Edição Nº 127 • 05/06/2000 |
Se o Governo não suspender a co-incineração
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– Sabendo que a Quercus considera a co-incineração uma forma aceitável de tratar resíduos tóxicos, que razões a levam a contestar a decisão governamental de incinerar em cimenteiras? Pedro Santos – Neste processo há uma inversão daquilo que deve ser uma política de tratamento de resíduos. Primeiro, deve incentivar-se as industrias a reduzir a produção de resíduos e quanto a isso não se tem feito quase nada, a nível governamental. Excepção feita para um conjunto de empresas, instaladas precisamente em Setúbal que, ao abrigo do projecto PROCEP, conseguiram reduzir em 30% a produção das matérias perigosas. Ora isto vem provar que é possível melhorar as coisas. Quanto à reutilização desses resíduos também não há qualquer incentivo governamental e o pouco que tem sido feito é por iniciativa de algumas industrias. Mas quando esses resíduos fazem parte da classe dos tóxicos perigosos, então aí é que não há qualquer tipo de estrutura governamental que apoie a reciclagem, como é o caso dos óleos queimados e dos solventes. A Quercus não é contra a co-incineração por considerar que se trata de uma solução viável para um determinado tipo de resíduos industriais não recicláveis ou não reutilizáveis. Contudo, se não houver uma estratégia para a reciclagem dos óleos queimados e para os solventes orgânicos – que são boa parte dos resíduos que se pretende co-incinerar – todo este processo continua errado. Isto porque, por muito que se diga, há solução para estes dois resíduos que não a queima em cimenteiras. Não tendo o Governo feito nada do que estava previsto, em relação à identificação dos resíduos e ao incentivo à reciclagem da maior parte destes lixos, a co-incineração aparece agora para resolver uma pequeníssima parte do problema. Ou seja, o que defendemos é que a este sistema não faz qualquer sentido se não forem tomadas medidas paralelas ao nível da identificação, localização, redução, reutilização e reciclagem. SR – As opiniões dividem-se em relação aos óleos, uma vez que o ex-presidente da Quercus e actual consultor ambiental da Scoreco, José Manuel Palma, diz que a única solução para as lamas provenientes do seu tratamento é a incineração em cimenteiras. PS – O consultor ambiental da Scoreco não tem estudado bem esta questão mas a Quercus tem-no feito de há mais de um ano a esta parte. E está provado que há tecnologias em alguns países da União Europeia que permitem esse tratamento. Agora, eles não podem ser reciclados é se estiverem misturados com solventes e lamas orgânicas. Mas isso já passa por regulamentação sobre a matéria, tal como na Catalunha onde os industriais são fortemente penalizados se o fizerem. Acho que, ao falar dos óleos, o consultor ambiental da Scoreco devia também referir estas questões e não aparecer com discursos completamente demagógicos. A prova de que aquilo que defendemos é correcto, está no facto da Comissão Científica estar agora a estudar as nossas propostas para a reciclagem dos óleos queimados. Aliás, não é verdade que em Portugal não exista tecnologia para isso, uma vez que há já, pelo menos, uma empresa interessada em fazê-lo. Assim, não é preciso co-incinerar um único litro de óleo queimado, pelo que desafio o consultor da Scoreco e as próprias cimenteiras a provarem o contrário. SR – A legislação prevê este tipo de tratamento? PS – Não, mas já se deu um passo importante nesse sentido, uma vez que todos os partidos da oposição estão interessados em criar legislação que o permita e incentive. É uma questão urgente neste país onde os óleos queimados estão a ser usados como combustível, por exemplo, nas padarias. O Ministério do Ambiente está farto de saber isso mas não mexe um dedo para fiscalizar e punir quem pratica este acto. Por isso, é urgente que se faça legislação no sentido de incentivar a regeneração destes óleos. Refira-se que os óleos e os solventes são uma boa parte dos resíduos que o Governo quer queimar nas cimenteiras. Estamos a falar de cerca de 50% dos resíduos a co-incinerar, de acordo com os números oficiais. Por outro lado, este é um problema pequeno se considerarmos que os resíduos industriais perigosos são uma pequena parte do total dos resíduos industriais produzidos por ano em Portugal. Por isso é que se pergunta: então onde está a solução para os outros e o incentivo à reciclagem? SR – Porque é que se tem feito dos óleos e dos solventes uma das questões centrais desta polémica? PS – Sabendo que estes resíduos têm tratamento que não passa pela co-incineração, será que as cimenteiras aceitam queimar os outros sem estes? É que os óleos são os melhores combustíveis de todos os resíduos a co-incinerar e se os tiram, se calhar as cimenteiras deixam de ter lucro. Por outro lado, trata-se de uma questão central porque a legislação da União Europeia é clara e proíbe a queima destes óleos. Portanto, se Portugal o vier a fazer, será fortemente punido. SR – Porque é que, apesar de não ser contra a co-incineração, a Quercus tem rejeitado a sua instalação na Secil, em Setúbal? PS – O problema ali é a cimenteira porque, independentemente de ter co-incineração, ou não, o que se deve é exigir medidas de protecção ambiental adequadas. A população tem razão ao dizer que há décadas anda a sofrer com a poluição porque não têm sido tomadas quaisquer medidas de vulto para a sua requalificação ambiental. Quanto às localizações, a Quercus não as te comentado muito por estar mais preocupada com a estratégia a adoptar para os resíduos. Contudo, em relação à queima destes lixos na Secil, numa área natural protegida, é preciso dizer que o regulamento do Parque Natural da Arrábida não o permite. Diga o ministro do Ambiente o que disser, a lei é clara ao proibir a instalação de uma indústria de classe A. E na verdade, se a Secil for licenciada para queimar resíduos industriais, então estará a iniciar uma actividade industrial de classe A, coisa que a lei não permite. Seja como for, a questão fulcral é a permanência da cimenteira no Parque Natural da Arrábida. Ela não devia estar lá e a Quercus defende a sua saída. SR – Que leitura faz da movimentação popular em volta da co-incineração? PS – Acho que as pessoas estão revoltadas, e com muita razão, porque deviam ter sido ouvidas quanto a este assunto. E até neste aspecto o processo está errado. Toda esta movimentação das populações é uma lição para a administração central que há oito anos, aquando da tentativa de criar uma incineradora dedicada, levou com o mesmo problema em cima. Um processo destes, sem ouvir as populações, é coisa impensável em qualquer país da União Europeia. SR – Que solução defende para os resíduos industriais tóxicos? PS – Queremos um estudo mais aprofundado para outras alternativas de tratamento dos resíduos, excluindo totalmente os óleos e os solventes. Contudo achamos que as lamas poderiam ser co-incineradas enquanto se resolve este problema. É preciso fazer um estudo sério sobre os lixos industriais mas enquanto ele é feito é também necessário olhar pelos resíduos espalhados por todo o país. Por isso, defendemos que eles devem, ser acondicionados em aterros temporários como, aliás, se faz em Sines que é o único concelho do país a ter um aterro provisório para resíduos deste tipo. Embora a lei preveja este tipo de aterro provisório, até hoje nenhum governo promoveu este tipo de atitude. SR – Este ano foi decidido que a estação de pré-tratamento dos resíduos industriais já não será instalada na Quimiparque, no Barreiro. Para a Quercus, é certo que ela será instalada numa outra zona do distrito? PS – Sim, porque a localização ideal é o mais próximo possível do local da co-incineração para evitar acidentes no transporte e perigos para a população. Por isso, deve também estar próxima de uma linha ferroviária de forma a que os resíduos pré-tratados sejam transportados de comboio, de preferência à noite, de forma a não passar pelo centro da zona urbana. Embora não nos caiba apontar qualquer localização, sabemos que em Setúbal há várias zonas onde isso pode ser feito. SR – A descrição que fez corresponde à península da Mitrena, em Setúbal, onde o Governo do PSD tentou implantar a incineradora dedicada. O facto de ser Reserva Natural do Estuário do Sado, só por si, não é impeditivo daquela actividade industrial? PS – Essa é uma das localizações possíveis, mas o certo é que, a decidir tal coisa, o Governo terá de avaliar muito bem os impactes ambientais que isso iria provocar e os riscos que a zona e a própria população poderiam correr. SR – No dia 8 de Junho, o ministro do Ambiente conta levar o dossier co-incineração a Conselho de Ministros para aprovação. Se o processo for aprovado, como reagirá a Quercus? PS – Pedimos uma audiência ao ministro Sócrates no sentido de apreciar a nossa proposta de correcção de todo este percurso. Se a nossa proposta fosse aceite, acredito que a contestação ao processo seria menor. Mas por este andar, estou a ver que só nos recebe depois de dia 8 e isso quer dizer que, se calhar, a Quercus vai deparar-se com o facto consumado. Mas como não estamos dispostos a engolir ‘sapos vivos’, vamos rejeitar liminarmente a co-incineração se ela contemplar a queima de óleos e solventes. SR – Se assim for, que meios estarão ao alcance dos ambientalistas para contestar a decisão governamental? PS – A primeira coisa a fazer é denunciar o caso na Comissão Europeia, uma vez que a Comunidade proíbe a queima dos óleos e dos solventes. Esta é uma questão tão clara que custa a perceber a insistência do Governo em co-incinerar estes resíduos industriais. Ou talvez insista por ter assumido compromissos com a Scoreco, através do Memorando de Entendimento assinado há dois anos, e agora receie que, sem os óleos e solventes, as cimenteiras recuem e, por questões económicas, não aceitem queimar os outros resíduos. |
Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |