[ Edição Nº 127 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Carlos Santos.

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Edição Nº 12705/06/2000
CRÓNICA DE OPINIÃO
por Carlos Santos (da Comissão
Executiva do Bloco de Esquerda
)

Lixo tóxico queima Governo

          A co-incineração volta a ser notícia e com ela a cerrada polémica política e as movimentações de cidadãos de vários pontos do país, com especial relevo para Coimbra e Setúbal.

O Ministro do Ambiente, José Sócrates, numa posição completamente fechada ao diálogo, procura impor a co-incineração, mesmo quando sabe que não tem maioria parlamentar. Na Assembleia da República o Bloco de Esquerda já apresentou um projecto lei para suspender a co-incineração e diversos esforços se encaminham para que uma maioria derrote a co-incineração.

Comissão não cumpriu mandato

A Comissão Científica foi constituída por determinação da lei 20/99 “para relatar e dar parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos” e a lei é clara quando define como prioridade absoluta a “redução, reutilização e reciclagem”.

Porém a comissão não cumpriu este mandato do Parlamento já que se limitou a estudar as soluções de queima, não se debruçando sobre a redução, reutilização e reciclagem, e omitindo mesmo as experiências e estudos que existem em Portugal.

Grave para uma Comissão Científica é ter-se enganado nas contas (trocando toneladas por quilos), chegando assim à conclusão de que 170 lareiras equivaliam à co-incineração, só que tratava-se de 170.000 e mesmo assim a um gasto médio de 4 toneladas por ano, valor excessivo para um país como Portugal.

Este erro, inaceitável num relatório de uma comissão científica, é cometido num exemplo usado largamente pela comissão para subestimar os impactes da co-incineração junto do grande público.

A governamentalização da comissão é um facto e Guterres invocou em vão Galileu, que não se enganou nas contas.

A política do 1%

O tratamento dos resíduos industriais é um problema fundamental num país que continua a ter lixos tóxicos espalhados e sem qualquer tratamento.

O Ministro Sócrates e o governo têm insistido nesta realidade para defenderem a co-incineração como panaceia universal para o tratamento dos resíduos industriais. O Governo não toma medidas para fazer uma inventariação e caracterização dos resíduos industriais produzidos anualmente, não cumprindo a lei; não toma medidas imediatas como o determinou a lei 20/99; resume toda a sua acção à co-incineração e constantemente põe tudo na dependência da sua implementação.

E, no entanto, é inquestionável que a co-incineração só diz respeito a uma ínfima parte dos resíduos industriais produzidos anualmente, 3, 2 ou mesmo apenas 1%, já que não há inventariação exacta.

É falso propor a co-incineração para resolver o problema dos lixos tóxicos. A co-incineração só pode ser aplicada a uma ínfima percentagem de resíduos e mesmo para boa parte dos resíduos que podem ser co-incinerados, como é o caso dos óleos e dos solventes, existem alternativas ambientalmente mais correctas na reciclagem.

A grande importância da co-incineração, reside no lucro que pode dar às cimenteiras, lucro chorudo já que terão receitas por receberem os resíduos e com eles substituirão combustível que teriam de comprar.

É lamentável que o Ministro do Ambiente, e o próprio governo, actuem neste caso em função de um negócio, do interesse de uma indústria.

Pior ainda é que da actuação do ministro e do governo resulte que o verdadeiro tratamento dos resíduos industriais continue suspenso.

De novo a Arrábida

Espantoso é que a comissão, com o aplauso do ministro e do governo reintroduza, a hipótese da co-incineração no Outão em pleno Parque Natural da Arrábida, violando a lei e o mais elementar bom senso. Aliás o que é preciso dizer é que a cimenteira já está a mais no parque natural e não é aceitável, nem legal acrescentar-lhe uma nova actividade industrial.

O protesto popular que desde o início do processo se fez ouvir nas diferentes localidades envolvidas, com particular realce para Coimbra, sobe agora também em Setúbal apesar da estranha posição do presidente da Câmara, que não se mostra nada interessado em defender o parque natural e a cidade que o elegeu.

Diferentes movimentos cívicos e organizações ambientalistas têm protestado e mobilizado os cidadãos, preocupando-se muito justamente em unir as diferentes localidades e apresentar alternativas. São estes movimentos a melhor garantia de que a co-incineração acabará chumbada, e se abrirão perspectivas para um tratamento dos resíduos mais correcto para o ambiente e a saúde.

Queimar lixo tóxico num parque natural é tão grave como inundar as gravuras do Coa, Guterres corre o risco de fazer como Cavaco e sair deste processo derrotado e chamuscado.

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