Setúbal na Rede – Que razões é que o levaram a aceitar o convite para candidato do PSD à Câmara de Palmela?
José Bracinha Vieira – O desafio foi-me colocado pelo facto de, há cerca de 10 anos, ter um criado um profundo relacionamento – inclusivamente emocional – com o concelho de Palmela. O que observo é que este concelho tem sido martirizado por um conjunto de medidas avultas que têm profundas repercussões negativas. Vejo o concelho caminhar para o desastre e vejo que não há uma visão de futuro para o concelho, pelo que sinto que é meu dever defender a identidade da minha terra e até afirmar uma coisa que não é politicamente correcta: assumir uma lógica de ruptura com Área Metropolitana de Lisboa. Essa ruptura será feita através da preservação do equilíbrio entre um urbanismo bem concebido e uma ruralidade que deve ser protegida e fomentada, para além de um crescimento populacional cuidadosamente controlado que deve surgir a par de novos equipamentos sociais e de uma grande preocupação com a protecção da Natureza.
SR – Que consequências práticas pode trazer para a sua candidatura o acordo de integração de candidatos do PP na lista do PSD à Câmara?
JBV – Os acordos devem ser respeitados e, por isso, na minha campanha existem posições comuns ao PSD e ao PP. O Partido Popular tem pouca expressão no concelho mas nem por isso deixa de ser importante contar com um partido que tem uma boa expressão nacional. Numa altura em que o país atravessa uma gravíssima crise económica, que é sobretudo orçamental, tem toda a lógica que a alternância se faça com uma coligação entre o PSD e o PP. No caso específico de Palmela, devido à reduzida expressão do PP, haverá a integração de alguns dos seus elementos nas listas do PSD. Da mesma maneira, haverá a integração de alguns ambientalistas nas nossas listas. Ou seja, para além de pessoas do PSD e de elementos do PP, pretendemos também agregar correntes independentes e correntes ambientalistas.
SR – Tendo em conta a expressão do PSD, em Palmela, que, pela primeira vez, nas anteriores autárquicas não conseguiu eleger um vereador, acredita que poderá vir a ser eleito presidente?
JBV – Sei das dificuldades que um candidato do PSD terá em romper com um ambiente de subsidiodependência e muito controle social. E isso viu-se também no contacto com muita gente que, tendo mostrado muita simpatia e disponibilidade em integrar as listas do PSD, a dada altura voltaram atrás por razões que acho perfeitamente compreensíveis, uns têm contratos com a Câmara, outros têm familiares a trabalharem lá e outros porque têm subsídios ou apoios da autarquia. Mas conto que, no momento do voto, as pessoas estejam completamente livres de qualquer pressão. E como o voto livre é o encanto da democracia, acredito que os meus concidadãos me dêem uma votação expressiva.
Mas também lhe digo que, para mim, uma derrota política é não duplicar a percentagem de votação. O PSD teve cerca de 10% dos votos nas últimas eleições autárquicas, pelo que, se eu não duplicar esses votos considero isso uma derrota política da qual tirarei as devidas consequências.
SR – Se não for eleito presidente, aceitará a função de vereador?
JBV – Aceitarei com o prazer com que costumo fazer as coisas, quer na política quer a nível profissional e pessoal, e darei o meu contributo, com novas ideias, para um desenvolvimento mais harmonioso do meu concelho. Exercerei também uma fiscalização construtiva aos actos do executivo porque acho que a oposição deve ser sempre feita no interesse da população.
SR – A integração de ambientalistas na lista do PSD significa preocupações especiais com as questões do ambiente neste concelho?
JBV – Sim, porque Palmela está perante uma ameaça enorme no plano ambiental. Uma das propostas que faremos, a par da revisão do Plano Director Municipal (PDM), será a elaboração imediata de um Plano Municipal do Ambiente em que se equacionem todas as vertentes do problema ambiental, desde a questão das linhas de água maltratadas e interrompidas por construções até à questão dos esgotos a céu aberto, passando pela falta de espaços verdes urbanos nalgumas zonas do concelho. Por isso queremos também que o Plano Municipal do Ambiente tenha cartas com a indicação das zonas de cheias e de ruídos.
O abate de sobreiros é outra questão que me deixa bastante preocupado porque não é lícito num concelho com as características do de Palmela, pôr-se como um dilema construir casas de que as pessoas necessitam ou abater sobreiros. O concelho tem muito território com vocação urbanística e os sobreiros, tal como outras espécies arbóreas, merecem uma atenção especial que, aliás, lhes é dada por lei. É vergonhoso o abate abusivo e ilegal de grandes extensões de montado de sobro que, por norma, fica impune e, por vezes, com a cumplicidade expressa ou tácita de autarcas.
Julgo que a CDU, ao longo dos 25 anos de poder, em Palmela, tem cometido grandes erros que comprometem fortemente o futuro. Daí a ideia base da minha campanha, que é proteger o futuro. Os erros da CDU têm reflexos quer nas urbanizações muito densas que têm sido autorizadas, quer na falta de cuidado com a recuperação do centro histórico da vila de Palmela, quer ainda com uma falta de capacidade de antecipação que leva, por exemplo, à concessão de alvarás para loteamentos em grande escala sem que, previamente, se acautelem boas acessibilidades, bons equipamentos sociais e, nalguns casos, até o abastecimento de água potável.
SR – Palmela é, neste momento, um concelho com assimetrias?
JBV – Tem assimetrias e complementaridades e isso é um trunfo se não permitirmos que continuem a estragar o concelho. Há, de facto assimetrias, se tivermos em conta as enormes diferenças entre zonas como o Poceirão e Pinhal Novo. E Pinhal Novo é justamente um dos pontos mais martirzados do concelho, do ponto de vista do crescimento desordenado. A ideia da CDU, de deixar transformar Pinhal Novo – e amanhã, se calhar a Quinta do Anjo – em mais um dormitório da Área Metropolitana de Lisboa, é justamente o que considero um monumental erro urbanístico. Acho que, neste momento, Pinhal Novo precisa de uma operação de requalificação urbana em grande escala. Provavelmente será necessário deslocalizar alguns edifícios, fazer novas ruas, novos espaços verdes e parqueamentos. É preciso ordenar aquele tecido urbano que, neste momento, está caótico. É preciso um grande plano de requalificação urbana que seja estruturante para o desenvolvimento equilibrado, e com qualidade, de Pinhal Novo.
SR – Como é que vê uma eventual elevação de Pinhal Novo a concelho?
JBV – O PSD preza, acima de tudo, a vontade popular. Achamos que nesta matéria, como noutras que sejam decisivas para município, prevalece a vontade popular. Por isso, as pessoas devem ser consultadas através de referendo ou de outra forma prevista pela lei. Acho que a elevação de Pinhal Novo a concelho é uma inevitabilidade, quer pela população que tem quer pela sua identidade própria. Somos favoráveis à criação do concelho mas achamos que o processo deve ser muito bem estudado, de maneira que não se corra o risco de, a partir de um concelho relativamente forte como é o de Palmela, venham a ser criados dois concelhos fracos. Até porque seria catastrófico criar um concelho sem sustentação económica e sem capacidade de criar equipamentos sociais e melhorar a vida das populações.
SR – Que projectos pretende ver implementados para que Palmela deixe de ser aquilo a que chama um dormitório da Área Metropolitana?
JBV – O PSD é partidário de uma economia de mercado numa sociedade de homens livres. Contudo, há um instrumento chamado planeamento e há alguns bens cuja distribuição e afectação tem de ser objecto de regulação. Relativamente a bens como o território e os naturais e ambientais, que não são renováveis, não é tanto a procura expontânea que deve ser determinante mas sim o planeamento do lado da oferta. Ou seja, o ordenamento do território é um caso claro do planeamento do lado da oferta. Palmela deve crescer de forma ordenada e com qualidade, até para não frustrar as expectativas das pessoas que querem instalar-se aqui, e deve ser um crescimento enquadrado pelo planeamento urbanístico. O ordenamento que queremos definir para o concelho será respeitador da qualidade de vida e à escala humana. É preciso rever o PDM, reduzir densidades de uma forma equilibrada e impor um maior respeito pela Natureza. É preciso ter em conta os sobreiros e as linhas de água, um zonamento que permita conter os perímetros urbanos de uma forma equilibrada, a elaboração das cartas com zonas de cheias e de ruídos. E isto permitirá conter a tendência para transformar este magnífico concelho num dormitório como o Seixal ou Almada.
SR – Os concelhos retiram dividendos do crescimento urbano que, em última análise, acabam por reverter para a população, uma vez que esta é uma das formas de financiar as autarquias. Como é que contornaria este problema?
JBV – O estilo de governação do PSD, sobretudo a nível nacional, tem-se caracterizado por uma grande parcimónia na execução de despesas. E se eu for presidente da Câmara, haverá uma grande preocupação em racionalizar as despesas deste concelho. Não há razão para termos de aumentar significativamente as receitas para alimentar despesas que não se justificam tendo em conta a relação custo-benefício. Os comunistas e os socialistas utilizam muito a despesa pública como forma de angariar clientes e, se for presidente da Câmara, nunca farei tal coisa.
Mas há outras formas de angariar receitas, pelo que, um dos aspectos centrais da minha candidatura é a ideia de criar um parque de novas tecnologias virado, sobretudo, para as novas tecnologias, nomeadamente ao nível da investigação no campo da saúde. Esta é uma área que falta em Portugal e que Palmela tem condições excelentes para atrair.
SR – A relação entre as vertentes industrial e rural do concelho parece-lhe equilibrada?
JBV – Essa é uma das forças do concelho que contribui com mais de 3% para o Produto Interno Bruto (PIB) do país – em grande parte devido à Autoeuropa – e a minha ideia é que, para diversificar a estrutura industrial, devemos acolher novos investimentos com empreendimentos não poluentes e voltados para a inovação. A ideia de fazer um parque tecnológico vai gerar receitas para o município, porque estas não podem vir só da construção. Num país como Portugal, onde a população estabilizou, a construção desenfreada e em locais inadequados leva a que os portugueses identifiquem crescimento económico com betão. Esse erro monumental de viver muito das obras públicas e da construção civil, é um dos aspectos que tem levado o país a uma certa estagnação.
SR – Dada a proximidade de Setúbal, alguns candidatos deste concelho defendem que as indústrias aqui implantadas devem ser transferidas para Palmela. Que comentário lhe merece esta ideia?
JBV – Espero que essa ideia nunca seja levada à prática por virtude da vontade claramente expressa do povo de Palmela nas urnas. Primeiro é estar a planificar coisas para um concelho que não é o deles, depois se fizerem um passeio aéreo pelos dois concelhos, verificarão que, pelo menos, metade de Palmela tem um potencial turístico enorme e, possivelmente, em melhores condições que o de Setúbal. É um absurdo completo pensar em transferir as indústrias de Setúbal para aqui, pois este concelho deve ter um crescimento industrial ligeiro e virado para as indústrias não poluentes.
SR – Para a sua candidatura, quais são as prioridades do concelho, ao nível das infra-estruturas e equipamentos?
JBV – A primeira prioridade será o abastecimento de água de qualidade a todas as populações do concelho, sobretudo na parte norte da freguesia de Pinhal Novo e em Cabanas. Este é um bem fundamental e, por isso, é a primeira prioridade. Depois, é a preocupação com o tratamento dos resíduos sólidos e das águas residuais. Se fizermos um passeio por Palmela, vemos quase todas as linhas de água com um cheiro pestilento e aberrações como captações de água potável a menos de 50 metros de uma fonte poluidora. Proponho um plano de recuperação das linhas de água, uma vez que, como estão – poluídas e interrompidas por construções – podem vir a provocar problemas graves à população. E esta situação tem um rosto que é o da Câmara Municipal.
Por outro lado, devemos repensar o sistema de transportes públicos no concelho. Temos de pensar no futuro e, por essa razão, podemos pensar num sistema de transportes intermodal. Em quase todos os países da Europa aposta-se muito num novo tipo de eléctrico como espinha dorsal do sistema de transportes públicos. Esta é uma das ideias que podemos equacionar, embora tenha consciência de que a construção deste sistema em Palmela ficaria muito caro. Contudo, este sistema não serve apenas para transportar pessoas porque, muitas vezes, é também uma oportunidade para requalificar os espaços.
SR – Como é que explica que as ideias que defende para o concelho não sejam muito diferentes das que, por exemplo, são defendidas pelo candidato do Bloco de Esquerda?
JBV – É natural que isso aconteça, pois há necessidades do concelho que são absolutas. Mas há outros aspectos em que, com certeza, diferimos. Não sei o que pensa o candidato do Bloco de Esquerda mas, tendo em conta a actual situação, é urgente virarmo-nos para as pessoas e melhorar áreas como, por exemplo, o sistema educativo. Com as capacidades de Palmela, é possível desenvolver um sistema educativo de excelência. Isso passa pelo ensino pré-escolar e novas escolas, como uma escola básica integrada para Poceirão e Marateca. Um outro aspecto forte a ter em conta é o da necessidade de certificação da qualidade das creches de dos lares da terceira idade, pois são aqueles que têm menos capacidade de denunciar e de reivindicar os seus direitos.
Por outro lado, temos os problemas de segurança. Provavelmente terei uma posição diferente da do Bloco de Esquerda, uma vez que, para se ter segurança é preciso condições agradáveis de vida. Depois, devemos ter condições para combater a violência. Assim, devemos aumentar os meios humanos e técnicos para a protecção de pessoas e bens. Os atrasos na construção dos quartéis da GNR têm de ser resolvidos através de uma boa negociação entre o poder local e o poder central,. E isso não tem sido feito de forma realista em Palmela. Se for eleito presidente da Câmara, não me esquecerei de que não posso reivindicar para a minha terra tudo o que gostaria num horizonte temporal muito rápido. É uma atitude perigosa e demagógica não pensar que somos uma parte do país.
Embora não tenha uma posição totalmente definida, acessoriamente admito a hipótese de criação de uma polícia municipal que, não tendo como função principal combater a criminalidade, desempenhará um papel importante na garantia da segurança das pessoas e bens, tal como na protecção das linhas de água e da floresta. A segurança é fundamental para a qualidade de vida das populações, por isso defendo a tolerância zero nesta matéria.
SR – O que é que quer dizer quando se afirma como um candidato de centro-esquerda?
JBV – A política deve ser feita com total isenção e transparência, sem qualquer promiscuidade com os interesses empresariais. Não sei se este é um conceito de esquerda ou de direita, o que sei é que se trata de um conceito de política em democracia. É com inquietação que vejo os partidos que se intitulam de esquerda, em Palmela, nomeadamente o PS e a CDU, tenham laços tão intensos e, eventualmente, tão perigosos com os interesses empresariais ligados à construção civil. Em Palmela, vejo a esquerda como um elemento conservador e que não é totalmente isento. É paradoxal, mas muitas vezes tenho visto o PS e a CDU a submetem-se aos interesses empresariais em detrimento do bem público. E isso comigo não acontecerá. Vou proteger e dinamizar os empresários de Palmela, mas vou negociar com eles soluções que comprometam o futuro do concelho.
Outro aspecto comum à CDU e ao PS é que ambos vêem a política municipal como uma política ligada à festa e ao folguedo. Acho muito importante esta componente mas a política municipal não pode esgotar-se aqui. Todos os dias há inaugurações e festas no concelho e, com isso, constrói-se uma democracia local anestesiada. Neste concelho vive-se hoje da inauguração, da fachada e da festa, e não se vive numa política séria voltada para as pessoas. Se esta minha posição é uma emanação do meu temperamento político ligado ao centro-esquerda, sinto-me orgulhoso disso; se é apenas a reacção de um cidadão em protesto contra este estado de coisas, também tenho muito orgulho porque, como cidadão, quero mexer-me e procurar romper com este sistema.
SR – Receia que a situação que descreve seja responsável pelos níveis de abstenção em Palmela?
JBV – Esse poder ser um dos aspectos determinantes. Em vários países da Europa, a taxa de abstenção nas eleições autárquicas é menor do que nas legislativas e, ao mesmo tempo, nestas eleições a taxa é menor do que nas europeias. Isto pode ser uma perversão total das coisas mas, no estado actual de integração europeia, admito que este fenómeno tenha alguma razão de ser. Admito que, vendo o seus interesses em causa nestas eleições, os cidadãos possam mobilizar-se para votar. Infelizmente, há muita gente que hoje reside em Palmela e que ainda não está recenseada.