associação de Municípios. E entende que, se esta tarefa constituir “um pacto claro e assumido por todos, o distrito não será um produto da Natureza mais o resultado da vontade comum dos homens”. Governo “demite-se” do património
MAEDS) considera que os “códigos culturais” do Homem “inscritos no património cultural” devem ser preservados, uma vez que se trata de registos “identitários e culturais que permitem a consciencialização de nós próprios” e que dão às sociedades a possibilidade de “se adaptarem e inovarem, vencendo os desafios da sobrevivência e do desenvolvimento”. Defendendo que a evolução do Homem é determinada, também, por aquilo que é permanentemente produzido, ou seja, a cultura, Tavares da Silva garante que, ao longo da evolução humana, o progresso se confunde “com a defesa e o constante enriquecimento do património cultural”. Por isso, defende um progresso como sinónimo de um desenvolvimento sutentável que considere, não apenas a conservação dos sistemas de suporte de vida, a conservação da diversidade biológica, a sustentabilidade dos recursos renováveis e a conservação e valorização dos recursos não renováveis, mas também “as identidades sociais e o conjunto de valores culturais que colectivamente herdámos”, ou seja, o património cultural. E para que isso aconteça, considera necessária a promoção da coesão e solidariedade social, um “novo equilíbrio entra as esferas do político e do económico” e o fim do sistema de “exploração desenfreada de homens e recursos naturais”. Assim, Tavares da Silva avisa que o crescimento desordenado e a ausência de políticas de planeamento “são incompatíveis com a defesa do património” e neste aspecto afirma-se mesmo convicto de que “o progresso dos patos bravos” é o verdadeiro inimigo do património. De acordo com este responsável, aplicar uma perspectiva de planeamento ao distrito de Setúbal, “implica proceder a um levantamento exaustivo dos valores patrimoniais, a fim de os considerar nos futuros planos de ordenamento do território” e ainda que “em todas as áreas urbanas actuais se efectuem escavações arqueológicas, previamente à realização de obras que afectem o subsolo”. Crente de que o conhecimento acerca do património da região deve ser posto à disposição das populações, quer pela carga simbólica e educativa que encerra quer também pela susceptiblidade de geração de receitas locais, designadamente através do turismo. E neste aspecto garante que o distrito está ‘recheado’ de grande valor, como é o caso do povoado pré-histórico da Ponta da Passadeira, no Barreiro, Almaraz, em Almada, as ruínas romanas de Tróia, as grutas artificiais de Palmela, o Creiro, em Setúbal, as ruínas de Miróbriga em Santiago do Cacém, Abul e Monte da Tumba em Alcácer do Sal e os Chãos de Sines. Embora acredite que o comportamento da comunidade relativamente ao património tenha mudado ao longo dos últimos anos, Carlos Tavares da Silva alerta para a ausência de interesse das entidades governamentais em preservar alguns dos achados mais importantes da região, como é o caso das ruínas romanas de Tróia, dependente do Ministério da Cultura, que continuam ao abandono e em avançado estado de degradação à espera da intervenção de uma entidade particular: a SONAE. Mas as preocupações do arqueólogo abrangem também as questões relacionadas com o próprio Museu de Arqueologia, uma vez que a sua vocação distrital parece estar agora em causa. Uma preocupação que surge pelas negociações em curso para a passagem do MAEDS para o Instituto Nacional de Museus, o que no entender de Tavares da Silva, faria do MAEDS “mais um museu local da rede nacional de museus”. Tal decisão “iria contra todos os princípios que deram origem ao nascimento do MAEDS”, dependente da Assembleia Distrital e, por isso, virado para todo o distrito de Setúbal. AMDS quer novo programa operacional
Nesta área considera ainda fundamental “a articulação entre as opções dos diversos municípios nomeadamente nas áreas de fronteiras dos concelhos” e garante ser inquestionável que “a não existência do PROTAML tem colocado um problema com repercussões hoje reconhecidamente consensuais – a incapacidade de definir uma estratégia global para a Área Metropolitana de Lisboa – com custos profundos para a região de maior concentração populacional do país” e também com enorme peso no desenvolvimento do todo nacional. Contudo realça o trabalho dos municípios da península que “têm aprofundado os instrumentos de planeamento territorial, no quadro de processos de revisão dos PDM em curso ou em preparação, nos contributos para a estratégia territorial no âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento e do Plano de Ordenamento da Região de Lisboa e Vale do Tejo, tendo como produto a proposta apresentada pela AMDS”, ou seja, o PEDEPES. Considerando que a realização do Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território da Área de Coina é “uma aposta sincera na procura de soluções para um território intermunicipal acima das lógicas meramente concelhias”, afirma ainda que a decisão da AMDS de promover em conjunto com os principais agentes económicos e sociais da península de Setúbal, um Plano de Desenvolvimento Estratégico é “fundamental” para garantir o desenvolvimento sustentado da região e que, por outro lado, “as perspectivas abertas pelo Decreto Lei n º 380/99” que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, recentemente debatido pela AMDS, “permitem também algum optimismo em relação ao futuro e à qualidade do espaço urbano onde vivemos”. Mas independentemente das áreas que os planos elaborados ou em curso apontem no sentido do desenvolvimento, Alfredo Monteiro acredita na necessidade urgente de intervenção “em três eixos essenciais no desenvolvimento sustentado da região”, como é o caso dos transportes e acessibilidades, do ambiente e do turismo. No campo dos transportes e acessibilidades, diz ser fundamental “dinamizar no mais curto espaço de tempo a implantação do Metropolitano Sul do Tejo, equacionando a sua extensão a outros aglomerados urbanos da península de Setúbal”, a construção duma nova ligação rodo-ferroviária entre Lisboa e a península de Setúbal e a concretização da ligação ferroviária Fogueteiro – Pinhal Novo bem como a modernização da Linha Barreiro – Setúbal. Igualmente imprescindível ao progresso é a construção da Circular Regional Interna da Península de Setúbal (CRIPS), agora integrada no Plano Rodoviário Nacional 2000, adianta o autarca. No campo do ambiente diz ser urgente a concretização de dois determinantes projectos há anos reivindicados pelos municípios, e que “influenciarão também positivamente o crescimento qualificado do território”: o Sistema Adutor Regional de Abastecimento de Água e à Rede de ETAR da península de Setúbal. Segundo Alfredo Monteiro, trata-se de projectos fundamentais ao desenvolvimento que “interagem positivamente com a defesa do ambiente e com o ordenamento urbano”. No que se refere ao turismo, acredita que este sector só terá futuro na região “se alguns dos projectos referidos tiverem efectiva concretização”. Por tudo isto, defende que a utilização dos meios financeiros no âmbito do 3º Quadro Comunitário de Apoio em conjugação com os investimentos da administração central, “tem que significar a concretização no terreno de opções estratégicas, cuja prévia consensualização só terá sentido e efeitos efectivos no quadro de programas integrados com gestão e execução efectivamente participada”. Crente de que o desenvolvimento integrado do distrito de Setúbal é possível, assentando nas potencialidades e recursos existentes na região “e articulando de forma equilibrada o crescimento económico, o ordenamento do território, a defesa do ambiente, o património cultural e a qualidade de vida”, adverte que, no que se refere à economia. o desenvolvimento “continua a concentrar-se num núcleo reduzido de actividades, prosseguindo o declínio e crise das restantes, à semelhança do que se passou no resto do país”. E sendo certo que “a Operação Integrada de Desenvolvimento (OID), permitiu alguma recuperação em termos económicos”, refere ser igualmente verdade que “esta se revelou insuficiente e que o tecido produtivo da região continua a sofrer de muitas debilidades e insuficiências anteriores”. Por essa razão, Alfredo Monteiro defende a implementação de um programa operacional na península de Setúbal. AERSET exige investimentos nacionais
Alertando para as assimetrias dentro do próprio distrito, José Santos adverte que uma estratégia de progresso e desenvolvimento sócio-económico “terá de ter em conta a dualidade que o próprio distrito encerra”, entre os problemas do desemprego e da mono-indústria na península e a desertificação e abandono do litoral alentejano. O presidente da AERSET defende que o desenvolvimento sustentado do distrito “passa pela consolidação da sua base económica, diversificando-a como factor estabilizador”, especializando-a “como vector de competitividade e melhorando a qualificação dos seus recursos humanos”. Referindo alguns planos onde considera identificar acções tendentes à concretização desses objectivos, José Santos aponto o caso do PNDES, do PROTALI e do PEDEPES. Defendendo como objectivos para o futuro, a criação “de uma verdadeira indústria do turismo”, a criação de uma plataforma logística atlântica “em local cuja prioridade tenha em conta a posição dos portos de Setúbal e de Sines”, leve a valorização e requalificação ambiental, a melhoria das infra-estruturas e dos equipamentos e “o combate activo e solidário a todas as formas de exclusão social”, o presidente da AERSET acredita que a modernização do distrito depende da qualidade dos novos investimentos e da qualificação dos trabalhadores, bem como da criação do mercado social de emprego. Crente de que todos os sectores da economia distrital podem coexistir sem choques, José Santos quer maior preocupação da administração central com o ambiente e o turismo, uma vez que o primeiro é um dos maiores recursos do distrito e o segundo “poderá e deverá funcionar como âncora de um desenvolvimento sustentável e equilibrado” em que as infra-estruturas e as acessibilidades, a par da qualificação ambiental, “desempenhem um papel fundamental no aproveitamento das potencialidades naturais”. Governo quer vencer atraso estrutural
Como objectivos prioritários do Governo, apontados por Alberto Antunes, estão o combate ao desemprego e à exclusão social, através de medidas como o Rendimento Mínimo Garantido, a requalificação das áreas ambientais, a recuperação das zonas ribeirinhas e as cinco áreas protegidas do distrito. Parque Natural da Arrábida, Arriba Fóssil da Caparica, Reserva Natural do Estuário do Tejo, Reserva Natural do Estuário do Sado e Parque Natural do Sudoeste Alentejano. Para além disso, refere os projectos em curso ao nível da recuperação dos centros históricos e do património cultural da região. Acreditando que o futuro do distrito de Setúbal passa obrigatoriamente pelo sector do turismo, o Governador garantiu a aposta da administração central nas potencialidades endógenas da região, aproveitando a proximidade dos grandes centros consumidores. Para isso, adianta, muito contribuirá “a resolução do problema da Torralta e o investimento de 40 milhões de contos e a criação de cerca de 2000 postos de trabalho”. Já no sector industrial, refere a aposta da administração central na “reconversão e diversificação do tecido industrial, apontado preferencialmente para as indústrias limpas e do ambiente”. Quanto ao sector primário ,admite a necessidade de “um correcto ordenamento”, para o qual é importante “a melhoria das infra-estruturas e das acessibilidades”. Assim, aposta no comboio como meio de transporte público “e amigo do ambiente”, no Metro Sul do Tejo, na melhoria das ligações fluviais e na CRIPS. Optimista quanto ao futuro, Alberto Antunes garante que, se forem cumpridas todas estas directrizes, “conseguiremos concretizar o que apontámos para esta região”, ou seja, a construção de uma região euroatlântica de excelência, “uma região singular e competitiva no sistema das regiões europeias”, bem como um território “de elevada qualidade ambiental e patrimonial”, o que o transformará Setúbal “numa terra de encontro, de tolerância e de igualdade de oportunidades”. |
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