[ Dia 06-09-2001 ] – Albérico Afonso, candidato BE a Setúbal.

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Setúbal na Rede – Quais são as razões da sua candidatura pelo Bloco de Esquerda?

Albérico Afonso – Penso dar um contributo cívico para a apresentação e discussão de um conjunto de soluções para resolver os principais problemas de Setúbal. O que me move é a defesa de um conjunto de princípios que têm a ver com os valores da esquerda. A marca da candidatura que protagonizo são os valores da solidariedade, da igualdade e do interesse colectivo. São valores que, nesta época de globalização, cada vez mais estão em desuso, mas que, para nós, são cada vez mais fundamentais.

SR – Muitos desses princípios também são referidos pelo PCP. Em que é que a sua candidatura diverge da candidatura da CDU?

AA – É verdade que há um conjunto de princípios que deveriam ser património da esquerda. Mas o que acontece é que esses valores são cada vez menos defendidos pelo PCP. Podia dizer que a candidatura protagonizada pelo PCP à Câmara de Setúbal é uma espécie de garrafa velha com um rótulo novo. Há, de facto, um discurso com essa marca de esquerda mas apenas em termos meramente retóricos porque, na prática, há quase uma aproximação a algumas das sereias neo-liberais. Não se trata de uma mesma política, trata-se de políticas diferentes e, fundamentalmente, de uma determinação muito grande em cumprir um conjunto de objectivos desta candidatura.

SR – Como é que comenta as outras candidaturas?

AA – Todas as formas de participação nestas eleições são benéficas. Vejo como muito interessante a experiência da candidatura independente porque a política não pode nem deve esgotar-se nos partidos políticos. É a contribuição de um conjunto de cidadãos que não se reconhecem nos partidos políticos existentes e, por isso, irá trazer um valor acrescentado à vida democrática em Setúbal. Estou convencido de que a sociedade setubalense vai responder a este desafio e cabe aos candidatos fazer passar a mensagem que não seja um conjunto de princípios vagos, mas sim um conjunto de propostas para resolver os problemas da população de Setúbal. Assim, a responsabilidade dos resultados da participação democrática dos cidadãos deve ser atribuída aos partidos e aos candidatos e nunca aos eleitores.

Em relação à candidatura de Mata Cáceres, penso que está muito desgastada por 16 anos de gestão autárquica completamente caótica. Por isso, acredito que nestas eleições ele irá pagar por um conjunto de insensibilidades de natureza social, ambiental e cultural que tem demonstrado ao longo dos sucessivos mandatos.

Não podemos dar grande credibilidade à candidatura da coligação PSD/PP porque, enquanto vereador, Duarte Machado tem sido um dos principais responsáveis pela aprovação das medidas de Mata Cáceres. Não aparece com as mãos limpas nesta candidatura porque é parte do problema e não a solução.    

SR – Sendo esta a primeira vez que o BE concorre às autárquicas, que resultados espera nas próximas eleições?

AA – Espero que o BE seja um espaço político incontornável em Setúbal. Temos uma palavra a dizer, seja na Assembleia Municipal seja na Câmara. Queremos ter uma palavra determinante sobre as políticas que vão ser definidas para Setúbal nos próximos anos. Acredito que vou ser eleito vereador e esse é o nosso grande objectivo. Os partidos não são donos dos votos dos eleitores e os setubalenses vão saber avaliar e reconhecer que, de um lado temos um conjunto de partidos com afinidades entre si, nomeadamente na defesa de uma cidade de betão, e do outro existe um conjunto de valores que querem um modelo de desenvolvimento diferente para Setúbal.

Estou descansado porque acredito que essa avaliação que os eleitores irão fazer, permitirá ao BE estar, pela primeira vez, representado na Câmara. Com a mesma postura que têm tido os nossos deputados na Assembleia da República. Eu pergunto qual tem sido a utilidade da maioria dos deputados da Assembleia Municipal ou de muitos dos vereadores da Câmara de Setúbal. Na maior parte dos casos, têm tido um papel extremamente passivo. Essa não será a posição dos eleitos do BE, que são pessoas com grandes qualidades quer do ponto de vista científico quer do ponto de vista da sua militância como dirigentes associativos desta cidade. São pessoas que têm reflectido Setúbal e isso dá-lhes a autoridade moral. É uma autoridade de quem tem as mãos limpas para iniciar um trabalho e uma nova geração de políticas autárquicas.

SR – Qual vai ser o principal adversário do BE, nestas eleições?

AA – Somos da família política da esquerda, pelo que o nosso principal opositor é a direita. Mas, infelizmente, vemos que há um grande grau de aproximação entre as outras candidaturas de esquerda e a candidatura de direita. Iremos apresentar-nos aos eleitores sabendo que nenhum setubalense é tutelado, do ponto de vista mental, pelos partidos. Para além disso, acredito que todas as pessoas que nunca votaram ou que habitualmente não votam nestas eleições podem reconhecer no BE uma candidatura diferente. Não teremos uma política demagógica, como muitas vezes tem acontecido, nomeadamente em relação aos jovens. Vamos dirigir-nos directamente a eles, reconhecendo que a nossa candidatura também é jovem, para discutir e encontrar soluções para os principais problemas com que se debatem neste centro urbano violento e descaracterizado. Os jovens são muito sensíveis às nossas propostas e, por isso, acho que será um universo eleitoral que nos dará um grande apoio nestas eleições.

SR – Como é que será feita a preparação para as próximas autárquicas?

AA – Temos de nos valer da clareza das propostas políticas que apresentamos e da experiência que cada um de nós tem e queremos ter um diálogo aberto com as pessoas sobre as nossas propostas, tornando-as muito claras. E a clareza dessas propostas tem a ver com os temas que seleccionámos para esta campanha, e que representam os maiores problemas com que a população de Setúbal se debate. Ao nível financeiro, não temos os meios de que os outros candidatos dispõem. E isso pode ser visto agora, pois a cidade já está cheia de cartazes e placares com as caras dos outros candidatos. Isso tem sido feito com milhares de contos e o BE não os tem. Mas penso que não será necessário mostrar esse luxo asiático e esse esbanjamento que são as fotografias policromáticas, quando existem problemas muito grandes. Mas com isto não pretendemos esconder as nossas dificuldades ao nível financeiro. Queremos fazer uma campanha digna e mostrar as nossas propostas políticas e, para isso, vamos socorrer-nos de alguma imaginação, dos contributos pessoais dos diferentes candidatos e do apoio que nos tem sido manifestado por vários sectores. Por exemplo, vários artistas plásticos disponibilizaram já algumas das suas obras de arte como forma de apoio a esta candidatura. Naturalmente que não serão os milhares de contos dos construtores civis, mas esse tipo de apoio nós não queremos.

SR – Com todos os outros candidatos a fazerem pré-campanha, com cartazes e placares há já cerca de um mês, o BE não corre o risco de ser ultrapassado?

AA – Quando as fotografias dos outros candidatos foram para as paredes, já nós tínhamos um longo percurso. Construímos a equipa, falámos com centenas de pessoas para elaborarmos o nosso manifesto e o nosso programa político. Não é o resultado de um grupo de pessoas que se fechou num gabinete para o elaborar, mas sim o resultado de muito tempo de reuniões com as pessoas, arquitectos, engenheiros e dirigentes associativos que têm um profundo conhecimento da realidade de Setúbal. Teria sido muito mais simples pegar em alguns slogans e espalhá-los pela cidade, tal como têm feito os outros candidatos, mas isso não tem nada a ver com a nossa forma de trabalhar e seria bastante ineficaz tendo em conta os objectivos que perseguimos. O objectivo não é vender a cara do candidato do BE mas sim fazer passar um projecto político de intervenção e a longo prazo. Aproveito para fazer um apelo aos outros candidatos, no sentido de não mostrarem tanta estravagância e de não promoverem o esbanjamento de dinheiros que são públicos. Seria muito mais interessante que centrássemos as nossas diferenças na discussão e no debate calmo e sereno.

SR – Se for eleito vereador, como é que lidará com o executivo e com a restante oposição?

AA – Garanto que a minha presença far-se-á sentir mais do que a presença dos actuais vereadores da oposição. Estarei atento ao cumprimento das promessas que os outros candidatos agora fazem, e que acho que estão em contradição com práticas anteriores, mas também irei confrontar os eleitos com um conjunto de propostas que temos e das quais não iremos prescindir após as eleições. A nossa oposição será determinada mas responsável. Todas as decisões que forem importantes para o desenvolvimento de Setúbal e para o bem estar das populações poderão contar com o nosso apoio. Não faremos uma oposição de alarido mas seremos convictos e determinados em relação a questões que podem por em causa a saúde e o bem estar dos setubalenses. É nossa intenção que o vereador do BE peça a participação da população para a concretização dessas propostas porque elas não podem ficar no segredo dos gabinetes.

Vamos apelar à participação dos cidadãos porque a vida democrática não se esgota nas eleições nem no quadro da democracia representativa. Ela é muito importante, mas a participação dos cidadãos será sempre determinante. Dou o exemplo do orçamento participativo, uma experiência que ocorre há algum tempo no Brasil, onde os cidadãos são chamados a decidir onde e como se vão gastar os dinheiros públicos. Nada melhor do que este exemplo concreto para se ver a diferença entre a nossa realidade e a do trabalho participativo dos cidadãos. São estes os valores que perseguimos e vai ser esta a forma de estarmos na vida política de Setúbal.

SR – Se for eleito vereador, quais serão as suas prioridades?

AA – Há quatro grandes problemas em relação aos quais pretendemos intervir. Em primeiro lugar vem a resolução dos problemas de natureza ecológica e o maior desses problemas é a co-incineração porque pode afectar bastante a vida dos setubalenses. Quando falamos da queima dos resíduos na Arrábida, não estamos a falar só em salvar árvores e espécies protegidas numa zona de Parque Natural mas também, e principalmente, dos problemas de saúde e da qualidade de vida dos setubalenses nas próximas gerações. E isso leva a outro problema ecológico que é a existência da Secil na Arrábida.

De uma vez por todas, temos de tomar uma posição corajosa a propósito disto e exigir o encerramento da Secil. É também preciso encontrar soluções para os postos de trabalho que lá existem, de forma a não provocar um problema social. Num concelho que teve milhares de desempregados como os da IMA, da Movauto e de muitas outras indústrias, é pura demagogia dizer-se agora que não se podem resolver os problemas de duas ou três centenas de trabalhadores. Eles têm de ser resolvidos e a Secil tem de fechar porque estamos perante um problema nacional. Queremos pedir aos setubalenses para se pronunciarem sobre o encerramento da Secil e sobre a co-incineração, ou seja, queremos que a população seja chamada a referendo para decidir sobre esta matéria.   

Ainda nas questões ambientais, um estudo da DECO considerou que Setúbal era uma das cidades mais sujas do país. É uma vergonha para todos nós e é uma acusação gravíssima à Câmara. Connosco, uma das prioridades será a limpeza da cidade. Outra questão ambiental que queremos ver resolvida é a do aterro de resíduos banais que se pretende instalar na Mitrena. Parece que somos vítimas de um mal qualquer, neste quadro de globalização saiu-nos na rifa sermos uma espécie de lixeira global.

O crescimento caótico de Setúbal tem de parar e isso tem de ser pensado através de uma perspectiva de planeamento urbanístico que tenha por base uma ideia de desenvolvimento para a cidade. O caso Nova Setúbal é o paradigma desta loucura sem limites. Se for concretizada, nessa urbanização caberiam mais de 15 mil pessoas. Ou seja, nos próximos cinco ou seis anos Setúbal iria crescer tanto como cresceu ao longo de mais de 700 anos, desde o século XIII ao século XX. E nem sequer faltam casas em Setúbal pois, pelo último censo, as casas que existem são muito superiores em relação às necessidades. O que faz falta é poder de compra para as pessoas poderem adquiri-las.

Portanto, o ordenamento e o crescimento caótico da cidade é outra das prioridades do Bloco de Esquerda.

SR – Nesse caso, também questiona a necessidade do complexo desportivo municipal, que inclui o novo estádio para o Vitória de Setúbal?

AA – Essa é uma das questões mais importantes e acho que o complexo e o estádio não são prioridade para os setubalenses. Mais do que isso, o estádio do Bonfim está integrado numa negociata extremamente lesiva para Setúbal. Um estádio que se diz que vai custar seis milhões de contos, iria ser oferecido aos setubalenses sem contrapartidas? Naturalmente que essa seria a contrapartida que os construtores civis, que esperam um inacreditável lucro de milhões de contos, iram oferecer aos setubalenses e aos simpatizantes do Vitória. Sou um simpatizante e um sofredor pelo Vitória e o meu carinho nasceu do estudo que fiz à vida do clube. Muita gente não sabe mas, ao contrário da maior parte dos estádios deste país, foi construído aos poucos com a força e os recursos dos setubalenses, numa enorme mobilização popular.

Se o estádio viesse abaixo, seria atirar para o lixo um património inestimável quer do ponto de vista arquitectónico quer do ponto de vista dos sentimentos e dos ideais das pessoas. E a alternativa seria mais uma negociata para mais um grande centro comercial que só iria agravar os problemas que já existem. Por isso, iremos propor um referendo para perguntar aos setubalenses se faz, ou não, sentido um novo estádio para o Vitória em que nos são subtraídos seis milhões de contos em mais valias. O que nos fazem não é uma oferta, é uma burla, porque seriam subtraídos seis milhões de contos aos impostos, às mais valias dos setubalenses e à Câmara de Setúbal. Não faz sentido e seria um erro tremendo. Todas as outras candidaturas estão de acordo com o projecto e, por isso, apelo para que revejam esta ideia. Este projecto da Nova Setúbal e do novo estádio seria um verdadeiro suicídio para a cidade e só serviria o velho negócio da construção civil, pondo os interesses particulares à frente dos interesses colectivos.

O terceiro aspecto central das nossas preocupações diz respeito à recuperação e à animação da zona histórica de Setúbal. Sempre vivemos numa ligação profunda com o rio, mas nas últimas décadas virámos as costas ao Sado e com todos os problemas que daí decorrem: o abandono do centro histórico e o não aproveitamento do rio fazendo dele um esgoto. É preciso promover e proteger o estuário e o rio Sado, é preciso fazer reviver a zona histórica, criar áreas pedonais e espaços para os jovens promoverem actividades culturais, é preciso recuperar as casas antigas para os jovens e, com isto, dar uma nova imagem a Setúbal. Sem qualquer espécie de chauvinismo digo que Setúbal é uma cidade belíssima que tem sido massacrada por esta gestão ruinosa.

Em quarto lugar, queremos levar em frente a ideia do orçamento participativo pois é cada vez mais importante que os cidadãos participem em todos os momentos da gestão da vida do concelho. Rejeitamos a gestão autárquica presidencialista que tira aos cidadãos a possibilidade e o direito de intervir na vida da cidade. Se qualquer homem ou mulher, em sua casa, é, ao mesmo tempo, o primeiro ministro, o ministro das finanças e o da solidariedade, então porque é que não pode ser protagonista no desenvolvimento do concelho? Acreditamos que todos, cidadãos, podemos e devemos contribuir para a resolução dos problemas que Setúbal tem.  

SR – Que modelo de desenvolvimento pretende para Setúbal?

AA – Esta é uma questão central, pois todos os outros partidos oferecem ‘sol na eira e chuva no nabal’. Se queremos um modelo de desenvolvimento assente no turismo e nas suas potencialidades naturais, como é que, simultaneamente, vamos dizer que queremos que Setúbal cresça ilimitadamente e de forma desequilibrada? Isto é absolutamente demagógico. Neste modelo de desenvolvimento não podemos querer ter tudo ao mesmo tempo: mais turismo, mais indústrias e mais urbanismo, fazendo de Setúbal, cada vez mais, uma cidade periférica e dormitório de Lisboa. Aquilo que queremos é apostar no turismo e daí decorre tudo, ou seja, uma cidade desenvolvida de uma forma integrada e ambientalmente saudável.

Actualmente é aceite que as indústrias não se implantem em zonas estuarinas porque estas são zonas riquíssimas. Os cientistas desta área costumam dizer que um metro quadrado de estuário é mais valioso que um metro quadrado de terreno de um centro histórico. E isto dá-nos a ideia das capacidades produtivas que estamos a espezinhar em função dos lucros individuais. É evidente que não pretendemos acabar com as indústrias, mas queremos que respeitem as questões ambientais e para isso, basta respeitar a lei. Por outro lado, as próximas indústrias a virem para Setúbal devem ser as de terceira geração, ou seja, as não poluentes. seta-1845369