Edição Nº 126 • 29/05/2000 |
Contra a co-incineração em cimenteiras Diversos movimentos de cidadãos oriundos de Estarreja, Maceira e Souselas juntaram-se no dia 28 de Maio, em Setúbal, à população setubalense numa demonstração de repúdio pela decisão governamental de instalar o sistema de co-incineração na Secil, na Arrábida, e em Souselas, no concelho de Coimbra. A acção protagonizada por diversos grupos de cidadãos e da própria Quercus, que também se fez representar, foi promovida pela delegação de Setúbal da Coordenadora Nacional Contra os Tóxicos. Mais do que solidariedade, os representantes da Quercus, do Movimento Maceira Saudável, da Coordenadora Contra os Tóxicos, de Estarreja, e da Associação de Defesa do Ambiente de Souselas, vieram trazer a Setúbal “a vontade de continuar a lutar em conjunto contra a co-incineração”, por considerarem que o processo desencadeado pelo Governo “não é credível”. A afirmação é de Miguel Oliveira Silva, da Coordenadora Contra os Tóxicos de Estarreja, que condenou o Governo por “acusar a população de não querer resolver o problema dos resíduos industriais tóxicos”. De acordo com este responsável, as acusações são infundadas porque “quem está a ser egoísta é o Governo” ao defender que “estamos num beco sem saída quando se sabe que há algumas hipóteses de solução”. Embora acredite que o problema dos resíduos tóxicos industriais não pode ser resolvido a curto prazo, Miguel Oliveira e Costa defende que “desde que haja vontade política”, é possível desencadear uma estratégia concertada para a identificação, recolha, redução e reutilização de cerca de 98% destes lixos, e depois encontrar um sistema de tratamento “ambientalmente correcto” para os resíduos que sobram, ou seja, os 2% que o Governo pretende incinerar nas cimenteiras. Da mesma opinião é Jorge Gonçalves, da Associação de Defesa do Ambiente de Souselas, ao adiantar a existência de indústrias de regeneração de solventes orgânicos e de tratamento de óleos queimados que, segundo acrescenta, “representam 40%dos resíduos perigosos que se pretende queimar nas cimenteiras”. E assim sendo, questiona “a insistência do Governo” na co-incineração que, segundo adianta, servirá a economia das cimenteiras e criará “problemas de saúde pública” junto das populações mais próximas. Embora Maceira tenha sido excluída do processo de queima dos resíduos, o Movimento Maceira Saudável “continuará a ir onde for preciso para denunciar a destruição da saúde das populações”, avisou Jorge Vieira, daquele movimento, ao recordar que a cimenteira daquela aldeia “escapou da co-incineração de resíduos industriais mas há 13 anos que continua a incinerar pneus usados”, ou seja, uma co-incineração que, no seu entender, “parece ter vindo para ficar, já que o Governo nem quer falar em desactivação”. Por seu lado, o especialista da Quercus em resíduos tóxicos, Pedro Santos, fez questão de esclarecer que a associação ambientalista “nem é contra o sistema de co-incineração por si só” por considerá-lo um modo de tratamento possível, desde que “severamente controlado, reduzido e provisório”. Contudo, não deixa de estar ao lado da população de Setúbal contra a queima na Secil, por considerar que o processo “está torto” e que os cientistas “cometeram erros crassos” no relatório em que o ministro do Ambiente se baseia para se decidir pela localização do sistema. “Setúbal está de luto” Argumentos semelhantes foram utilizados na noite anterior pelos promotores de uma vigília que juntou na Praça de Bocage, frente aos Paços do Concelho, cerca de 400 pessoas em protesto contra a decisão governamental. De acordo com o Grupo de Cidadãos pela Arrábida, o promotor da iniciativa, nunca o ministro Sócrates esteve tão perto de perder uma causa “graças às populações”. Uma esperança que leva mesmo este grupo a acreditar que o Governo deverá capitular e dar o dito por não dito. E a prova da pressão exercida sobre o Governo, segundo refere o clínico João Bárbara, é a posição conjunta da direcção do Instituto de Conservação da Natureza que já ameaçou demitir-se em bloco se a co-incineração no Outão for em frente. Seja como for, o Grupo de Cidadãos está disposto a calar os protestos apenas quando a decisão governamental for dada como letra morta, por isso João Bárbara lançou mais um desafio à população: “vamos pôr panos pretos à janela em sinal de luto” pela posição da administração central. À semelhança de todas as outras iniciativas contra a queima de tóxicos na cimenteira da Secil, instalada no Parque Natural da Arrábida, quer a sessão de esclarecimento quer a vigília que se prolongou pela noite fora, contaram com a participação de deputados eleitos por Setúbal, pelo PCP, os Verdes e o PSD. Habituados que já estão à presença de parlamentares que Setúbal elegeu, os cidadãos de Setúbal foram desta vez apanhados de surpresa ao verificarem que entre a multidão de protestos estava o presidente da Câmara de Palmela, Carlos de Sousa, e o ex-director do Parque Natural da Arrábida, Ricardo Paiva, que abandonou o cargo exactamente na altura em que estalou a polémica da co-incineração na Secil, em 1998. |