[ Edição Nº 130] – Ana Isabel Alves, vereadora do Trânsito na Câmara Municipal de Setúbal.

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Edição Nº 13026/06/2000

Trânsito e estacionamentos “caóticos” em Setúbal
Vereadora PSD responsabiliza executivo socialista

          A vereadora social democrata Ana Isabel Alves está há cerca de dois anos à frente do pelouro do Trânsito na autarquia setubalense e queixa-se de que a falta de ligação com outras áreas e o investimento neste sector não lhe permitem aplicar todas as medidas que considera importantes para a cidade. Acusando o executivo liderado pelo PS de considerar o Trânsito um pelouro menor, espera ‘dar a volta’ ao problema numa próxima mexida na estrutura da autarquia. A vereadora defende a aplicação dos resultados do Plano Municipal de Circulação, cujo estudo está agora em curso, e só espera que o documento não vá parar à gaveta como diz ter acontecido a um plano similar elaborado há dez anos. É que, de acordo com a vereadora, o trânsito de veículos pesados só poderá ser retirado do centro da cidade se houver vontade política para tal. Para já, diz-se empenhada em ordenar os estacionamentos no centro da cidade e acabar com os arrumadores ilegais nos parques concessionados. Por isso, vê com bons olhos a medida aprovada em sessão de Câmara para a implementação de novas medidas de fiscalização nos estacionamentos pagos.


Setúbal na Rede

A partir de 1 de Julho a cidade vai dispor de fiscais nos estacionamentos concessionados. Em que é que isso vai beneficiar os automobilistas?

Ana Isabel Alves

– Esta medida inovadora foi proposta pela empresa concessionária, a Resopre, e aprovada na última sessão pública de Câmara. O regulamento da autarquia determinava que a fiscalização das zonas de estacionamento concessionado fosse feita pela PSP, mas com a alteração que aprovámos a fiscalização passará a ser feita pela PSP com o auxílio de funcionários da Resopre. Estes terão duas funções principais: esclarecer as pessoas sobre o modo de funcionamento dos parcómetros e sobre as regras daquelas zonas de estacionamento e, por outro lado, colocar avisos dizendo aos automobilistas que ou não pagaram ou ultrapassaram o tempo de estacionamento para o qual pagaram.

Esta medida terá ainda como efeito, a retirada dos arrumadores ilegais das zonas concessionadas e o fim da dupla tributação aos automobilistas. De qualquer maneira, esses avisos são meramente indicativos pois estes funcionários não têm funções de autoridade ou sancionatórias. Ou seja, limitam-se a fiscalizar e o resto é com a PSP que poderá, ou não, acompanhar os funcionários da Resopre.

SR

– Se não há certezas de que a polícia irá acompanhar os fiscais ou até mesmo que faça a ronda pelos parcómetros, como é que se garante a eficiência desta medida?

AIA

– Se a polícia aparecer, autua quem não respeita as regras. Se não passar e o automobilista tiver retirado o aviso do carro claro que não será feita a sanção. Entretanto a Resopre tem em vista um novo protocolo com a PSP no sentido de a gratificar de forma a que seja mais eficaz nas zonas dos parcómetros.

SR

Se existe um acordo entre a concessionária, a Câmara e a PSP, no sentido desta ser remunerada, porque é que há necessidade de a gratificar por um serviço do qual já obtém proveitos?

AIA

– O problema é que, na prática, este acordo não tem funcionado e a Câmara continua sem saber porquê. A PSP recebe uma parte das receitas dos parcómetros e a fiscalização não tem sido a melhor tanto na zona dos parcómetros como fora delas. A polícia lá terá as suas razões mas o que é facto é que as coisas não funcionam quer nos estacionamentos, quer nas cargas e descargas feitas em qualquer lado, quer nos estacionamentos em cima dos passeios.

Acho que a polícia tem-se desleixado um pouco ultimamente mas não gostaria de falar desse assunto porque esta é uma questão de fundo que talvez até se prenda com as reivindicações que esta força policial tem vindo a fazer ao longo dos últimos meses. Contudo, a questão da gratificação é da responsabilidade da empresa concessionária, pelo que a Câmara não vai gastar um tostão com isso.

SR

Acredita que esta medida possa resolver o problema dos arrumadores ilegais e da dupla tributação aos automobilistas?

AIA

– Espero que sim, até porque a Resopre implantou esta experiência noutro município do país e, segundo refere, as coisas estão a funcionar. Para além disso temos a experiência de Lisboa, embora em moldes um pouco diferentes, em que a fiscalização é feita pelos fiscais da empresa municipal que gere os parcómetros. Aqui, os fiscais já têm funções de autoridade porque foram abrangidos pela lei que saiu em 1999. No entanto, essa lei não contempla os fiscais de empresas privadas como é o caso da Resopre.

SR

Nesse caso, porque é que os fiscais da Câmara não assumem essas funções?

AIA

– A autarquia tem um corpo de fiscalização com várias funções e, neste momento, fiscais municipais para os estacionamentos temos apenas um que é o que regula o parqueamento dos veículos junto ao edifício dos Paços do Concelho. Os outros fiscais municipais têm outras atribuições mas de vez em quando dão uma ajuda ao sector do trânsito, nomeadamente quando se deparam com carros abandonados ou sinais danificados. Esperamos é que esta função de fiscalização dos estacionamentos possa ser atribuída à polícia municipal, quando Setúbal a tiver.

SR

É verdade que se pretende que sejam os actuais arrumadores ilegais a fiscalizar as áreas concessionadas?

AIA – A empresa propõe-se contratar os arrumadores que tiverem essa disponibilidade. Eu tenho algumas dúvidas quanto a essa disponibilidade uma vez que estas pessoas não estão habituadas a regras. Contudo se se conseguir recuperar ao menos um, já se pode considerar esta medida um sucesso.

SR

Com esta fiscalização a Câmara recuperará os cerca de 100 mil contos que diz perder, por ano, a favor dos arrumadores?

AIA

– Não sei ao certo a quantia que se tem perdido e, por isso, já solicitei o relatório financeiro da concessão. Mas acredito que a Câmara tenha perdido algum dinheiro com isto, tal como tem perdido a empresa concessionária. Há pessoas que, ou não respeitam as regras e não pagam o estacionamento, ou rejeitam a dupla tributação e pagam só aos arrumadores.

SR

A medida refere-se apenas às zonas onde se concentram os arrumadores ilegais?

AIA

– As alterações estão previstas para todas as áreas concessionadas. Na avenida Luísa Todi, onde as coisas são mais complicadas, a empresa propõe-se criar um sistema de cancelas com bilhetes à entrada e pagamentos à saída. Nas outras zonas da cidade, onde não é possível fazer parques fechados, vai intensificar-se a fiscalização da empresa e da PSP.

SR

Que medidas estão previstas para os arrumadores nos estacionamentos gratuitos?

AIA

– Embora essa tributação também não seja justa, a verdade é que não posso impedir que os arrumadores se desloquem para outro lado. É preciso não esquecer que este é um problema mais vasto pois trata-se de uma questão social. Por outro lado, é preciso desmistificar a ideia de que não se pode fazer nada quanto aos arrumadores ilegais porque não existe legislação.

Não é verdade, a legislação existe e esta diz que os arrumadores têm que ter uma licença passada pelo Governo Civil. Mas como a sanção para quem não tem licença é uma coima, torna-se difícil iniciar um processo de contra ordenação a pessoas que são marginais e nem sequer têm local onde possam ser contactados.

SR

Como é que a Câmara pretende resolver os problemas de estacionamento com que a cidade se debate?

AIA

– Estamos a avançar com um Plano Municipal de Circulação, cujo estudo foi adjudicado à Universidade de Coimbra. Temos esperança de que, dentro de um ano possamos fazer um diagnóstico da situação e apresentar soluções concretas. Depois, a sua aplicação depende da vontade política de que estiver à frente da Câmara nessa altura. Não querendo justificar a situação caótica em que se encontra o estacionamento, a tendência é cada vez mais a saturação completa dos centros das grandes cidades.

No caso de Setúbal, as coisas pioram um bocado também porque as pessoas estão mal habituadas e querem levar o carro até à porta das lojas onde fazem compras. Provavelmente, o estudo dará indicadores que apontam para isso. Basta pensar nos parques de estacionamento junto à capitania e ao tribunal, que estão a 50% durante quase todo o dia. Isto porque não estão em zonas centrais da cidade. E o comodismo é de tal forma que as pessoas já estacionam frente às lojas onde querem fazer as compras, estacionam em segunda fila e param em qualquer sítio para descarregar. Mas isto também se deve a um grande problema que é a falta de fiscalização ou de qualquer sanção em Setúbal, nomeadamente por parte da PSP.

SR

Como é que vê a política da autarquia para este sector?

AIA

– Nos últimos anos, o pelouro do Trânsito não foi tido como uma prioridade para a Câmara. Isso reflectiu-se na própria estrutura que encontrei quanto assumi o pelouro, e que era constituída por três ou quatro pessoas que não eram devidamente apoiadas e, nomeadamente, sem uma vertente operacional. Por outro lado, verificou-se uma falta de investimento em infra-estruturas ao longo de muitos anos. E tudo isso conduziu à situação caótica em que se encontra o trânsito e o estacionamento da cidade.

Agora estou a fazer uma restruturação dos serviços e vai depender do presidente da Câmara, a dotação destes serviços com uma brigada operacional com pessoas suficientes para rebocarem veículos, fazerem pinturas e colocarem sinais, ou seja, todas as coisas que os técnicos propõem que se faça mas que acabam por não serem feitas porque não há pessoal para isso. Os problemas do trânsito são questões do dia a dia, mexem com muita gente e não podem ficar à espera porque isso poderá significar acidentes.

SR

Está prevista a criação de outras vias para aliviar o trânsito na cidade?

AIA

– Essa é uma competência da área do Planeamento e o pelouro do Trânsito não é chamado para tal. Contudo tenho feito sentir ao presidente a necessidade de se criarem vias estruturantes e estou muito esperançada que o Plano Municipal de Circulação nos dê novas pistas sobre aquilo que Setúbal precisa neste momento. E só espero que não aconteça com este estudo o mesmo que aconteceu com o anterior, feito há dez anos, que acabou na gaveta e agora faz parte dos arquivos da Câmara.

Até hoje não se fez nada para retirar o trânsito pesado do centro da cidade porque enquanto não houverem as tais vias estruturantes dificilmente se poderá proibir a passagem destes veículos porque eles não têm outra alternativa. Enquanto não for feita a via rápida Brancanes/Cascalheira não se pode fazer nada. Agora está a ser construída a passagem desnivelada da avenida Rodrigues Manito para uma ligação entre a auto-estrada e a Estrada Nacional 10, o que irá permitir a passagem dos pesados fora do centro da cidade. Mas o problema é que não se sabe quando é que aquilo estará pronto, uma vez que as obras, que deviam ter começado em 1997 só foram iniciadas este ano.

SR

Como é que o Trânsito trabalha sem ligação à área do Planeamento?

AIA

– Pode parecer estranho, e é de facto, mas não há qualquer ligação entre os dois sectores. Há zonas novas na cidade com estacionamentos previstos mas há outras onde já existem graves problemas de estacionamento. Isso tem a ver com o Planeamento e eu só me posso pronunciar em sessão de Câmara quando os projectos lá vão, mas como se sabe grande parte o projectos não vão à sessão de Câmara. Ou seja, quando detecto este tipo de problema, enquanto vereadora do pelouro do Trânsito não tenho qualquer palavra a dizer.

Neste momento, estes serviços limitam-se a gerir o que já existe e não interferem no que vai ser feito. E apesar de se terem dado passos em frente, continuo a achar que o pelouro do Trânsito ainda é visto como um pelouro menor em Setúbal. Numa próxima mexida na orgânica da Câmara, este pelouro deve funcionar em articulação com o planeamento, pois o contrário não faz qualquer sentido.

SR

Um dos grandes problemas de Setúbal está nos congestionamentos provocados pelo único acesso às praias da Arrábida. O que é que a Câmara fez para o resolver?

AIA

– Elaborei um plano que acabou por não ser viável. O plano reduzia o tráfego e desimpedia a via de carros estacionados e isso era bom para os veraneantes e acabava com os problemas de falta de segurança naquela zona, uma vez que com tantos carros pelo meio, os bombeiros demoram cerca de uma hora para chegar ao local. A ideia era condicionar o trânsito a um único sentido a partir da zona do Outão durante os meses de Julho e Agosto, quando se verifica a maior enchente de veraneantes.

As pessoas podiam levar o carro até a um parque de estacionamento que prevíamos no Outão e depois iam à praia de transporte público. A Secil disponibilizou a zona de parque de estacionamento mas verificámos que tal não era possível porque ele é utilizado por cerca de uma centena de camiões por dia. Pensámos numa alternativa e surgiu a possibilidade de usar um terreno baldio concessionado à Secil, perto do hospital do Outão, mas a empresa diz que não porque o terreno é usado como depósito de paletes. Ou seja, não há hipótese de resolver o problema dos acessos à Arrábida ainda este ano e, por isso, tudo vai ficar na mesma.

SR

Há alternativas a este plano?

AIA

– Ou proíbe-se simplesmente o trânsito e obriga-se as pessoas a irem à praia nos transportes públicos, o que é muito negativo para os utentes e bastante impopular, ou faz-se uma travessia fluvial. Já tenho falado nisso e espero lançar essa ideia numa próxima reunião com a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra. A concessão dos barcos para Tróia está prestes a terminar e, quem sabe, a nova concessão poderia passar pela travessia do Sado até às praias da Arrábida. Acho uma boa resposta para o actual problema mas, por outro lado, é preciso ver se do ponto de vista de uma empresa este investimento será, ou não, viável. De qualquer maneira é uma ideia a discutir e não se perde nada se equacionarmos a sua aplicação.

Entrevista de Etelvina Baía
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