[ Dia 13-09-2001 ] – João Pinto, candidato BE a Palmela.

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Setúbal na Rede – Tendo sido um deputado municipal independente, pela CDU, em Palmela, porque é que se apresenta agora como candidato à Câmara pelo Bloco de Esquerda?

João Pinto – Não estava nas minhas previsões candidatar-me à Câmara, pois o que pretendia era não colaborar mais com o sistema de gestão instituído no concelho. Entretanto o Bloco de Esquerda (BE) fez-me o convite e constatei que os ideais que defende estão em consonância com os meus. Contudo, mantenho a condição de independente. Entendi que esta é uma oportunidade de conseguir um espaço de intervenção nas decisões da Câmara e influenciá-las no sentido daquilo que é a minha percepção do que deveria ser o desenvolvimento do concelho. Enquanto estive como independente pela CDU, o esforço que fiz para enquadrarmos o desenvolvimento de Palmela com aquilo que eu pensava ser o mais certo não obteve quaisquer resultados.

As coisas foram de tal forma que, para levar as coisas de modo a que não se avançasse com medidas que eu considerava negativas, foi preciso bater com os punhos na mesa nas reuniões da CDU e vir cá para fora denunciar os problemas.  O que sinto é que estive a remar contra a maré durante todo este tempo. Já com o BE, temos a oportunidade de apostar numa democracia participativa, pondo os cidadãos a decidir o orçamento freguesia a freguesia. O que acontece em Palmela não é nada disso, embora a Câmara diga que sim. É grave, porque o que, na realidade se faz, é ouvir as pessoas e depois não ter em conta as suas vontades declaradas. Ora, isto não é nada.   

SR – Quais são as suas perspectivas em relação aos resultados eleitorais?

JP – Não temos estrutura nem notoriedade suficiente (particularmente eu) para conseguir a presidência da Câmara. Mas temos o sonho e estamos a trabalhar para conseguir ocupar um espaço de intervenção nas decisões da Câmara. Acredito que vamos conseguir porque, ao longo do trabalho que temos vindo a desenvolver, sentimos o interesse das pessoas na nossa candidatura.

SR – No quadro de um concelho rural e maioritariamente virado à esquerda, como é que vê as outras candidaturas?

JP – Toda a gente sabe o que tem sido a gestão da CDU, basta olhar para o concelho. Ana Teresa Vicente é a candidata da continuidade mas devo reconhecer que não tem o carisma de Carlos de Sousa. E numa altura em que estamos em mudanças muito rápidas, é mau para o concelho de Palmela haver uma maioria que não leva à discussão essa mudança. Se houver uma maioria, seja de quem for, os problemas não vão ser discutidos com profundidade e nem vão ser ouvidas todas as sensibilidades que podem contribuir para o desenvolvimento integrado do concelho. Ana Teresa Vicente foi ‘feita’ demasiado depressa para o cargo a que se propõe. Não tem a experiência e os conhecimentos suficientes para integrar um concelho como este, com todos os desafios que agora tem, e nunca seria minha opção se eu tivesse influência dentro do PCP. É preciso ver que Palmela está sob um grande fogo de mudança e que isto implica muitos perigos e, ao mesmo tempo, a necessidade de agarrar já algumas oportunidades.

Jorge Mares, candidato do PS, é um homem de Palmela. Mas o que temos verificado é que, como presidente da Concelhia socialista, tem responsabilidades no comportamento dos vereadores PS na Câmara. O que vimos foi que a oposição socialista nunca apresentou propostas de desenvolvimento, pelo que nunca foi oposição que contribuísse para alterar fosse o que fosse na gestão da CDU e a favor da população. Isto é mau, até porque na Câmara estão quatro vereadores da CDU e três do PS.  

Historicamente o PSD tem tido sempre um vereador em Palmela, à excepção do presente mandato em que não o conseguiu eleger. Acho que a eleição de Bracinha Vieira como vereador e a contribuição que dará para a discussão na Câmara será muito positiva para o concelho. Tive oportunidade de trabalhar com ele na Assembleia Municipal e vi que tinha propostas concretas e muito trabalho feito. Nesta questão das autarquias, há que deixar os partidos em segundo plano e trabalhar em conjunto para a população. Ora, se um eleito de direita tem posições positivas e construtivas para a população, porque é que não há-de ser apoiado? Mas isto não quer dizer que se o PSD estivesse sozinho no poder tivesse o mesmo comportamento. Por isso, não tenho dúvidas de que a actuação de Bracinha Vieira como vereador será muito mais frutuosa do que como presidente da Câmara.

SR – A corrida para a vitória é em Palmela é entre o PS e a CDU?

JP – Não há qualquer dúvida mas, tendo em conta a expressão do PS em Palmela e a sua actuação nos últimos tempos (nomeadamente na oposição, onde ninguém notou a diferença entre um partido e outro) admito que a CDU volte a ganhar a Câmara. Não é muito provável que, de uma maioria de mais de 50%, passe agora para uma minoria. Além disso a CDU tem uma forte estrutura montada no concelho e isso é uma vantagem enorme em relação a todas as outras candidaturas. O que prevejo é que a CDU perderá a maioria absoluta, o PS vai manter-se na vereação, o PSD vai recuperar o lugar que perdeu e o Bloco de Esquerda vai encontrar o seu lugar na vereação para intervir no sentido de trabalhar com a população e para a população. Mas se não o conseguirmos, vamos continuar a intervir em prol do concelho porque esta não é a única maneira de fazer valer os direitos dos cidadãos.  

SR – O que é que pretende mudar no concelho?

JP – É preciso mudar, primeiro, o modelo de gestão. A actual gestão CDU tem alguns aspectos positivos mas tem também muitos negativos. E numa altura em que o concelho está no centro das atenções não há qualquer razão para ter tantos aspectos negativos. Os exemplos são muitos e começam logo pela expansão urbanística desordenada que compromete o ambiente e o nosso futuro. É preciso rever esta situação e analisá-la em conjunto com a população porque é para ela que uma Câmara deve trabalhar. Temos de contar com as pessoas para trabalhar porque, se são convidadas a participar e depois os seus anseios não são tidos em conta e faz-se exactamente aquilo que se pretendia inicialmente, as pessoas perdem o  interesse em participar na vida democrática do concelho.

Temos de criar um concelho onde as pessoas são ouvidas e atendidas nos seus desejos, sob pena de o resultado final ser um concelho descaracterizado e sem referências da nossa identidade. Acho que o desenvolvimento urbanístico e os promotores imobiliários têm um espaço próprio. Ou seja, primeiro estão as pessoas, depois os lugares e, por último, os promotores que modificam esses lugares. Essas modificações e a acumulação de lucros que daí advém têm de estar submetidas às pessoas deste concelho, porque o importante aqui são as pessoas e a identidade cultural de cada lugar.

Vejamos a questão do abate de sobreiros, contra a qual me manifestei. Somos tão contra que, na cooperativa de habitação a que presido (a CoopAnjo) levámos a Câmara a tribunal e pedimos a anulação da deliberação do executivo que pretendia construir uma estrada, em Quinta do Anjo, destruindo um espaço de sobro. E graças à nossa intervenção, a estrada parou à entrada do montado. Há formas de fazer coabitar o desenvolvimento e a preservação dos nossos recursos e temos que utilizar os instrumentos necessários. Em cada sítio as pessoas devem ter opinião sobre o assunto e, neste momento há mecanismos que o permitem. O problema neste concelho é que, quando se está a discutir planos de pormenor para uma determinada zona, estamos simultaneamente a aprovar tudo o que for possível aprovar porque ainda não há plano de pormenor feito.

Isto numa altura em que este instrumento está a ser discutido com as pessoas. Se estes planos são para serem discutidos com os cidadãos e se tem de haver audiência pública para os definir, então não faz sentido fazer as grandes aprovações, como foi o caso de Pinhal Novo e de Quinta do Anjo, onde se faz sentir a maior pressão urbanística. Se as pessoas estão a participar na realização destes instrumentos e, simultaneamente, estamos a fazer aprovações que triplicam a população num determinado local, está a acontecer aquilo que denunciei em várias reuniões da CDU: isto não são expansões mas sim a subversão de tudo o que a população daquelas zonas pretende e necessita.

Os valores estão subvertidos porque as populações votaram nos eleitos para que estes protejam os interesses de todos e não para que se façam crescimentos urbanísticos descontrolados só porque os orçamentos das câmaras dependem, em grande parte, disso. Mas esperamos que as coisas mudem, nomeadamente porque, no parlamento, o BE vai desenvolver iniciativas para evitar que as autarquias deixem de estar sujeitas a este tipo de pressão orçamental.

SR – De que forma é que se pode rever o desenvolvimento de Palmela?

JP – É preciso parar, rever o Plano Director Municipal (PDM) e enquadrá-lo na realidade do concelho. De acordo com os prazos para a revisão, isso vai acontecer já no próximo mandato, pelo que achamos que vamos ter oportunidade de exercer alguma influência na melhoria do ordenamento do território, na sua gestão e no crescimento urbanístico. Vejamos o caso de Pinhal Novo, uma zona que beneficia das acessibilidades a Lisboa e que nos últimos anos ali viu criar-se um centro de desenvolvimento a caminhar para a contradição. É um crescimento muito grande e desordenado que não tem sido acompanhado das medidas necessárias ao bem estar da população. Ou seja, está a crescer demasiado depressa tendo em conta as infra-estruturas de que dispõe. E sofre do mal que afecta a Câmara de Palmela, e muitas outras pelo país fora, que é o de meter muita gente e muitas casas num determinado sítio para, depois, ter argumentos para pressionar a administração central no sentido de conseguir infra-estruturas. Isto é exactamente o contrário do que deve ser feito porque, primeiro, deve prever-se e assegurar-se as infra-estruturas e crescer na base disso. É o que Palmela tem de fazer, quer com o Pinhal Novo quer com Quinta do Anjo quer com o Poceirão.

SR – Como é que vê uma possível elevação de Pinhal Novo a concelho?

JP – Pinhal Novo tem condições para avançar como concelho mas tem de ser a prazo. Actualmente não dispõe dessas condições, pois ainda é preciso criar formas que possam enquadrar o seu desenvolvimento de maneira a que este não seja baseado apenas no crescimento da população. Fiz parte de uma discussão, no seio da CDU, em que se percebeu que o que era comum ao Pinhal Novo, em termos culturais e de identidade, era comum à Jardia. Por isso, se Pinhal Novo precisa de mais área para atingir os níveis necessários, deveria crescer incorporando freguesias do Montijo que lhe são mais próximas, como é o caso da Jardia. Quanto à ideia de incorporar o Poceirão, concordaríamos se isso fosse discutido e aceite pelas pessoas desta freguesia. Coisa que até agora não aconteceu.

Por outro lado, se a elevação de Pinhal Novo ocorresse agora a população não lucraria muito com isso porque iria perder o peso que tem, em termos de captação de investimentos, uma vez que dentro do concelho de Palmela é a freguesia que, pelo seu peso, mais dinheiro consegue captar. Neste momento, com a falta de infra-estruturas e de meios de afirmação económica, Pinhal Novo não lucraria muito com a elevação a concelho. Para atingir isso, é necessário desenvolver mais actividades produtivas na zona de influência de Pinhal Novo.

SR – No deve e o haver entre as componentes rural e industrial do concelho, alguma delas ficou a perder?

JP – A produção agrícola decresceu bastante nos últimos anos e Palmela vai perder muito com isso. É preciso criar condições para influenciar a administração central no sentido de apoiar a agricultura do nosso concelho que continua a ser um dos maiores concelhos agrícolas do país. E se formos eleitos, vamos lutar para que seja criado um pelouro de segurança alimentar. Neste concelho produzem-se muitos bens alimentares e isso dá-nos oportunidade de criar um centro de competências, com a colaboração de municípios vizinhos e da administração central, na área da produção biológica. Isso irá permitir a criação de um sector tradicional que se opõe firmemente ao sector industrial porque o concelho não pode viver unicamente da produção de automóveis, sob pena de sofrer um enorme choque social com o previsto encerramento da unidade. Até agora tem havido muito protagonismo da Câmara nesta área, mas no sentido do marketing político e não no sentido das medidas concretas. Nunca foi feito aquilo que me fartei de dizer nas reuniões da CDU, que era a criação de estruturas que incentivem e ajudem à inovação na produção agrícola.     

A agricultura não é alternativa à indústria ou à actividade empresarial, mas sim uma área de economia que complementa o tecido económico do concelho. É preciso ver que um tecido de malha grossa, com as grandes unidades industriais, não subsiste e nem é uma forma de desenvolvimento, se não houver um tecido de malha fina com pequenos empresários. Daí que uma das nossas propostas seja a criação de condições para apoio às micro-iniciativas que estão agregadas à nossa produção tradicional. E esta actividade é a grande almofada para o embate provocado pela saída dos grandes investimentos estrangeiros. Por outro lado, é essa a nossa tradição pois sempre gostámos de produzir a partir do campo, ou seja, somos pessoas do campo. Se tivermos condições, sabemos que podemos produzir com qualidade. E não tenho dúvidas que a produção agro-alimentar de hoje é a produção biológica. Os agricultores estão bastante receptivos mas encontram dificuldades porque não são acompanhados nem incentivados para tal.  

Mas Palmela tem mais por onde se desenvolver do ponto de vista económico e uma das áreas é a do turismo. Contudo, teríamos muito a perder se o turismo fosse desenvolvido sem a componente cultural do concelho. Fiz uma proposta que foi aprovada por unanimidade na Assembleia Municipal, prevendo para a Quinta do Anjo o desenvolvimento de um turismo ligado à nossa cultura e às nossas tradições. Devemos apostar num turismo em que se mostre às pessoas as nossas actividades tradicionais, criando um interface de comunicação com o passado que já começa a ficar esquecido. Isso é urgente porque as pessoas que desempenham as actividades tradicionais de Palmela são idosas, estão a morrer e a tradição morre com elas.  O que a Câmara tem realizado nesta área é feito de uma maneira pontual e a pensar no marketing político. Não tem nada a ver com o que proponho, que é um parque temático, com estruturas de apoio e onde as pessoas estão a produzir, não para o mercado, mas para quem nos visita. seta-5087957