Setúbal na Rede – Onde é que estava no dia 1 de Agosto de 1975?
Cândida Santos – Nesse dia estava numa reunião em Setúbal, com diversas organizações, entre elas as de moradores e de trabalhadores, no sentido de criar um corpo dirigente para melhor coordenar as acções das diversas comissões. A ideia era promover um bom entendimento, porque haviam diversas linhas de actuação entre as comissões de moradores, estando já algumas já integradas no projecto SAAL, e também entre as comissões de trabalhadores.
Mais que uma organização política, este grupo, que veio a chamar-se COPS/Comité dos Organismos Populares de Setúbal, pretendia coordenar as acções e promover uma boa gestão dos meios. E apesar das diversas tendências ideológicas presentes, havia também a intenção de criar a unidade na acção política contra a reacção.
SR – A decisão fazia sentido nessa altura?
CS – Sim, estávamos em pleno Verão Quente e já se fazia sentir alguma reacção àquela força. E houve uma grande concertação entre as diversas tendências ideológicas nesse sentido. Essa necessidade de juntar esforços surgiu precisamente do facto de termos percebido que estávamos todos a trabalhar com o mesmos objectivos mas às vezes em direcções chocantes.
Por isso entendemos que seria mais fácil negociar com as entidades públicas o que necessitávamos, como era o caso dos financiamentos, se estivéssemos unidos num único organismo.
SR – A ideia de criar o COPS foi bem vista por todos os grupos convidados?
CS – Inicialmente houve dúvidas mas a ideia acabou por ser aceite pelos grupos. Estamos a falar de comissões de moradores com pessoas da chamada extrema esquerda e do PCP, mas a grande maioria das pessoas não estava ligada a ideologias e queria era resolver os seus problemas concretos. Daí ter sido feita esta aglutinação das forças populares e o que aconteceu é que as forças políticas passaram a andar a reboque destes movimentos populares.
SR – Nessa altura as comissões de moradores não eram partidarizadas?
CS – Havia pessoas de diversos partidos a desempenhar várias funções, mas isso não fazia com que as comissões fossem partidarizadas. Depois, quando foi criado o COPS, as comissões escolhiam dois entre os quatro ou cinco elementos de que dispunham para se fazerem representar neste organismo.
E escolhiam os que tinham maior capacidade de argumentação, mais experiência e, logo, mais formação política. Mas mesmo as que tinham formação política preocupavam-se mais em fazer trabalho em prol do seu bairro e essa era uma das grandes características deste movimento.
SR – Sabe-se que a primeira reunião não terá sido muito participativa. Houve resultados concretos?
CS – Não me recordo dos pontos da discussão, mas é normal que numa primeira reunião não se consiga discutir tudo e chegar a um consenso. A primeira reunião pode não ter sido muito gratificante em termos de resultados concretos mas soube-se o mais importante, ou seja, que havia a necessidade real da criação do Comité.
Essa necessidade revelou-se particularmente junto das comissões de moradores que tinham objectivos muito concretos. Tudo isso acabou por arrastar as outras organizações. Este Comité frutificou junto dos bairros e até certo ponto junto das empresas, através das comissões de trabalhadores.
SR – Foi este grupo que deu origem ao Comité de Luta de Setúbal?
CS – Sim, daqui nasceu o Comité de Luta com alguns dos objectivos anteriores e também com o intuito de poder político. Lembro-me que a certa altura as pessoas da agricultura não conseguiam fazer escoar os seus produtos e o que se fez foi a conhecida ligação cidade/campo. E esta ligação acaba por ser uma das vertentes da linha política de transformação.
SR – Como é que se deu essa ligação entre a cidade e o campo?
CS – Os moradores organizavam-se, as empresas ajudavam com os meios de transporte e íamos buscar os produtos directamente às cooperativas para os vendermos na cidade. Assim, as cooperativas ganhavam mais porque deixaram de existir intermediários. Naquela época todo o sistema capitalista de distribuição estava abalado e, por outro lado, havia uma intenção bem visível do sistema capitalista, de sufocar o desenvolvimento económico das cooperativas.
Nós avançámos muito com esta acção, de tal maneira que as cooperativas conseguiram obter um bom ‘balão de oxigénio’ e assegurarem a sobrevivência nessa fase. Naquela altura, havia o mesmo problema com as conserveiras, que começam a desaparecer, e ocorreram problemas com o desenvolvimento das empresas em geral, que se diz ter sido propositado, e muitas delas passaram a viver em auto-gestão.
E com os trabalhadores a terem de produzir e gerir uma empresa, é obvio que deixa apenas de estar em causa a vertente económica e passa a ser um processo político. As coisas eram tão complicadas que chegou um momento em que o próprio poder local, para sobreviver, teve de atender às reivindicações e aos objectivos do Comité de Luta.
SR – Para além da ligação cidade/campo, que outras acções foram desenvolvidas pelo Comité de Luta?
CS – A ligação cidade/campo foi talvez o processo mais completo que desenvolvemos em Setúbal pois ouve uma interacção total entre os trabalhadores, os moradores e as empresas. Tivemos várias outras intervenções em problemas concretos na cidade, como foi o caso da ocupação de um colégio.
O grupo que foi falar com o COPCON tinha elementos do Comité de Luta. Como representantes dos anseios da população, uma das funções que nos cabia era intervir e ajudar na resolução dos problemas dos moradores e dos trabalhadores de Setúbal.
SR – Entendia o Comité de Luta como mais representativo que a Comissão Administrativa da Câmara?
CS – Globalmente sim. O Comité foi parcialmente eleito e a Comissão Administrativa foi nomeada, as pessoas reviam-se no Comité de Luta e a própria Câmara sabia disso. De tal maneira que existia uma boa colaboração entre as duas partes. Isto apesar da Câmara ter essencialmente pessoas do PCP e do MDP.
Mas a nossa ligação com a Câmara era muito mais ao nível administrativo e aí, mais uma vez se viu que as forças políticas foram para onde as populações as levou. Foi também o caso dos problemas verificados nos bairros, e a maioria deles tinha imensos problemas a diversos níveis.
SR – O que é que levou à integração de soldados no secretariado do Comité de Luta?
CS – Isso foi a concretização dos objectivos que tínhamos proposto ao longo das reuniões, de integrar elementos do MFA na luta das populações. Tal como os SUV/Soldados Unidos Venceremos, resultou de uma grande movimentação dos próprios soldados com o objectivo de desenvolverem o programa do MFA dentro dos próprios quartéis.
SR – Com o 25 de Novembro, o que é que aconteceu ao Comité de Luta?
CS – As pessoas foram-se desmobilizando e a certa altura as cúpulas quase perderam o contacto com as bases. Penso que em termos de estrutura estávamos preparados para o 25 de Novembro mas no que diz respeito à ligação com as bases parece que não havia essa preparação. O que aconteceu foi que o Comité de Luta desapareceu, contudo as pessoas mais conhecidas e mais respeitadas mantiveram-se unidas ao longo do tempo.