Setúbal na Rede – A cerca de um mês do final do prazo para a oficialização da sua candidatura às próximas eleições, o movimento tem cerca de metade das assinaturas necessárias para tal. Acredita que poderá vir a ser candidato?
Luís Filipe Fernandes – Tenho a certeza absoluta de que conseguimos, nem que para isso tenhamos que bater de porta em porta. Esta é uma questão que já nem sequer colocamos. O assunto esteve em cima da mesa na altura em que não havia certezas sobre se a lei era, ou não, promulgada. Agora que está publicada em Diário da República, só temos que nos esforçar para conseguirmos cumprir os prazos. Nomeadamente o prazo que nos impusemos para formalizar a candidatura. Queremos fazê-lo até 20 de Setembro, apesar de o prazo oficial terminar apenas em 22 de Outubro.
SR – Na impossibilidade de conseguir as 3.700 assinaturas, continua de pé a hipótese de integração num partido político, avançada aquando da apresentação oficial do movimento?
LFF – Essa hipótese foi revista e actualmente nem sequer se coloca. Esta é uma questão perfeitamente assente e não há outro caminho senão a candidatura do movimento de cidadãos independentes. A via que criámos não é pioneira apenas em Setúbal mas sim a nível nacional. Setúbal deve orgulhar-se de, pela primeira vez, ser conhecida por ser pioneira de uma nova forma de estar na democracia, pois a criação do nosso movimento levou ao aparecimento de muitos outros por todo o país. É algo que nos deixa satisfeitos, independentemente do êxito que este movimento possa vir a ter.
A cidade está nitidamente cansada do poder em exercício mas, por outro lado, não está interessada em regressar a um passado comunista que recusou há 16 anos. Ao longo deste tempo, Setúbal debateu-se com falta de alternativa mas agora ela existe através de um movimento de cidadãos independentes que é abrangente e inclui pessoas de todas as cores partidárias em volta de um projecto que não é contra os partidos. Não somos contra ninguém, somos pela cidade de Setúbal e entendemos que a democracia não se esgota nos partidos políticos. Ela tem de ir até aos cidadãos, nomeadamente numa situação de gestão autárquica.
Sabemos que há pessoas com hábitos conservadores, habituadas há 27 anos a votar num símbolo partidário. E às vezes sem sequer olhar às pessoas, aos programas e às respostas que oferecem para os problemas do concelho. Se conseguirmos ultrapassar este conservadorismo e mostrar que o que está em causa é a defesa dos interesses de Setúbal e não deste ou daquele partido, dos quais podem continuar a gostar e a votar na altura própria, nomeadamente nas eleições legislativas; se conseguirmos chegar com a nossa mensagem a toda a população e convencer os eleitores de que não é pelo abstencionismo que se mostra o cartão vermelho ao poder, acredito que temos todas as condições para um óptimo resultado eleitoral.
SR – Não são muitos ses, para um espaço de quatro meses em que pretendem mudar mentalidades?
LFF – Se em vez de ter quatro meses de trabalho, tivesse oito ou nove seria melhor. Mas como há que viver com os prazos, tenho quatro meses para ultrapassar estas três dificuldades. Isso passa pela nossa capacidade de trabalho e pela mobilização das pessoas que estão connosco. Se tivermos capacidade de trabalho e mobilizarmos os nossos apoiantes durante este período, acho que podemos ter os resultados que pretendemos, já neste acto eleitoral.
SR – O que é que espera dos resultados eleitorais?
LFF – Espero ganhar a presidência da Câmara de Setúbal. Estou convicto de que todos os resultados são possíveis, neste momento está tudo em aberto e nenhum candidato pode dizer que tem a vitória assegurada. É legítimo que cada candidato faça o melhor que pode para mostrar a mais valia da sua candidatura, mas se se assume antecipadamente como vencedor está a proceder de uma forma perfeitamente anti-democrática.
SR – Como é que vê as outras candidaturas?
LFF – Este ano temos outra novidade, para além do movimento de cidadãos independentes. Trata-se da candidatura do Bloco de Esquerda, que tem toda a legitimidade do ponto de vista democrático. Contudo, tem um eleitorado muito bem determinado e definido e, por essa razão, acho que muito dificilmente terá a possibilidade de ganhar a Câmara Municipal.
O candidato do PS e o candidato do PSD representam a continuidade. Mata Cáceres e Duarte Machado representam aquilo que tem sido o poder ao longo dos últimos anos. É evidente que o candidato do PS é o mais penalizado pela população porque é ele o culpado de tudo o que aconteceu a Setúbal ao longo destes 16 anos. O candidato do PSD poderá ter a seu favor o facto de ser uma pessoa de Setúbal, mas acaba por ser também penalizado pelo facto de ter estado quatro anos na Câmara, como vereador, e não se pode eximir das culpas que teve. Pela sua posição abstencionista, conseguiu viabilizar todos os projectos da Câmara socialista. A população verá estes candidatos como os da continuidade, de uma Setúbal que as pessoas não querem.
O candidato do PCP aparece com uma determinada aura e bem trabalhado do ponto de vista do marketing. Surgiu numa altura em que ainda não existiam alternativas, pois foi apresentado com uma grande antecedência. Mas Setúbal não é Palmela, pois estas são duas realidades completamente distintas. Provavelmente, se analisarmos o trabalho de Carlos de Sousa verificamos que ele não é tão bom como se diz. Aliás, Palmela é uma coisa e Pinhal Novo é outra. Já para não falar de que, para vermos melhor as coisas, teríamos de analisar porque é que Pinhal Novo cresceu da forma que cresceu e Palmela não. Provavelmente porque o PCP tem muitos votos em Pinhal Novo e não os tem na sede de concelho. Não nos interessa ter autarcas que defendem apenas os locais onde obtiveram mais votos.
Para além disso, trata-se de um candidato que pertence a um partido político e que, se vier gerir Setúbal, fá-lo-á de acordo com a lógica partidária que os setubalenses claramente recusaram há 16 anos. Por outro lado, é mais um candidato que não vive em Setúbal. Vem fazer uma comissão de serviço à nossa cidade e ao fim do dia vai regressar à sua residência. Não conhece Setúbal, não conhece a nossa realidade e está desenraizado. Nunca acordou a respirar os ares do Sado ou a brisa do Bonfim.
Mas a população de Setúbal já começa a aperceber-se desta realidade. E a prova disso são as sondagens que indicam que as intenções de voto na CDU têm vindo a baixar desde o final do ano passado. Isto significa que os cidadãos estão a fazer leituras das várias candidaturas a estas eleições autárquicas.
E há a nossa candidatura, que, num quadro destes, é a única que se apresenta como alternativa a tudo o que de negativo as outras candidaturas podem representar. Temos a mais valia de nos apresentarmos como pessoas de Setúbal, seja por nascimento seja por opção, estamos fora de qualquer lógica partidária, somos abrangentes e adoptamos discursos pela positiva. A minha corrida não é contra ninguém mas sim por Setúbal. Não me sinto ameaçado por qualquer das candidaturas e tenho um projecto para o concelho que assenta na democracia participada.
Se os eleitores perceberem este tipo de mensagem, temos condições de ir buscar votos a todas as sensibilidades partidárias. Hoje temos pessoas no movimento que continuam nos seus partidos e fazem questão de dizer que têm as quotas em dia. Isto é extremamente importante e mostra a abrangência do movimento. Só espero é que os partidos políticos não venham a tomar atitudes anti-democráticas e castigar estes militantes. Para além de termos a possibilidade de ir buscar votos a todas as sensibilidades partidárias, acho que temos uma apetência especial para ir buscar votos ao campo da abstenção.
SR – Tendo sido um dos notáveis do PS, em Setúbal, como é que interpreta a decisão daquele partido em castigar os militantes que concorram como independentes?
LFF – É uma decisão que não me surpreende porque conheço bem como as coisas funcionam no PS. Trata-se de uma posição perfeitamente anti-democrática.
SR – Se for eleito presidente da Câmara, o que é que mudará em Setúbal?
LFF – Em primeiro lugar é preciso mudar o modelo de desenvolvimento e só a partir daí é que tudo o resto deve ser tratado. Setúbal é vista como uma cidade industrializada, poluída, poluente e que aos poucos tem vindo a assistir a tentativas várias para que se torne a capital do lixo. Não faz qualquer sentido que as belezas ímpares de Setúbal – desde a reserva natural do Sado até à Serra da Arrábida – assente o seu conceito de desenvolvimento na indústria, na poluição e no lixo. Setúbal está vocacionada para o turismo e, por isso, vamos virar a cidade para esta área, para a cultura e o lazer e, claro, para a indústria limpa. É um conceito de cidade de excelência que leva a que ela se desenvolva em torno de projectos concretos ligados à realidade local.
Por isso, há que ter uma posição não demagógica sobre a co-incineração na Arrábida. Nunca disse que estava contra este sistema de tratamento, do ponto de vista técnico, mas sempre disse que não aceitava a localização prevista. Fazer queima de resíduos industriais tóxicos no Parque Natural da Arrábida não, e sempre disse que era frontalmente contra. Mas não posso ser demagógico e dizer que, se chegar à Câmara não deixo fazer a co-incineração. Isto pelo facto de não saber o que foi feito até lá porque, entretanto passaram quatro meses. O que posso dizer é que faço tudo o que puder fazer, do ponto de vista legal, para evitar que isso aconteça ou para fazer o processo voltar para trás, caso já tenha acontecido.
Temos problemas muitos problemas graves no concelho, como é o caso das acessibilidades, do trânsito e do estacionamento. É impensável que numa cidade como a de Setúbal, a auto-estrada acabe num cruzamento onde todos os dias há acidentes. É impensável que não existe uma grande circular externa e que, por isso, todo o trânsito pesado tenha de passar por dentro da cidade, é inadmissível que não existam estacionamentos suficientes na baixa e isso afecta gravemente o comércio local. Temos problemas de insegurança, nomeadamente na baixa, onde não há animação pois esta transferiu-se para outras zonas. Estes problemas resolvem-se também pela ocupação e animação dos espaços. A insegurança afecta também os bairros periféricos e foi provocada pelos erros de inserção social, pois as pessoas foram despejadas em guetos sem equipamentos sociais, culturais, desportivas ou de lazer.
Outro grande problema é o do urbanismo, pois Setúbal está cheia de espaços sem qualidade em que as pessoas quase se podem cumprimentar de janela a janela e não há espaços verdes com equipamentos à altura. Esta cidade sofre de um grave problema porque quando o poder fala de desenvolvimento, o que quer dizer é crescimento. Pensam que Setúbal se desenvolve se crescer e isso é errado. Para mim isso não é desenvolvimento, pois posso desenvolver a minha cidade mantendo os 130 mil habitantes. Por isso, estou completamente contra o conceito de Nova Setúbal porque isso pressupõe que se quer uma nova. E se se pretende uma nova Setúbal é porque não se gosta da que existe.
Acho que a urbanização pode ter lugar e que se pode fazer desenvolver Setúbal para aquela zona. Contudo defendo que, ao mesmo tempo, se criem modelos de desenvolvimento que equilibrem o concelho, nomeadamente ao nível da cidade histórica que é a zona que melhor caracteriza Setúbal. E temos de tratar de recuperar os bairros tradicionais, que agora estão tão descaracterizados, desde as Fontaínhas até Tróino.
SR – À excepção do dossier co-incineração, a que Mata Cáceres se manifesta favorável, todos os candidatos têm apresentado o mesmo tipo de proposta de desenvolvimento para Setúbal. Sendo assim, o que é que distingue a sua candidatura das outras quatro?
LFF – O facto dos modelos serem idênticos significa que estão certos e que só por autismo é que o actual poder não o consegue perceber. A diferença entre o movimento de cidadãos independentes e as outras candidaturas é a aplicação das teorias. Uma coisa é o que os candidatos apresentam nos seus programas e outra bem diferente é a que as suas estruturas partidárias impõem quando eles vão para o poder. Não vou dizer que os candidatos estão a tentar enganar os cidadãos quando fazem propostas. São pessoas tão sérias quanto eu e não alinho na frase dos cartazes do PCP que diz “Gente Séria é Outra Coisa”.
Gente séria somos todos nós e, para mim, todos os candidatos são sérios. Mas a grande diferença entre esta candidatura e as outras é que, se uma delas toma o poder, não vai fazer o que pensava mas sim aquilo que o seu partido quiser que faça, para satisfação de uma lógica partidária e não pelos interesses dos cidadãos. É aqui que reside a diferença, pois nós não estamos sujeitos a lógicas partidárias e fazemos mesmo aquilo que prometemos na campanha.
Neste período de pré-campanha para a eleições autárquicas, aproveito para lançar um repto a todos os candidatos: seria bom para a população que nos vai ouvir, que pautássemos a nossa campanha eleitoral por uma grande civilidade e um grande respeito pelos cidadãos. É necessário que esta campanha seja efectivamente esclarecedora, feita pela positiva e sem muita necessidade de referir os erros, porque esses são conhecidos, mas sim debater os problemas, falar de propostas, definir projectos e dizer, concretamente, o que cada um de nós pretende para Setúbal nos próximos anos.