Diário, meu querido
Ainda não aconteceu nada, depois daquela manhã em que enganei o Pedro com o Sandro. Tenho pensado muito nisto porque começo a sentir que algo muda dentro de mim. Começo a pensar que tenho sido uma menina idiota que acredita em contos de fadas quando, na verdade, só dou é com diabos à minha volta. Como devemos agir quando damos conta destes desencantos? Devemos manter-nos fieis aos nossos ideais e andar sempre a levar pontapés ou mais vale sermos nós a dar pontapés também?
O problema é que fazer certas coisas só por vingança, como eu fiz com o Sandro, se por um lado me deu uma alegria imensa por sentir que se fez justiça, por outro lado tem um sabor amargo porque não está na minha natureza. Pensa bem a maldade que fiz: traí o meu noivo com o namorado da minha melhor amiga! Que deus me perdoe.
Ele sabe que não foi por leviandade ou porque eu o quisesse mas custa muito ser sempre a vítima passiva dos pecados e vícios dos outros.
O Arlindo era meio amaricado mas mesmo assim eu estava disposta a desposá-lo. Que obtive? A arrogância dele, que se julga muito intelectual e me julga a mim uma idiota. É certo que acabei por trocá-lo pelo Pedro mas, se eu quiser ser honesta comigo mesma, ele também não devia gostar mesmo de mim pois não fez o mínimo esforço para me reconquistar.
O João, casado, bem falante, conseguiu seduzir-me e criar-me terríveis problemas de consciência. Que tive em troca? O esquecimento puro e simples, o que me convence plenamente de que ele apenas queria aquilo que já sabemos. Nunca sabemos quando confiar nas palavras ternas que nos são ditas, nas atenções especiais que nos são dispensadas e que nos fazem sentir tão desejadas. Como são ignóbeis os homens quando usam de todos estes truques, aproveitando-se da ingenuidade e dos sonhos de uma rapariga carente.
O Camané, esse já nem vale a pena falar. Até quase o esqueci. Tantos anos que lhe demonstrei a minha paixão e tudo o que ele me dava era ou desprezo ou as manifestações de cio mais baixas, como se eu fosse uma gaja qualquer da rua de que ele se servia quando lhe apetecia. Nem ao menos tentava iludir-me um pouco. Nem disfarçava. Apalpar-me era como dizer bom dia. Mas uma coisa reconheço: não posso dizer que me enganou. É apenas um ordinareco.
Agora o Pedro, aquele que eu julgava o caso especial da minha vida, O meu Amor, um homem que até diz que é virgem (mas que já nem acredito) e que eu seria a primeira mulher da vida dele, aquele que me fez largar emprego, família e noivo, que me traz este homem logo ao fim de um mês? Aquilo que parece que todos os homens fazem com a maior das naturalidades: pôr tudo em perigo, arriscar um futuro por um simples par de pernas, por uns minutos de prazer. Nem que seja a maior ranhosa do bairro não conseguem dizer que não, parecem animais esfomeados de carne.
Como podem o homem e a mulher serem tão diferentes? Para eles sexo é toma lá dá cá. Desde que aquilo acorde ficam logo prontos para a maluquice. E como é fácil estarem acordados. Ainda por cima não entendem que a nós não nos apeteça a toda a hora como eles e que nós precisemos de outras coisas no meio. Fazia-me uma raiva quando eu tentava ser meiga com o Camané e esperava ouvir dele também palavras meigas, ou um olhar apaixonado ao menos… e ele só com aquelas mãos como se fosse um polvo, para baixo e para cima. Nem lhe interessava onde mexia desde que fosse o meu corpo. Que raio se passa na cabeça deles? Por isso é que não me admiro que comprem aquelas bonecas de borracha porque, realmente, parece que a eles lhes basta que seja uma coisa que pareça uma mulher, mesmo que não se mexa. É tudo o mesmo, para os homens: um buraco.
É por isso, amigo Diário, que ao pensar nisto tudo começo a sentir uma revolta tão grande… que só me apetece começar a fazer com eles o que eles fazem connosco: Enganá-los, Gozá-los, Descartá-los. Ao menos não sofria desgostos, não andava para aqui iludida e acabava por fazer o gostinho ao corpo sempre que me apetecesse pois, como já sabes, não há nada mais fácil neste mundo que conquistar um homem. Conquistar? Ah ah ! Deixa-me rir! Obter um homem. Trata-se apenas disso sempre que eu quiser um pouco de prazer. Saio à rua e obtenho um homem.
Ai, credo, o que estou para aqui a dizer! Será que eu era mesmo capaz de fazer isso? É que também há a sida, é preciso não esquecer. E há homens perigosos, malucos, assassinos, como se vê nos filmes.
Bem, mas o que me preocupa agora é o que vou fazer com estes três. Com o Pedro, a Sónia e o Sandro. Eu já me sinto vingada, mas para a vingança ser completa o Pedro deveria saber, para sofrer como me fez sofrer a mim quando percebi que se tinha esfregado na pele da Sónia, encharcada no meu Chanel nº 5. Para mim, o ideal seria ele vir a saber pela Sónia pois assim até perceberia porquê. Mas para isso o Sandro ou eu teríamos que contar o caso à Sónia. Eu poderia fazer um teatro fingindo ter sido uma fraqueza incompreensível e estar imensamente arrependida.
Vamos ver. Tenho que pensar. Mas que a minha vida vai mudar e não serei mais a Gata Borralheira da história, ai isso é trigo limpo farinha Amparo.
Estou por tudo e estou farta dos homens. E das mulheres também, não penses que me vou virar. Estou farta das pessoas. Mas não me vou enforcar. Vou é entrar no jogo e dançar conforme a música. Serei uma mulher… perversamente insinuante, desejável e aproveitadora. Escandalizado, meu amigo? Vais habituar-te e, apesar de tudo, não me vou tornar nenhuma prostituta, não me vou vender. Vou é investir. Na Bolsa dos Sentimentos.
Adeus e… se fosses homem talvez fosses o meu verdadeiro amante.