[ Edição Nº 130] – CRÓNICA DE OPINIÃO por António d'Orey Capucho.

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Cimenteira fora do Parque
ou Parque fora da cimenteira?

           Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, a deputada do PS, Ana Catarina Mendonça, considera a aprovação do projecto de resolução dos Verdes respeitante à co-incineração “uma vergonha para o país”. Ameaça com um pedido da inconstitucionalidade a acusa a maioria parlamentar de “irresponsabilidade”. Desde logo, alguma modéstia não ficava mal à cara colega, a quem lembro que foi democraticamente derrotada por todas as cinco bancadas da oposição e ainda por cinco respeitáveis deputados socialistas.

Diz a entrevistada que considera a co-incineração como “a melhor forma de tratamento dos resíduos Industriais perigosos”. É uma opinião respeitável, partilhada por parte da comunidade científica. Devia a senhora deputada respeitar também os que pensam diferentemente. Tal como muitos cientistas, o PSD considera preferível a incineração dedicada, isto é, a queima em equipamentos vocacionados de raiz para o efeito e não nos fornos das cimenteiras. É bom lembrar que a nossa solução só não avançou em 1995 porque o governo socialista a inviabilizou! E é importante recordar também que essa foi a solução por nós proposta no Programa Eleitoral de Outubro passado.

Deixemos por um momento esta polémica de lado, até porque admitimos que a opção final possa ser co-incinerar. Não somos fundamentalistas, muito especialmente numa questão em que os próprios peritos estão divididos… O que não aceitamos é que o Governo nos queira impor a co-incineração sem nada nos dizer sobre o que fazer a 99% do total dos resíduos. É precisamente isso que a resolução da Assembleia da República pretende esclarecer: ou seja, pouco ou nada sabemos do Governo sobre o inventário, a recolha, armazenamento, o tratamento, a reciclagem e a reutilização.

Por exemplo: porque é que o Governo não avança para a reciclagem e reutilização dos óleos e dos solventes, como defende o PSD, reduzindo assim uma parte importante dos resíduos a queimar nas incineradoras? Compreenda-se que, na falta de esclarecimento e sabendo-se que esses são os resíduos mais apetecíveis para as cimenteiras, se possa suspeitar das motivações…

Diz também a entrevistada que uma sondagem revela que a maioria da população concorda com a co-incineração, pelo que “é grave os partidos da oposição não terem este dado em conta”. Nem quero acreditar! Então a cultura democrática da senhora deputada conduz a que os parlamentares se devem posicionar de acordo com as sondagens? Levado ao limite, este monumental disparate conduziria a que se substituísse o parlamento por um instituto de sondagens!

Também não abona lá muito a mesma cultura que se diga “não podemos colocar em causa uma comissão constituída independentemente dos partidos e com carácter claramente científico e técnico”. Desculpem, mas eu não abdico de, respeitando a Comissão, os seus membros e as propostas que fez, decidir livremente e em consciência de modo diverso.

Mas vamos agora ao cerne da questão. Vamos ao que mais importa ao distrito que representamos no parlamento. É que, mesmo admitindo que a decisão final venha a ser a co-incineração, como convencer os setubalenses a instalá-la num Parque Natural, como muito bem pergunta o entrevistador?

O único problema admitido neste domínio pela senhora deputada, diz respeito ao transporte dos resíduos e não é de somenos: trata-se da única cimenteira não acessível por via férrea. Logo, teremos veículos pesados cheios de resíduos perigosos a atravessar a capital distrital e a percorrer o caminho que os conduz ao Outão. Mas a senhora deputada descansa-nos quando diz “duvido muito que haja perigo no transporte porque estão previstos cuidados nessa matéria”. Excelente, mas podem os setubalenses dormir sossegados apenas porque a senhora deputada duvida que haja perigo?

O que a senhora deputada não diz é como justifica a opção (tardia, requentada a inadmissível) pelo Outão. O que a devia preocupar é como retirar a médio prazo, a cimenteira e as pedreiras do Parque Natural da Arrábida – como o PSD defendeu no Programa de Governo – em lugar de pretender justificar a co-incineração. Isto pelo simples facto de que a co-incineração iria, inexoravelmente, perpetuar a localização indesejável daquela unidade fabril numa área protegida de indiscutível valor. O que a devia atormentar é a evidente incompatibilidade entre a co-incineração e o turismo, que constitui o eixo do desenvolvimento económico do distrito e da península de Tróia. O que a devia alertar é o facto de, não apenas uma maioria de deputados estarem contra os maus propósitos do Governo quanto ao Parque Natural, mas também a generalidade das organizações económicas, sociais, sindicais, autárquicas e ambientais do distrito…

A diferença, para pouca sorte do distrito do Setúbal, é que os deputados socialistas de Coimbra defendem os interesses do distrito mesmo quando isso desagrada ao Governo…

Para terminar, só espero que os deputados socialistas de Setúbal não corroborem aqueles que, em vez de defenderem a saída da cimenteira do Parque, têm o desplante de propor a retirada do Parque da cimenteira…