[ Edição Nº 131] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Jorge Pires.

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PS anda obcecado
com o poder absoluto

           Todos aqueles que têm acompanhado a vida autárquica, ao longo destes mais de 25 anos, interrogam-se hoje sobre as verdadeiras razões que levaram o PS a retomar o processo de alteração do sistema eleitoral para as Câmaras Municipais. Os argumentos já avançados, inclusive na intervenção do Primeiro Ministro, no encerramento do congresso da Associação Nacional de Municípios, realizado recentemente no Algarve, não só não convencem, como deixam muitas interrogações sobre as verdadeiras razões deste processo, que não se situam certamente em preocupações como a governabilidade e a estabilidade das Câmaras, ou na necessidade de valorizar o papel das Assembleias Municipais.

Não deixa de ser significativo, o facto de todo este processo se desenvolver paralelamente com um debate que percorre a sociedade portuguesa, em torno das causas que levam a um progressivo afastamento dos portugueses da vida política do país. Mas não será mais um contributo para esse afastamento, a concretização destes projectos do PS, que levarão inevitavelmente ao empobrecimento da vida política?

Afinal quem procura afastar os portugueses duma participação activa na vida política do país? Quem tem medo que essa participação se alargue?

Vejamos um a um, os argumentos avançados como justificação para a introdução de alterações na legislação eleitoral, cujo objectivo central aponta para que deixe de haver eleição directa da Câmara Municipal, passando o 1º candidato da lista mais votada para a Assembleia Municipal, a ficar investido do poder absoluto para constituir a equipa de vereadores.

Diz o PS, que a eleição de executivos monocolores, terá como consequência imediata uma maior estabilidade, e por este facto, haverá mais governabilidade e eficácia na gestão. Relativamente a estes argumentos, basta recordar que ao longo de mais de 25 anos (sete mandatos autárquicos) apenas 19 vezes foi necessário recorrer a eleições intercalares, e em dez destas situações, a força maioritária que detinha a presidência se encontrava em maioria absoluta. Mas para aqueles que identificam estabilidade com maioria absoluta, é bom que revejam o ridículo do argumento, porque como é sabido em 276 municípios dos 305 eleitos, a força política que detém a presidência dispõe da maioria absoluta dos mandatos. Na última década apenas se realizou uma eleição intercalar, (Albufeira um município onde o PS tinha maioria absoluta) culminando um processo de suspeitas sobre irregularidades na gestão municipal.

Simultaneamente procura-se fazer passar a tese de que a participação de eleitos de várias forças políticas é um elemento perturbador nos processos de decisão. Só quem não conhece o funcionamento das câmaras municipais, é que pode pôr em causa uma das mais importantes virtudes do actual sistema, que é a cooperação entre eleitos, não poucas vezes responsável pela adopção de melhores decisões a partir do debate de opiniões e ideias diferentes. Em regra, na generalidade das autarquias, as deliberações são tomadas por unanimidade (por vezes próximo ou mesmo acima dos 80%). Um outro argumento avançado pelos defensores destas alterações, é que elas contribuem para a valorização e afirmação dos orgãos deliberativos. Naturalmente que já se esqueceram que ao longo dos anos foram esvaziando, em sucessivas alterações da Lei de Atribuições e Competências, o poder das assembleias municipais.

Como se pode verificar pela argumentação avançada, para além do muito cinismo que ela incorpora, não restam muitas dúvidas que as razões fundamentais que levaram a que o PS retomasse o processo de alteração à legislação eleitoral para as Autarquias Locais, se deve sobretudo ao facto deste partido estar obcecado com o poder absoluto. É efectivamente de poder absoluto que se trata e não de outra coisa.

Aquilo que as populações desejam é que as suas Câmaras vejam os seus meios reforçados para assim poderem aumentar a sua capacidade de realização. Ao contrário do afastamento entre eleito e eleitor, que estas alterações irremediavelmente proporcionariam, aquilo que os eleitores precisam é de ver essa ligação reforçada reconhecendo-se através do seu voto no conjunto da vereação eleita directamente pelos eleitores.

Não deixa de ser igualmente interessante, o facto do PS dar grande importância à possibilidade de listas de cidadãos eleitores concorrerem às Câmaras Municipais, para segundo eles, sair reforçada a participação democrática, quando sabe perfeitamente que as alterações que se propõe introduzir na legislação, reduz a quase nada a possibilidade dessas listas terem qualquer representação nos executivos municipais.

O sistema actual a perder-se, seria um importante recuo em matéria de eficácia, participação democrática e transparência de procedimentos nas Câmaras Municipais, com graves consequências para o país e para os portugueses, mas sobretudo seria um significativo retrocesso na nossa democracia. Por tudo isto, não posso deixar de manifestar o meu repúdio por mais esta tentativa de golpear o poder local democrático nascido com Abril.