[ Edição Nº 139 ] – Carlos Silva Santos, delegado regional de saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

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Setúbal na Rede
Quais foram as razões que o levaram a interditar a praia de Albarquel até ao final da época balnear?

Carlos Silva Santos – Esta decisão baseia-se numa análise histórica, e também deste ano, dos resultados da qualidade microbiológica de contaminação fecal das águas que banham a Albarquel. Assim, aplicámos a legislação criada em 1998 que permite interditar a banhos uma praia cujas águas apresentam uma história de poluição de cinco anos.

SRSe as próximas análises derem resultados positivos, a interdição mantém-se?

CSS – A interdição é baseada num processo probabilístico. Fazemos nove análises por ano e se 60% forem más, o conjunto ainda é razoável. Vamos continuar a observar a praia, mas para as suas águas melhorarem, o número de análises negativas tem de ser reduzido. E este ano já tivemos muitas análises negativas. A tolerância para análises negativas é de uma a duas por ano, de acordo com os critérios definidos.

SRSe quando se iniciou a presente época balnear já sabia que as águas da Albarquel não eram as melhores, porque é que decidiu interditá-la a meio do Verão?

CSS – A Albarquel piorou porque, sendo poluída pelas águas domésticas da cidade de Setúbal, tudo depende da dispersão da poluição. E o que é verdade é que só este ano aplicámos este critério. De acordo com os valores que temos, o Verão começou relativamente bem mas foi piorando. Isto tem a ver com as marés, com a diluição da poluição. Em cada ano a Albarquel tem tido análises boas mas, no total, a maioria são más. Portanto, o conjunto é mau.

SRNão teria sido preferível interditar antes do início da época balnear?

CSS – Pelo passado histórico das águas desta praia, poderíamos tê-lo feito já no ano passado. No início as análises nem eram das piores, contudo foram piorando ao longo do tempo e foi no período crítico do uso da praia que elas se tornaram piores. Esta é uma interdição de saúde pública, não de polícia, e a palavra nem devia ser essa porque na realidade trata-se de uma recomendação de que a probabilidade de contrair doenças naquela praia é não tolerável. Ou seja, há riscos toleráveis e não toleráveis.

Por exemplo, o caso rodoviário: sabemos que se as viaturas andassem entre 20 a 30 km por hora provavelmente não haveriam mortos nas estradas. Permitiu-se os 90 km por hora e toda a gente sabe que vai morrer um determinado número de pessoas. Ou seja, politicamente foi decidido que era aceitável um determinado número de mortos e não um outro número. Neste momento, nas praias portuguesas, e de acordo com a União Europeia, há um certo risco tolerável.

Nós usamos a contaminação fecal como critério de qualidade da água, sendo que na água para beber não se permite a presença dessas bactérias e para a água de praia já há uma certa tolerância. E para ser uma água boa há uma tolerância entre quinhentas e dez mil bactérias por amostras. Portanto, nas praias não tomamos banho em água pura. Elas já têm contaminação fecal, contudo aqueles são valores toleráveis. Estes são os critérios que nos levam a dizer que a água tem qualidade boa, aceitável ou má.

Depois, usamos um outro critério para dizer que a praia é boa o ano todo quando 80% dos resultados são inferiores ao valor recomendado para os parâmetros de coliformes fecais. A qualidade é aceitável quando 95% dos resultados são inferiores ao valor recomendado e de má qualidade quando 5% dos resultados são superiores, ou seja, se um resultado for superior a dez mil coliformes fecais por cem mililitros de água, a praia tem água de má qualidade nesse ano. E a Albarquel está nesta situação, pois tem mais que uma análise com estes números.

SREntão, não pode dizer-se que tenha havido um excesso de zelo ou uma atitude mais radical por parte da Delegação Regional de Saúde?

CSS – Não houve excesso de zelo, pois o que foi feito foi de acordo com a legislação e com a orientação da Direcção Geral do Ambiente. Esta praia estava na lista das que tinham de ser olhadas atentamente. Desta lista faz ainda parte a praia da Califórnia, em Sesimbra, e a praia da Areia Branca, na Lourinhã.

Acontece que estas duas praias têm-se aguentado com bons resultados e, por isso, não foram penalizadas com a interdição. É verdade que a decisão de interditar as águas das praias é sempre muito complicada, mas a não decisão também o é porque mexe com a saúde das pessoas.

SRComo é que vê os protestos do concessionário da praia contra a interdição, alegando a existência de análises aceitáveis?

CSS – Compreendo a situação porque o concessionário desconhece a leitura correcta e os critérios que a sustentam. E aí, só posso atribuir a culpa a quem não explicou e tem a obrigação de o fazer, que é a Direcção Regional de Ambiente e as autoridades marítimas. Sei, por exemplo, que na Albarquel ainda estão afixadas as análises de Junho, pelo que as outras que se seguiram não chegaram a ser afixadas.

É um facto que a informação não foi suficiente mas o que garanto é que aquela praia assumia já um risco importantíssimo. É evidente que o concessionário pode argumentar que investiu, mas o que é também verdade é que o investimento a montante não foi feito. E neste momento, não vemos que possa vir a ter melhorias.

Isso passa pelo tratamento dos esgotos, nomeadamente pela entrada em funcionamento da ETAR/ Estação de Tratamento de Águas Residuais. São conhecidas as fontes de contaminação e vamos discutir o assunto com as entidades responsáveis para saber que medidas vão tomar com vista à próxima época balnear.

SRO concessionário diz ainda que, para a Albarquel apresentar números negativos, tal teria de acontecer também com a Figueirinha, que fica mais à frente. Esta ideia é correcta? 

CSS – A praia de Figueirinha tem tido bons resultados desde o início do Verão, e Galapos é a mesma coisa. Estas duas praias já tiveram problemas mas agora melhoraram e a contaminação  é tão pequena que estamos quase a falar de água de beber. Em Tróia, a qualidade das águas também não é preocupante, enquanto na praia do Outão, junto ao hospital, os números sobem um pouco mais.

Na praia do parque de campismo, temos de fazer uma análise indicativa extraordinária porque inicialmente não entrava no nosso programa de vigilância. Desconfiamos da qualidade das águas da praia do parque de campismo Toca do Pai Lopes e temos até a informação de que está a ser frequentado por muita gente.

SRA Delegação de Saúde também se preocupa com a área envolvente à praia?

CSS – Sim, no caso de Albarquel até lhe damos uma boa classificação. Temos vários parâmetros que vão desde o estacionamento, ao acesso por mar, passando por abastecimento de água potável, pela recolha de resíduos sólidos, limpeza das areias, vigilância e sinalização do estado do mar, pela facilidade dos acessos e pelas instalações sanitárias.

SREmbora as águas estejam interditas, há gente que ainda lá toma banho. Que riscos correm estes veraneantes?

CSS – Os riscos são significativos e com os valores que ela apresenta há riscos de infecções, de lesões de pele, de problemas intestinais, otites e rinites.

SRAcredita na eficácia de uma bandeira vermelha hasteada na praia?

CSS – Não defendemos muito a utilização deste sistema informativo porque isso é uma confusão. As pessoas conhecem a bandeira vermelha por indicar que não se pode tomar banho  porque o mar está revolto ou tem correntes fortes. Portanto, somos a favor da criação de uma sinalética própria para a interdição das águas. Poderia indicar-se que a água é não recomendada e ter mais informação ao utilizador.  

Não tanto a obrigatoriedade de afixar os resultados dentro da praia, mas sim à entrada para que as pessoas vejam. Por outro lado, há que alertar mais as entidades porque o que me parece é que, este ano, quem tem feito mais este trabalho de divulgação e esclarecimento tem sido a comunicação social de Setúbal. Admito que a informação é insuficiente e temos de encontrar uma melhor por forma a que as pessoas não fiquem confusas com a sinalética que existe. Para além disso, essa informação tem de estar visível antes de chegar à praia e não lá dentro. A bandeira tem de estar antes para indicar às pessoas que aquela é uma não praia.

SREm Setúbal há algumas não praias, como é o caso da Mitrena que tem vindo a ser cada vez mais frequentada. Que risco correm os utilizadores deste tipo de espaço?

CSS – Estou a tomar conhecimento disso agora, pois ainda não tínhamos sido avisados de tal facto relativamente à Mitrena. Tanto assim que não está nos nossos registos como uma zona de praia. Agora que tomei conhecimento vamos de imediato fazer análises indicativas, tal como acontece relativamente à Toca do Pai Lopes. 

SRAté onde vai o poder da Delegação Regional de Saúde para a interdição das praias?

CSS – Definimos se a praia tem ou não condições e comunicamos isso à Direcção Geral do Ambiente e à respectiva zona marítima. A componente de levar à prática esta medida é destas duas entidades. Isto tem a ver com o nosso processo de atribuição de competências, pois nós colhemos as amostras, fazemos as análises e, quinzenalmente, damos os valores à Direcção Geral do Ambiente que, por sua vez, tem a incumbência de os divulgar.

Nas praias há dois tipos de trabalho a fazer: um é a monitorização que significa tirar amostras com regularidade, outro é fazer a vigilância sanitária, ou seja, quando há problema nós vamos lá e fazemos as chamadas análises de vigilância. Teoricamente, esta tarefa é atribuída ao Ambiente mas como eles não têm meios ficámos nós a fazê-lo.

SRFaz sentido a Delegação de Saúde desempenhar funções que dizem respeito à área do Ambiente?

CSS – Não acho mal que sejamos nós a verificar a conformidade e a fazer a vigilância. Ou seja, a vigilância da saúde pública é sempre nossa porque se trata de um critério de saúde e não de ambiente. Agora verificar a conformidade, que é ver os resultados por uma tabela, qualquer um pode fazer. E isso poderia ser feito pelo Ambiente. Eu acho que podemos continuar a fazê-lo mas não desta forma, ou seja, uns recebem o dinheiro e nós recebemos o trabalho. Por isso, achamos que muito do dinheiro que vai para o Ambiente podia ser-nos entregue.

Por outro lado, na área da vigilância das praias interiores, o Ambiente garantiu essa tarefa. Assim, eles colhem a água, nós fazemos as análises e elas são pagas. Nas outras, é tradição sermos nós pois fomos nós que lançámos a campanha de vigilância de praias. A nossa preocupação é a saúde pública e não estar na lei não é motivo para parar. Por exemplo, não existe legislação para a água das piscinas e nós vigiamos a qualidade da água das piscinas da Região de Lisboa e Vale do Tejo.

Mas acerca disso não foi dada qualquer nota. Assim, como dominamos os parâmetros desta questão vamos dando as informações e instruções para a melhoria da água. E tentamos divulgar as coisas, inclusivamente junto das crianças e dos adultos que urinam na água das piscinas. É evidente que a água de Albarquel melhorava se os esgotos de Setúbal fossem tratados ou até mesmo se fossem encaminhados para outro lado. Um desvio, como um emissário submarino, faz uma grande diferença.  

SRSe já se sabia disso, porque é que essas alternativas nunca foram discutidas com a Câmara?

CSS – Nós representamos o Centro Regional de Saúde Pública, que está em instalação. Estamos agora a ter aparelhos de análise mais sofisticados e só neste momento é que estamos a aprofundar esta área. Mesmo assim, começámos este ano o contacto com as câmaras a quem, por sua vez, nunca foi dada a responsabilidade nestas áreas.

E as câmaras, só lentamente e por interesses sociais e económicos, é que se interessam pelas praias. Hoje as câmaras sabem que as praias são uma fonte de riqueza e por isso aparecem como as entidades mais sensíveis a esta questão. Contudo não são as proprietárias, caso o fossem pedíamo-lhes responsabilidades. Estas praias são do domínio público marítimo.      

SRO facto das diversas competências pertencerem a entidades diferentes complica o processo de aplicação de medidas para a saúde pública nas praias?

CSS – A estrutura complica muito este processo. Esta é uma questão política porque há muitas entidades a mandarem nas praias e até hoje ainda não se clarificou quem é, de facto, o dono da praia. E isso poderia clarificar muito as coisas e responsabilizar pelas situações a entidade dona da praia utilizada para determinados fins. E parece-me que as entidades que mais se aproximam disso são as câmaras.

Poderiam ficar responsáveis pela gestão e uso das praias, independentemente dos outros poderes, até porque podem licenciar restaurantes e os serviços de apoio e porque são elas que podem instalar a água potável, que tratam dos esgotos e até da limpeza das areias. E se formos às praias de Espanha, todas têm água potável e sanitários. Aqui, as pessoas vão urinar dentro de água porque sabem que não há sanitários públicos em condições na praia.

E isto é a praia do futuro, se queremos apostar na qualidade. Nestes aspectos precisamos muito de melhorar e quem está em melhor posição para investir são as câmaras municipais. Albarquel é uma praia exemplar neste aspecto, porque nos últimos anos aumentou a procura e a falta de condições não podia passar em branco.  

SRSendo a primeira vez que  se toma uma medida de interdição, Albarquel é como que um exemplo do que pode vir a acontecer a outras praias?

CSS – As outras duas que estão na lista continuam em vigilância, mas esta era impossível de passar. Vamos reunir com as respectivas câmaras e algumas estão já a fazer melhorias. Vamos também reunir com Setúbal e ver as medidas que podem ser tomadas para melhorar as condições da água daquela praia. Aproveitamos para falar também sobre a Toca do Pai Lopes, que até agora é uma não praia, pois nem vigilância tem.

Temos outras não praias, como as do  Barreiro e de Alcochete, que apesar disso não deixam de ser frequentadas. Por isso vamos reunir com as câmaras e dizer-lhes que as coisas vão continuar assim até que hajam mudanças concretas. E no Barreiro há praias que são autênticos esgotos, por isso era necessário criar condições para não permitir às pessoas a utilização daquelas zonas.

SRNo caso da Albarquel, estará em causa a época balnear de 2001?

CSS – Não sei dizer, mas sei que existem algumas terapêuticas para ajudar. Vamos chamar o Ambiente e ver o que se pode fazer. Sabemos que a ETAR de Setúbal pode entrar em funcionamento no final do próximo ano, portanto a próxima época balnear pode ser posta em causa pois,  ou se melhoram as coisas ou não há milagres. Até pensávamos que o problema estava no rio Sado todo, mas o que descobrimos é que as outras áreas urbanas mais a montante têm tratamento de esgotos.