[ Edição Nº 137 ] – “O Diário de Lina” – parte XXXIII.

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“O Diário de Lina” – parte XXXIII (por Fernando Cameira)
Produção de Arte Dabliu, Produtos Culturais, Lda.

Querido Diário:

Tal como tinha planeado, convidei o Pedro para um jantar especial. A minha intenção era dar-lhe uma lição, fazê-lo ver que nem sempre “a galinha da vizinha é mais gorda que a minha” ou dizer-lhe subtilmente “não procures prata na rua se tens ouro em casa”.

Como parte do meu plano comecei por me artilhar como convém para uma noite de sedução e sensualidade de alto nível.

Dirigi-me à Baixa, às melhores lojas de lingerie de Setúbal. Eu não queria nada simples, mas também não queria aquele “especial-vulgar”… sim, porque quero ser uma mulher moderna  e  sofisticada que sabe como arrasar sem ser ordinária.

Como resultado trouxe vários conjuntos que me custaram os olhos da cara (olhos, nariz, orelhas… tal foi o gasto). Quem diria que tão pouco tecido pode custar tanto dinheiro.

Caso aquele jornalista maluco me venha a publicar esta página do diário informo as minhas possíveis leitoras e os leitores que queiram impressionar as suas amantes… que a marca é “A Pérolazinha” (Atenção: não se trata de publicidade paga).

Comprei, então:

Um body preto em renda de seda, bem cavado, que faz um “busto” super sexy;  tem como complemento umas meias pretas com uma tira de renda igual ao body, e que usei com aquele vestido preto com uma racha de 90cm e bastante decotado.

Um conjunto branco de underbra e fio dental (com rendinha á frente) com um cinto de ligas e umas meias brancas, tudo com a mesma renda, que vai ser utilizado para uma segunda sessão.

Umas cuequinhas “bordeaux” bem cavadas de cetim e renda transparente, para uma terceira sessão.

Depois arranjei maneira de ficarmos sós em casa da Sónia. Para isso fiz a cabeça ao Sandro dizendo-lhe, entre outras coisas e usando toda a minha capacidade de representação dramática, que ele tinha que me esquecer de vez, que se dedicasse de novo à Sónia antes que ela o esquecesse, que não valia a pena estragar um amor tão bonito como o deles (blargh)  por uma mera ilusão de momentos, como a nossa. O Sandro, de lágrimas nos olhos, beijou-me na testa e disse-me que ia oferecer uma noite inesquecível à Sónia e que nunca mais lhe iria ser infiel.

Pois, pois – pensei eu – acredito, não sei é se ela fará o mesmo. E lá foi ele perfeitamente encharcado em amor e água de colónia, comprar as flores da praxe. Eu fiquei com o apartamento livre como pretendia, para receber o PêPê, o meu Pedrinho, com quem ainda não decidi bem o que quero fazer no futuro: tê-lo como namorado até encontrar alguém especial, tê-lo como marido institucional, como amante extra-conjugal ou como amigo e amante de ocasião. Ainda não sei. Depende dos efeitos que sobre ele vier a exercer esta  tal noite de que te vou falar agora.

Foi na terça-feira. Eu preparei, com tempo, um ambiente todo especial e uma mesa também muito afrodisíaca. Fui ao “Pega&Paga” e comprei umas comidas exóticas já feitas, que é só aquecer no micro-ondas: dois pratos indianos, Xec-Xec de Caranguejo e Caril de Frango e um prato brasileiro, Bó-Bó de Camarão. Era tudo muito picante, com convém nestas coisas mas, pelo sim pelo não, ainda lhe carreguei, em casa, com piri-piri. Para sobremesa comprei Papos-de-Anjo e Barriga de Freira, doces bem doces.

Coloquei a toalha de mesa vermelho-escuro e uns guardanapos brancos de papel com o desenho de labios rubros a beijar, próprios para estas refeições. Como a idiota da Sónia não tem castiçais em casa tive que ir a uma loja comprar 20 tacinhas de vidro colorido com uma velinha dentro para espalhar pela casa. Parecia uma igreja. Até me fazia impressão quando estava sozinha, antes de o Pedro chegar. Por isso lembrei-me de ligar a música e escolhi um cd para tocar repetidamente. Ao passar revista vi o “Les uns et les autres” e lembrei-me logo daquela cena do bailarino a dançar o Bolero de Ravel, tão sensual (ele e o Bolero)! Como eu queria que tudo contribuísse para deixar o Pedro desperto para os sentidos pensei também nos cheiros. A comida exótica iria cumprir a sua parte quando os aromas das especiarias se começassem a espalhar pela casa mas, mesmo assim, ainda coloquei uns pauzinhos de incenso a arder e espalhei pelo chão inúmeras gotas de todas as marcas dos perfumes que encontrei. Esta mistura de diferentes odores começou por me fazer uma certa dor de cabeça e enjoo mas passado esse efeito inicial veio uma sensação de indefinida estranheza, óptima para a mente se lançar em divagações. É só uma questão de se saber conduzir as coisas.

Por fim espalhei, pela mesinha, umas revistas da Cosmopolitan e da Máxima, para que aqueles títulos tão insinuantes ficassem à vista. Sim, porque não sei se já reparaste, querido diário, que literatura erótica já não é a Playboy. Agora são as revistas femininas, com títulos como: “Fim de um Tabu – O Sexo Oral não é Pecado”, “Sexo Ocasional – Como lidar com ele” e até  “Triângulos amorosos”. Como último toque coloquei o tal livro do Kama Sutra junto à aparelhagem de música.

Quando pude sentar-me no sofá para observar o ambiente, servi um copázio de whisky para me desinibir. Ainda tossi um bocado e sujei uma das revistas mas nada de grave.

Às nove e pouco chegou então o meu… companheiro. Abri-lhe a porta e foi mais que óbvio o impacto do tal vestido quando ele pousou os olhos em mim. Digo “poisou” porque eu até sentia o peso dos olhos na minha pele, percorrendo-me de alto a baixo e de baixo a alto.

– Então? Não entras? Estás com medo, baby? – perguntei-lhe com uma voz meio rouca e sensual, que quase me deu vontade de tossir ao sentir a garganta a arranhar.

Puxei-o pela mão e ele veio, meio zombie, muito direito e mudo, sempre a olhar-me para a racha do vestido e para o busto. Por fim lá balbuciou:

– Pareces a gaja do Roger Rabit, pá! O que é que te deu, garota?

Reparei nesta forma grosseira como ele se referiu a mim. Quase senti vontade de o virar cento e oitenta graus e mandá-lo porta fora. Mas lá me contive. Inspirei fundo… e continuei com a representação.

Não vou aqui descrever todo aquele maravilhoso jantar, apenas não mais maravilhoso por de vez em quando me lembrar qual a razão de ser do mesmo: provar-lhe que eu era melhor que a Sónia. Seria super-maravilhoso se não tivesse essa mulher associada. Mas não há dúvida que desde o primeiro minuto tive o Pedro inteirinho, enroscadinho, na palma da minha mão. Parecia um menino deslumbrado. Eu sabia que ele, como quase todos os homens, não estão habituados a estes rituais, nem precisam deles. Para os machos é toma lá dá cá e os preparativos são coisas de filmes. Mas quando uma mulher lhes prepara algo assim… eles ficam conquistados, ficam hipnotizados.

Durante o jantar fui sempre conduzindo a conversa para as coisas do amor, do corpo, do desejo. Quando se tratava de exemplos, ele ia quase sempre buscar cenas de filmes pornográficos, coitado. A sua sensibilidade não dá para mais. Mas o que interessa é que resultou. Comemos, bebemos, tomámos o digestivo, trocámos caricias e piropos… Momentos depois estávamos já meio despidos e quando ele faz menção de se deitar sobre mim, eu disse-lhe que queria que ele usasse aquilo… a camisinha.

Ele ficou um tanto apardalado. Os homens detestam que algo interrompa o seu curso normal e rápido do desejo.

Mas porquê isso agora, querida? Nunca foi preciso!

Não sei se me és fiel e, de qualquer modo, ainda não fizemos exames médicos. É uma questão de segurança. Mais vale prevenir que remediar – disparei, com malícia, para lhe instaurar a dúvida sobre se eu saberia do seu “affair” com a minha amiga.

Voltou segundos depois e quando, de novo, se debruçava sobre mim arfando, pus-lhe as mãos à frente do peito e disse-lhe, meigamente:

Gostava de experimentar o Kama Sutra na prática.

Oh, Lina! Tu hoje não sossegas! Mas isso do Kama Sutra não é um livro pornográfico dos chineses com posições que ninguém faz?

Ignorei os disparates e respondi:

Por não fazerem é que as pessoas não sabem o que perdem… não são assim tão complicadas como isso.

– Espera lá, espera lá! Mas como é que sabes? Já experimentaste?

Claro que não, querido, mas vi as figuras. E quero experimentar contigo, agora. Vamos fazer “a mochila”?

–  Caramba! Mas para onde? De repente lembraste-te das férias?

Eu estava mesmo à espera de algo assim.

Não querido, eu mostro-te. Olha…

E coloquei-me de acordo com o manual. O efeito foi imediato. Veio para mim com a respiração acelerada e foi então que lhe desferi o golpe esperado:

Espera, Pedro. Lembrei-me agora que a Sónia me disse que tu não gostas de o fazer assim.

O Pedro ficou mudo. Senti as mãos dele imobilizadas nos meus quadris e afrouxando a pressão. Durante não sei quanto tempo pesou o silêncio e eu aproveitei para me vestir enquanto ele permanecia naquela figura ridícula como uma estátua e de olhos baixos. Ele percebera que eu sabia. Não adiantava mentir.

Só que hoje não sei se ela te pode ajudar, pois o Sandro decidiu reconquistá-la e como ainda não regressou a casa, deve estar a resultar, ah ah ah ah!

A minha gargalhada de puro gozo deve-lhe ter soado como uma bofetada. Enquanto eu começava a levantar a mesa, ignorando a sua presença, ele vestiu-se, sem nada dizer e dirigiu-se para a porta de saída. Antes de bater com ela só ouvi:

Obrigado pelo jantar.

E agora, querido Diário, vamos ver qual o efeito.

Lina

(Continua)