[ Edição Nº 135 ] – MIRADOURO por Brissos Lino.

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MIRADOURO
por Brissos Lino (dirigente associativo)

Segurem-nos!

          De repente, de malas feitas para as férias, fomos apanhados de surpresa. Acabou-se o país dos brandos costumes. Eles andam aí. Socorro!

Que a Justiça andava mal há muito tempo já se sabia. Que as polícias também não andavam lá muito melhor, também. Que o ministro da Administração Interna, de cada vez que fala nos deixa a boca a saber a papéis de música, idem. Agora que o sistema parece estar a rebentar pelas costuras ninguém se admire.

Os polícias acusam os juizes de soltarem os marginais que eles acabam de prender. Se calhar com alguma razão.

Os juizes defendem-se alegando que se limitam a cumprir a lei, e que não aceitam pressões de ninguém. Se calhar com alguma razão.

A Oposição culpa o Governo pelos assaltos e pela onda de criminalidade. Se calhar com alguma razão.

O Governo acusa a comunicação social por amplificar as situações e por contribuir para criar um clima geral de insegurança. Se calhar com alguma razão.

E com estas razões todas, mas sem razão nenhuma, vai-se criando um ambiente propício à xenofobia e ao racismo, ao estilo do cidadão comum que pensa e diz que a culpa disto tudo é dos ciganos e dos pretos…

É natural que os polícias se sintam insatisfeitos com a forma como a Justiça trata com os criminosos, já que eles arriscam a vida constantemente para prender ladrões e assassinos, para, passadas algumas horas, os ver cá fora, só porque faltam uns poucos meses para que atinjam a idade e passem a ser considerados imputáveis.

Também é natural que os juizes estejam de mãos atadas, uma vez que o papel deles é cumprir e fazer cumprir as leis, não sendo eles mesmos os legisladores, e que não gostem de ser acusados por alguma coisa que não está dentro das suas competências.

Ainda é mais compreensível que os políticos que não têm responsabilidades governativas, de momento, ataquem quem as tem. É esse o seu papel, embora seja um papel cínico, pois muitos dos que agora criticam já lá estiveram antes e não podem ficar isentos de responsabilidades na matéria, mas há que desgastar o governo de qualquer maneira.   

Também me parece compreensível que o governo se desculpe com os media, em especial as televisões, que muitas vezes são altamente especulativos nestas coisas, jogando com os temores das pessoas, pois o seu interesse são os shares, e estas coisas dão excelentes audiências.

E ainda arrisco a dizer que até compreendo – embora o lamente e não aceite! – que o cidadão comum nestas alturas se mova tendencialmente nas margens da xenofobia e do racismo, pois sei muito bem que o sentimento de insegurança torna as pessoas irracionais e a primeira reacção de defesa é desconfiar dos que são diferentes de nós.

Contudo, numa matéria tão sensível como esta, seria de esperar que os diversos intervenientes se comportassem publicamente não tanto de acordo com os seus interesses políticos, profissionais ou de grupo, mas tendo em vista o interesse geral do país. Isto é, têm a obrigação de colocar o seu egoísmo corporativo de lado em função de valores mais altos.

Algumas declarações de políticos com grandes responsabilidades públicas constituem um autêntico convite ao atropelo da lei, no sentido de, nas entrelinhas estarem claramente a convidar a população a fazer justiça pelas suas mãos. Situação essa que, a existir, lhes daria novos motivos para atacar o governo.

Mas então o que é que pode ser feito?

Primeiro que tudo, reconhecer as origens do mal, ou seja, a falta de respostas para os que vivem nas florestas de betão, desenraizados, sem emprego, sem apoio psicossocial, sem hipóteses de ocupação construtiva que suscite a sua atenção e interesse, sem apoio espiritual ou religioso, a má organização urbana, a disfunção familiar, a falta de integração social, os guetos. É este estado de coisas que urge mudar.

Em segundo lugar, o governo precisa de ouvir urgentemente os polícias, os juizes, os autarcas, as associações de carácter étnico e os partidos com assento parlamentar, e depois desenvolver uma estratégia que possa fazer face a esta situação e alterar a lógica das nossas cidades, em vez de cada um vir a terreiro culpar o outro, contribuindo assim para um clima de maior insegurança no país.

Em terceiro lugar, compreendermos todos que as críticas e declarações emotivas não esclarecem as pessoas. Pelo contrário, só pioram as coisas, e os meios de comunicação social, em especial os de carácter audiovisual, têm que assumir a sua responsabilidade cívica decorrente dos exageros que por vezes cometem. Não podem lavar as mãos como Pilatos.   

Em quarto lugar, substituir o ministro da Administração Interna que já revelou a sua incompetência à frente desta pasta, embora tenha sido reconhecidamente um bom autarca, durante dez anos, à frente dos destinos da segunda maior cidade de Portugal. As fidelidades, reconhecimento e interesses político-partidários não são nada em comparação com os desígnios do país.

Senhor primeiro-ministro, a bola está do seu lado.