Querido diário
Depois daquela apresentação do Pedro à minha família fiquei um tanto desconsolada. Não com ele, que continua muito querido, mas com a famelga. Agora é que me apercebi que são uns grosseiros. O Pedrinho não disse nada mas eu acho que ele só se ria por educação. Então tem algum jeito, logo no primeiro encontro, fazerem-lhe perguntas sobre quanto rendia o taxi? Até parece que o interesse é deles! Quanto muito pode-me interessar a mim.
Não, não, não pode ser. Eu não quero ir lá muitas vezes a casa senão o Pedro ainda se espanta e desaparece. Tenho que ter muito cuidado. Eu tenho procurado tanto um amor como este, um companheiro para o resto da vida, um pai para as crias que hei-de ter, não posso arriscar a que ele comece a fazer contas de cabeça e ainda pense que vai ter que sustentar o pessoal todo lá de casa.
Ando com ideias de casar o mais rápido possível para que não tenha alguma surpresa. Mas também não quero que o Pedrinho se sinta muito pressionado porque sempre ouvi dizer que é disso que os homens fogem a sete pés. Mesmo que gostem da mulher, mesmo que queiram casar… se acham que ela está a forçar muito começam logo a ver nisso um atalho para a forca e fogem. Tenho que ser inteligente para não desperdiçar a oportunidade da minha vida.
Agora vou deixar correr o marfim durante uma ou duas semanas, vou dizer-lhe se não quer ir passar uns fins-de-semana fora e… quem sabe se não o seduzo, se não o deixo mortinho para viver comigo sob o mesmo telhado, no mesmo lar?
Lar! Ah que palavra tão bonita! Lembra-me naperons nos móveis, cortinados com berloques nas janelas, o cheiro a verniz das mobílias novas… a jarrinha de flores em cima da televisão…. ah, como deve ser bom ter tudo isso que sempre vi na casa dos outros mas agora na minha casinha. Até me veio à ideia aquela música daqueles malucos… “Que saudades que eu já tinha, da minha alegre casinha, tão modesta como eu…”. Vou começar a cantá-la quando estiver com ele, para ver se lhe dá vontade de comprar a nossa casinha.
Mas primeiro tenho que pensar é no casório. E no dinheiro. Agora é que fazia falta o dinheiro que o pai não ganhou no totoloto, aquele tonto! Ah, com uns milhares de contos ia mas é casar à grande e à francesa nos Jerónimos, como a Isabel Rédia. As fotografias devem ficar lindíssimas com aquelas portas por trás.
E o vestido de noiva? Tenho que começar a ver as revistas porque depois demora tudo muito tempo!
Como é bom, querido diário, pensar que estas coisas se vão realizar, que já não são só sonhos. Eu sei que ainda não falámos em datas mas eu trato de convencer o Pedro.
Em último caso, se vir que ele começa a esticar a corda… até já estou por tudo. Ele que não brinque comigo ou ainda é pai sem querer! Ah, pois, que eu já não estou para brincadeiras! Isso é que era bom! Então anda aqui a alimentar-me ilusões e agora quer dar o fora? Espera lá que já saltas! Estes homens são todos iguais. Só querem divertir-se connosco. Mas comigo já não brincas, Pedro! Ah, vais ser pai vais, se for preciso. Solteirinho é que não ficas mais um mês, não penses.
Já fiquei mal disposta com esta discussão. Ainda agora começámos o namoro e já temos discussões destas. Que chatice! Mas não haverá homens decentes neste mundo?
Olha, vou mas é começar a tratar do futuro. Se calha vou ali àquela loja de lingeries e vou escolher assim umas coisas à maneira. Talvez um daqueles conjuntos espartilho, cinto de ligas, rendinhas, que achas?
Então, deseja-me boa sorte! Ai, não! Não, que isso dá azar! Deseja-me que parta uma perna, é assim que se diz aos artistas. Breique a légue.
Ciao, amigo.
Lina