Setúbal na Rede – O que é que o levou a recandidatar-se à presidência da Câmara de Setúbal?
Mata Cáceres – Os políticos, sobretudo a nível autárquico, funcionam com motivações muito próprias. Há projectos que concebemos e pelos quais lutámos, por isso é natural que gostemos de os concretizar. Há, de facto, uma ligação afectiva a projectos que gostaria de ver terminados, como é o caso do Polis para a zona ribeirinha, do PROCOAL, para recuperar os bairros mais desfavorecidos da zona oriental da cidade, e do complexo desportivo. Não tenho ambições de natureza política, pelo que pretendo é fechar um ciclo. Ganhei as eleições quatro vezes, em Setúbal, fui deputado desde a Constituinte e fui Governador Civil. Por isso, não tenho mais qualquer razão para me recandidatar, uma vez que, em termos de realização política, tenho o ciclo terminado.
SR – 16 anos depois da sua primeira eleição, está convicto de que o eleitorado lhe dará novamente a maioria?
MC – Não tenho dúvidas dessa convicção. Contudo é preciso moderação porque isso representa o respeito que tenho pelo povo. Não podemos esquecer que quem vai ditar os resultados é o eleitorado no dia 16 de Dezembro. Não quero ser muito afirmativo porque isso pode prefigurar alguma sobranceria, algum desprezo pelos adversários e alguma ultrapassagem da própria vontade popular. É comum ouvir alguns candidatos, mesmo aqueles que sabem que nunca ganham, dizer que vão vencer. Em Setúbal, nos últimos anos, as autárquicas têm sido discutidas entre o PS e o PCP. E mais uma vez, não se vai fugir à regra. Tenho todo o respeito por todas as outras candidaturas mas, tal como o PS não conta para essa vitória noutros concelhos do país, também aqui a candidatura do PSD não tem qualquer hipótese. O mesmo acontece com o movimento de independentes e com o Bloco de Esquerda.
Estou convencido de que ganhamos, sobretudo pelo trabalho que temos desenvolvido. O povo de Setúbal é de uma lucidez enorme quando vota. Votou bem quando me deu quatro vereadores, votou bem quando me deu cinco, votou bem quando me deu seis vereadores e voltou a votar bem quando reduziu para quatro. Na sequência desta análise, acho que os eleitores também vão votar bem nestas eleições, dando-me a vitória, porque este foi um mandato riquíssimo.
SR – Porque é que este mandato foi mais rico que o anterior?
MC – O mandato anterior foi muito rico em concepção de projectos, mas não tanto em termos de concretização. Por isso muitas coisas prestavam-se a especulações e a aproveitamentos políticos. Assim, deu-se um certo arrefecimento quer dos que estavam à minha volta quer da própria população. Mas penso que isso está ultrapassado. Um eleitorado com a maturidade política que tem o eleitorado de Setúbal vai ver que essa figura do gasto e do cansado é uma figura de retórica. Os adversários que me apontam esses atributos esquecem-se de os aplicar a si próprios, pois andam nesta vida há já muitos anos. Com toda a experiência que adquiri, entendo que hoje valho muito mais do que aquilo que valia há dez anos como presidente da Câmara.
SR – A mais valia da experiência que aponta, é tida pela oposição como uma desvantagem para si, nomeadamente no que diz respeito a posições polémicas como a da defesa da co-incineração na Arrábida. Teme vir a ser penalizado por isso?
MC – Todos os anos me têm aparecido ‘papões’ destes. Não estou muito habituado a perder, apesar de estar muito habituado a ser ameaçado. Agora vem Odete Santos, tal como veio em 1989, e diz que vai ser o grande peso do PCP. Depois veio o Cardoso Ferreira, do PSD, a dizer que agora é que era, em 1993 viram-se atrapalhados e mandaram os pesos mais leves. Em 1997 o PCP regressou aos pesos pesados, mandou Ruben de Carvalho e pensou que desta é que o Cáceres perdia. E tudo deu o resultado que deu. Agora é outra grande figura, Carlos de Sousa. Será, pelo menos em tamanho, porque é bem mais alto que eu.
Estou habituado a ser ameaçado com pesadas sanções. Uma vez foi por causa da inspecção, outra vez por causa do aumento da tarifa do lixo e agora será a co-incineração. Quem está no poder, seja de que partido for, tem sempre que assumir estes problemas pois há sempre pontos mais fracos passíveis de serem atacados ou explorados. Mas eu acredito na lucidez do eleitorado porque as coisas são bastante simples: se me disserem que a Secil prejudica a Arrábida, eu concordo. Mas o que eu entendo da co-incineração é que esta irá melhorar o funcionamento da Secil. Este é um dado provado pelos cientistas e eu tenho que acreditar neles.
Estar ao lado das populações não é alinhar pela gritaria, pela demagogia e pelo populismo, mas sim ter algumas convicções. E a minha convicção é fundamentada na opinião dos melhores cientistas portugueses. Aliás, a Comissão Científica Independente tem um membro ligado ao PCP. Ora, se as coisas são assim como dizem porque é que estes cidadãos do PCP que se movimentam contra a co-incineração não chamaram a Setúbal o professor Cavalheiro para explicar essas coisas?
SR – Quer dizer que os protestos contra a co-incineração resumem-se a um grupo de pessoas?
MC – Isto funciona da seguinte forma: primeiro arranjam o ‘papão’, dizem que vai haver poluição, que os peixes ficam envenenados, que quem come os peixes morre, que os turistas fogem todos e que a serra da Arrábida acaba. Com este caldo envenenado, atiram-se para lá os produtos alimentares e depois pergunta-se às pessoas se querem comer aquela sopa. É evidente que não quem diga que quer. Ou seja, manipula-se a opinião pública com um oportunismo que eu repudio veementemente. Há muitas coisas que não se entendem e uma delas é o facto de algumas candidaturas terem como programa político o Bilhete de Identidade, ou seja, serem de Setúbal. Curiosamente, um facto para o qual nada contribuíram. E há outros que, não tendo sequer esse programa político, decidiram apanhar a boleia da co-incineração. Cria-se o ‘papão’ e depois pergunta-se às pessoas se o querem. Mas não se explica às pessoas que está cientificamente provado que a co-incineração irá melhorar o funcionamento da Secil.
Perante isto, eu pergunto aos eleitores de Setúbal se querem um presidente da Câmara frágil, demagogo e populista que, quando está doente, em vez de ir ao médico vai à bruxa? Quero dizer que alicercei as minhas posições na opinião dos cientistas. A alternativa era fechar a Secil. Mas por essa ordem de ideias tinha também de fechar a Lisnave, a Sapec, a Portucel e a Inapa, cujas instalações estão em locais inadequados desde os anos 50. Mas a solução de fundo não é fechá-las. É, de uma forma gradual, encontrar localizações mais adequadas para estas indústrias.
SR – Como é que vê as quatro candidaturas com quem terá de disputar os votos?
MC – São respeitáveis e tão fortes ou tão fracas como qualquer outra. Se eu estou usado e gasto, o candidato da CDU também o está porque já correu muito, desde a Câmara de Almada até Palmela, passando pela Associação de Municípios. Do meu ponto de vista, isto não funciona contra Carlos de Sousa, até pode ser ponto forte porque a experiência é importante. Se o acho em relação a mim, também acho em relação aos outros. Considero todas as candidaturas muito normais e não me assusto quando se criam certos mitos e se dizem coisas que não correspondem à realidade.
SR – Acha que Carlos de Sousa é considerado um mito?
MC – Muitas pessoas consideram-no como tal e eu acho muita graça a isso tudo. Mas é preciso ver que, quando se diz que uma pessoa é isto e fez aquilo, pergunta-se o que é que, afinal, fez, e depois ninguém sabe responder. Quanto à candidatura do PSD/PP, como disse, em Setúbal uma candidatura à direita do PS não tem hipótese de vencer. Quanto aos Cidadãos por Setúbal, dificilmente vai arranjar assinaturas para oficializar a candidatura. É um movimento que nasceu de pessoas descontentes com o PS, com o PSD e com o PCP. Não é porque não acreditam nos respectivos partidos, mas sim porque esses partidos não acreditaram nessas pessoas e elas tiveram de ir à sua vida.
SR – Tem cabimento, em Setúbal, um movimento independente?
MC – Haverá uma faixa de população que se revê, mas acho que estes cidadãos não têm organização suficiente para que se lhe reconheça preparação para enfrentar o governo de uma cidade como Setúbal. Mas este movimento não conta para a vitória na Câmara, tal como também não conta a candidatura do Bloco de Esquerda. Contarão, talvez, para darem voz às pessoas que se revêem naqueles projectos. O Bloco já é um projecto mais sólido, está organizado e tem uma estrutura mais forte.
SR – Como é que será a sua gestão, se vencer com maioria relativa e tiver vereadores destas duas novas forças?
MC – Não acredito que esse cenário se concretize. Mas se se concretizar não vejo grande problema. Tenho o orgulho de governar a Câmara de Setúbal praticamente da mesma forma, quer tenha maioria absoluta quer tenha maioria relativa. E estou convencido de que muitos dos meus colegas não seriam capazes de desempenhar o cargo nas condições em que eu estou a trabalhar agora e em que já trabalhei há uns anos atrás. E isso desmonta de imediato as acusações que me fazem de arrogância. Há propaganda que é nitidamente provocatória mas não me sinto atingido. Mas quando o PCP enche o país e a cidade com cartazes a dizer “Gente Séria é Outra Coisa”, eu lembro-me do meu pai que dizia: “quando alguém falar contigo e começar por dizer que é uma pessoa séria, desconfia logo”. Eu não queria desconfiar, mas é de muito mau tom aquele cartaz. Sobretudo para quem não tem autoridade para se julgar superior aos outros. A pior coisa no PCP é achar que tem seres superiores, que é uma organização superior e colocar-se num patamar tal que pensa que está à margem de qualquer crítica. Terá gente com estes atributos todos mas também terá gente que não os tem.
SR – Uma das críticas que lhe são feitas diz respeito a algum afastamento que terá ocorrido em relação à realidade de Setúbal e da própria população. Revê-se nestas acusações?
MC – Eu não sou o Manuel Pavão, sou Manuel da Mata de Cáceres e não tenho essas pavonices. Nem tenho disponibilidade para andar por aí de boca aberta e a dar palmadinhas nas costas, convencido de que essa política um pouco eivada de algum charlatanismo irá dar muitos votos. E é preciso distinguir a verdadeira popularidade de um certo populismo balofo, convencido de que as coisas se fazem com uma palmadinha nas costas ou um cumprimento. Isso é cair na estratégia de “com papas e bolos se enganam os tolos”. E como não considero que os setubalenses sejam tolos, sei que as pessoas compreendem que eu tenho mais que fazer, por eles, do que andar por aí de rua em rua. Por outro lado, essas estratégias dão resultado durante sete ou oito meses.
Veja António Guterres que prometeu o diálogo todo e hoje é ridicularizado pela maioria dos portugueses por causa do diálogo. Portanto eu gostaria de saber em que é que ficamos: se temos de nos rir muito e trabalhar pouco, ou se temos de fazer alguma coisa, através também do diálogo, claro. E eu não faço nada sem o diálogo. Basta dar o exemplo do Polis, do PROQUAL, das marchas populares, das actividades desportivas e dos projectos culturais. Tudo isso resultou do diálogo com o movimento associativo, com as populações e, sobretudo, com os seus representantes na Câmara e na Assembleia Municipal.
Numa Câmara destas, de uma grande cidade e de um grande concelho, quem está convencido que consegue resolver as coisas dando por aqui meia dúzia de voltas todo emproado e a rir-se, está muito enganado. Eu não quero falar em Palmela, mas pergunto: porque é que o presidente da Câmara não parou o mega-projecto urbanístico em Quinta do Anjo quando houve uma grande revolta que levou a abaixo-assinados com milhares de assinaturas? Na realidade, estiveram-se nas tintas para isso tudo, esqueceram o abaixo-assinado e o projecto foi em frente.
SR – O que é que Setúbal ganhou com a sua gestão?
MC – Setúbal cresceu e desenvolveu-se bastante nos últimos anos. Apesar dos grandes conflitos sociais e económicos por que passou, hoje está 14 pontos percentuais acima da média nacional em termos de poder de compra. Isto em resultado de um trabalho de apaziguamento político porque há 16 anos era uma cidade perfeitamente desequilibrada, onde eram mais as organizações de trabalhadores que de empresários. O apaziguamento favoreceu o nascimento das organizações empresariais e isso promoveu o investimento. A partir daí, os problemas passaram a ser colocados em Lisboa de uma forma equilibrada e negociada, e não de uma forma agressiva e turbulenta. Depois começámos a equipar a cidade. Numa pintura a pincel grosso, digo que tínhamos três semáforos e agora temos 30 ou 40 conjuntos semafóricos.
Há milhares de árvores e imensos espaços verdes, temos uma estação de tratamento de resíduos sólidos – e nisso fomos pioneiros -, vamos ter uma ETAR, fui a primeira pessoa a dar a mão ao Governo para acabar com os clandestinos na Arrábida, temos novo abastecimento de água, o Fórum Luísa Todi e o Charlot adquiridos, as obras de recuperação do Convento de Jesus e a instalação do Museu da Cidade em concurso, temos escolas novas, muitas outras recuperadas e reequipadas e uma escola profissional. Estamos a caminho da requalificação urbana da zona ribeirinha, depois de termos feito a reabilitação da zona do Convento de São Francisco onde viviam cerca de uma centena de famílias sem condições, e temos mais uns milhões de contos para a requalificação urbana da zona mais degradada da cidade. Temos muito mais coisas como o Museu do Trabalho, o Museu Sebastião da Gama e as cerca de mil casas novas para substituir as barracas.
SR – Mas há questões que ao longo de 16 anos não foram resolvidas, como é o caso do abastecimento de água e o saneamento.
MC – Estamos a falar de zonas rurais com casas dispersas. E espaços com esta configuração existem em todos os concelhos do país com zonas rurais. O nosso objectivo é chegar lá, temos projectos para isso e estamos a ver se obtemos apoios para tal.
SR – O que é que Setúbal ganhará, se for reeleito?
MC – Uma aposta fortíssima no social e na cultura. Temos que reconhecer que Setúbal é uma cidade grande a que faltam algumas referências de peso. Setúbal tem mão de obra abundante e especializada, tem uma população activa, participativa e politicamente esclarecida, tem estabelecimentos de ensino e uma localização geográfica privilegiada mas faltam-lhe referências. Portanto, numa fase em que os grandes projectos de natureza material já estão em curso ou a caminho, há que fazer uma grande aposta no social, no cultural, na juventude, na terceira idade, no desporto e no ambiente. As linhas de força serão estas, vamos passar a ter bons equipamentos, como é o caso do Complexo Desportivo e da Pista de Atletismo. Agora é preciso melhorá-los, aperfeiçoá-los e utilizá-los bem.
SR – Qual lhe parece ser a aposta ao nível do desenvolvimento económico?
MC – Tem de haver uma aposta muito forte no turismo e essa não se resume a festas. Elas também fazem falta e tenho muito respeito por elas, pelo facto de serem do agrado do povo de Setúbal. Mas uma aposta no turismo passa também pela Escola de Hotelaria, que está garantida, e por projectos e apostas com as empresas. Indústrias não, pois já temos que chegue e muitas delas mal localizadas, mas investir nos serviços e no comércio que são um grande suporte ao turismo. Mais cultura de recreio. E nessa área a Câmara tem contribuído e vai continuar a contribuir. Promovemos e vamos continuar a promover o Festival de Cinema, o TAS, a Companhia de Dança Contemporânea e outros projectos que surjam. Por outro lado, promovemos o desenvolvimento do comércio e a zona comercial da baixa, zonas verdes, a recuperação do património e a reabilitação urbana, estacionamentos, mais equipamentos e condições. Setúbal está a tornar-se mais agradável e, por força da melhoria das condições, mais segura, e isso é um grande contributo quer para a promoção do comércio quer para o desenvolvimento do turismo. Acredito que, com os projectos que estão em curso e os que temos para o próximo mandato, dentro de pouco tempo Setúbal será um concelho bem diferente e com muito mais qualidade de vida.