A fazer fé no que postula o adagiário popular, quando um cidadão é muito pobre, só lhe restam as ruas para passear. Acontece que os desgraçados tempos que correm até tal direito que inere da sabedoria popular tradicional pretendem subverter.
Enquanto espaço de fruição pública, a que todos temos acesso, as ruas estão a acabar, e não fora a sua total imprescindibilidade, começa a ser minha convicção, que não demoraria, e as instâncias autárquicas estavam prontinhas para as negociar, tal a sanha com que desrespeitando o todo, as vemos fazer aqui e ali concessões em prejuízo do bem comum.
A apropriação do espaço público por uns quantos, com a total passividade e aquiescência das autoridades (se calhar porque são as primeiras a consolidar os maus exemplos) começa a ser deveras preocupante, e urge que a tal estado de coisas se ponha termo. A cada passo deparamos com “quiosques” inusitadamente instalados, prejudicando a fluidez de andamento nos passeios e quase sempre quebrando a leitura arquitectónica dos edifícios ante os quais se enxertam, sem que isso pareça incomodar ninguém, e se casos existem em que tais estruturas até cumprem a sua função, na sua maioria, a sua simples existência face à nula actividade é só por si um atentado. Há por aí estruturas de tal tipo que evidenciam um grau de utilização que tão pouco deve gerar a receita necessária à quitação da licença que lhes consente a existência, tão vazias que permanentemente se encontram, mas, desgraçadamente existem. Um caso recordo de imediato que constitui uma afronta. Um dado empresário resolveu apostar numa zona sem tradição em tal área e instalou uma casa de moda que depressa se cotou pela positiva entre a população utente; pese o facto de se encontrar rodeado por estabelecimentos do ramo da hotelaria, existindo um amplo passeio fronteiro susceptível de consentir a instalação de agradáveis esplanadas de tais estabelecimentos, não, foi um mamarracho enorme de carácter permanente que lhe plantaram em frente à montra, com a agravante de que o descuido no que reporta à higiene que se constata é chocante (até um carro a cair de ferrugem a servir de armazém de apoio por ali se posta em permanência).
Outro caso gritante, é verificável numa perpendicular à avenida Luísa Todi, cortada com OCNI’S (objectos de cimento não identificáveis) e correntes, para gozo privado de uma pretensa esplanada de um restaurante, que em centenas de observações ao almoço e ao jantar, vi utilizada uma única vez. É demais.
No que toca ao agora chamado mobiliário urbano é um regabofe, autêntico catálogo do que se produz por todo o país. A floresta de mupi’s, postes com placas de indicação bizarros (tipo seta a indicar a Peixaria da J’aquina ou a Imobiliária do Baixote) e todas as outras impensáveis coisas pseudo-indicativas que por aí plantam é um gozo. Parece que o “senhor mau gosto” se zangou com Setúbal e espalhou a esmo os objectos referidos, para que uma cidade que se enquadra num dos mais bonitos cenários do mundo não pudesse mais reeinvindicar a sua beleza. E é bom que vos diga que algumas das execráveis estruturas são perigosas – uma placa existe na Avenida de “estacionamento e taxa paga” que está a tal altura que já lá vi esbarrar dois incautos, que distraídos, ficaram de testa aberta.
Mas, as ruas, avenidas e largos da cidade de Setúbal, só por si oferecem no que refere a irregularidades no pavimento matéria que dava, se denunciadas caso a caso, para um ano de artigos; os buracos existem por tudo quanto é sitio, e quando acaso os tapam, onde havia um buraco passa a haver uma lomba. É uma confusão. Bastaria aos respeitabilíssimos autarcas dar um passeio por semana pela cidade para que foram eleitos, de bloco na algibeira, para tomarem notas da enormidade de anomalias a corrigir, mas como pela cidade só passeiam em campanha eleitoral, é curto, não chega.
Que vos refira ainda o que se passa com os lixos. Numa cidade em que é escandaloso analisar um recibo da água, dado que sai mais caro o saneamento e a taxa de resíduos sólidos que o valor da cara água que o munícipe consome, creio que nos assiste o direito de não viver numa lixeira. A cada passo o lixo é visível em quantidades que fazem pasmar. Dir-se-á de imediato que a população não cuida do espaço em que vive, e deita tudo para a rua, da beata do cigarro aos restos de cozinha. É verdade, estamos de facto em presença de escassíssima educação ambiental, mas, acontece que a mesma população decerto se tomará de brios e procederá de outra maneira se vir que tudo em seu redor se encontra limpo. Lembrem-se que por aqui habitam pessoas iguais às que foram incapazes de deitar para o chão um papel de rebuçado no espaço da EXPO. Na rua em que moro há mais de dois anos que não me é dado ver actuar uma brigada de limpeza!
Bem, antes que me alcunhem de azedo (ou mais grave, me atribuam inconfessáveis intenções ou me chamem arruaceiro) fico-me por aqui, mas não sem que me permita exclamar que com a avultada receita da salgadíssima contribuição autárquica com que nos brindam todos os anos, nos é lícito esperar uma melhor qualidade de vida. Mas não, em vez de ruas limpas para passear dão-nos humor: Quem é que resiste a soltar uma boa gargalhada, quando depara com aquela frase que para aí difundiram e que reza tão só – “Setúbal, uma cidade em que apetece viver!”?