[ Edição Nº 134 ] – Comício do PS na Fonte Luminosa, em Lisboa.

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Setúbal na Rede
– Onde é que estava no dia 18 Julho de 1975?

Francisco Soares Feio – Estava em Setúbal, com muitos camaradas de partido e, respondendo à convocação para um comício em Lisboa, fomos daqui largas centenas de pessoas nos mais diversos meios de transporte. Eu também fui no meu carro e esperando dificuldades na estrada por via de algumas barreiras que tinham sido entretanto colocadas.

Essas dificuldades aconteceram logo à saída de Setúbal, na Estrada Nacional 10, onde havia uma barricada para impedir as pessoas de se movimentarem. Claro que nós nem parámos e as pessoas tiveram que se desviar, caso contrário poderia ter havido um acidente grave.

SRQuem fez as barricadas?

FSF – Foram organizadas por gente do PCP, que à semelhança do que fazia na cidade, tentava impedir que os cidadãos se movimentassem e expressassem livremente. E creio que estariam armados, pois eles andavam sempre com armas naquelas circunstâncias. Mas se não passássemos a bem passávamos a mal e não tiveram outro remédio senão desviarem-se do nosso caminho. Quando chegámos à entrada da ponte 25 de Abril demos com nova barricada e, tal como na primeira, nem sequer parámos.

SRQual foi o objectivo do comício?

FSF – Foi uma grande manifestação convocada por grandes figuras nacionais como Mário Soares, durante o chamado Verão quente de 75 onde o PCP e as forças de extrema-esquerda tentavam dominar o país de forma a instaurar uma nova ditadura ou social fascismo, como lhe chamávamos. E é evidente que as forças democráticas não podiam permitir uma situação dessa natureza.

Todos nos mobilizámos e quando chegámos vimos gente de outras forças políticas como o PPD e do CDS. De facto encheu-se o largo da Fonte Luminosa de gente de todo o país e a participação de Setúbal foi praticamente total. Estou convencido que só os que estavam doentes ou sem transporte é que não foram ao comício. Durante o comício houve várias intervenções onde se apelou à intervenção do povo para salvaguarda da democracia e evitar que o poder caísse nas mãos de novos ditadores.

Foi o maior comício realizado neste país e com uma projecção política enorme porque logo a seguir deu-se o 25 de Novembro. De certo modo, este comício marcou o início da intervenção das Forças Armadas para corrigir as coisas, porque o que se prometeu ao povo em termos do programa do MFA andava a ser sujeito a desvios graves.

SRPorque é que a unicidade sindical foi rejeitada pelos oradores?

FSF – O que se defendeu foi que não devia haver unicidade sindical precisamente pelo facto dela ser anti-democrática. Ou ela é construída por todas as forças sindicais ou é imposta é assim vai contra todas as regras da democracia. Lembro-me perfeitamente de que um grande defensor desta posição era Salgado Zenha.

E toda a gente percebeu que a insistência do PCP sobre a unicidade sindical era mais uma tentativa para chegar ao poder, ou seja, mais uma estratégia para aglutinar as forças políticas à sua esquerda.

SRQuando voltou do comício como é que encontrou Setúbal?

FSF – No regresso as coisas estavam mais calmas e não encontrámos barricadas nem qualquer tipo de reacção fora do normal. Ou seja, o PCP continuou com as suas intervenções habituais mas não se viram reacções ao comício de Lisboa. De facto, Setúbal naquela altura era um caldeirão de extremismos. Haviam várias forças de extrema-esquerda e grandes movimentações políticas e sociais, todas elas coordenadas pelos comunistas ou pela Intersindical. 

SRComo é que viu o envolvimento de Setúbal no PREC?

FSF – As forças e os movimentos estavam o muito activos e desenvolviam muitas acções políticas e sociais. Algumas delas com muitas com razão mas outras eram exageros autênticos. Mas não é por aí que se perde a democracia, pelo contrário, a confrontação de ideias sempre foi indispensável.

Isto desde que seja uma confrontação dentro dos parâmetros da democracia e não, como chegou a acontecer, ou seja, ter um grupo minoritário a querer impor as sua vontade. Esta tentativa de imposição era frequente mas nas primeiras eleições livres as dúvidas dissiparam-se e viu-se o que isso representava. O PCP ficou com cerca de 12%  dos votos e o PS venceu as eleições.

SRA gestão da câmara durante o PREC, ocorreu como esperava?

FSF – Foi uma gestão puramente partidária e exclusivamente do MDP e do PCP. O PS sempre contestou este tipo de gestão e não fomos convidados para fazer parte da Comissão Administrativa. A Câmara estava nas mãos dos comunistas e do MDP, que era um apêndice do PCP. Eles não queriam mais partido nenhum no poder porque não queriam estar controlados pelas forças democráticas porque assim mais facilmente conseguiriam atingir os seus fins. E nas primeiras autárquicas viu-se quem é que tinha razão, pois o PS ganhou-as.

O primeiro presidente eleito foi Ernesto Vitorino, que depois teve de sair dando lugar a Orlando Curto. Eram quatro vereadores do PS, entre os quais estava eu, quatro do PCP e um da UDP que era Camilo Alminhas, em substituição de Acácio Barreiros. Ele era o primeiro da lista mas como tinha responsabilidades políticas nacionais renunciou ao cargo e foi substituído.

SRForam cometidos erros que podiam ter sido evitados?

FSF – Acho que sim, pois houve coisas desnecessárias. Recordo-me que logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 ocorreram várias perseguições a pessoas que não tinham qualquer ligação nem à PIDE nem a Salazar e, não sei se por engano ou se por denúncia com segundas intenções, várias pessoas foram perseguidas sem qualquer razão.

Durante algum tempo verificou-se uma autêntica caça as bruxas. Em 1976, quando o executivo da Câmara foi eleito, encontrámos isto sem rei nem roque, com os trabalhadores virados uns contra os outros e manipulados pelo PCP.

SRDe que forma é que o PREC mudou Setúbal?

FSF – Setúbal como cidade perdeu muito porque passou a ser taxada de cidade vermelha e do meu ponto de vista sem qualquer justificação.  Hoje acontece menos mas ainda se fala nela dessa maneira. Na altura dizia-se que quem mandava aqui era o PCP e, por causa disso, a cidade perdeu muitas hipóteses de investimentos que não vieram porque os investidores tiveram receio de apostar.

Criou-se uma situação cuja factura ainda não foi ultrapassada, como foi o caso d os graves problemas de desemprego que ainda hoje persistem. Tratou-se de um desemprego criado pela falência de muitas empresa  e indústrias que sucumbiram à baixa de produtividade que tiveram.

SRA quem é que se deveu essa baixa de produtividade?

FSF – Surgiu na sequência da intervenção política e social das diversas forças em confronto na altura, da irresponsabilidade genérica que se instalou, dos confrontos nas empresas. Com estas conturbações necessariamente que a baixa de produtividade tinha que ocorrer. É que naquela época punha-se tudo em causa, inclusivamente a capacidade das chefias.

Era a altura em que se saneava tudo e as novas chefias eram eleitas entre os trabalhadores. Recordo-me que cheguei a ser eleito chefe de departamento dos Belos. Eu não concordava nada com aquilo mas naquele tempo era assim, as pessoas eram eleitas pelos trabalhadores e pronto. Depois, ou fazíamos as vontades as uma certa facção ou já não gostavam de nós. Obviamente que eu não fazia vontades a ninguém.

SRQuando é que as coisas acalmaram?

FSF – Com as primeiras eleições democráticas e com o 25 de Novembro tudo foi entrando nos eixos. A pouco e pouco a democracia foi-se instalando e acabaram-se as veleidades do PCP, de instalar uma ditadura no país.

SR25 anos depois, como é que vê Setúbal?

FSF – Hoje o concelho de Setúbal é completamente diferente do que era naquela altura. Agora está muito desenvolvido em todos os aspectos. Tem-se verificado uma evolução tremenda e tenho a certeza de que esta evolução vai continuar porque o trabalho de uma autarquia nunca está terminado.

Há sempre problemas por resolver e, no caso de Setúbal, o grande problema é o da habitação pese embora o esforço que se tem feito nos últimos anos no sentido de realojar as famílias mais carenciadas.  Pena é que, muitas vezes, as oposições que temos na autarquia não colaborem nesse desenvolvimento.

SRAcha que os objectivos de Abril estão cumpridos?

FSF – Os principais objectivos foram cumpridos mas ainda continua muita coisa por fazer, nomeadamente em relação a direitos como o da habitação. E nesse aspecto a Câmara tem trabalhado ao longo dos últimos 15 anos dando casas a milhares de pessoas.

O período revolucionário foi uma época diferente, única, e confesso que tenho algumas saudades. Apesar dos erros, havia muito voluntarismo, muita confrontação saudável e, principalmente, a ideia de que estávamos todos a construir um projecto de futuro.