Setúbal na Rede – O que é que o levou a candidatar-se à presidência da Câmara de Alcochete?
José Inocêncio – Gosto da minha terra e, por isso, tenho vindo a intervir na vida do concelho, desde as colectividades e associações até à própria Câmara, como vereador do PS. É preciso inverter a situação em que Alcochete vive e que é extremamente preocupante, pois se não forem tomadas medidas pode vir a hipotecar tudo o que se construiu durante gerações. O concelho é conhecido pela sua beleza natural e pela sua arquitectura e, de alguma forma, isso está a ser posto em causa. Se há uns anos atrás, antes da ponte Vasco da Gama, era necessário que a Câmara incentivasse as actividades económicas, neste momento é preciso controlá-las, nomeadamente a da construção civil. E isso não está a acontecer porque o se tem verificado é uma interpretação abusiva do Plano Director Municipal (PDM).
SR – Tendo em conta as sucessivas maiorias absolutas da CDU, no concelho, o que é que o leva a crer que o PS pode ganhar a Câmara?
JI – A primeira gestão municipal de Alcochete foi do PS. Por outro lado, há mais de 10 anos que o PS ganha para as legislativas, para o parlamento europeu e para a presidência da República. Portanto, quando se fala do enraizamento das pessoas na CDU estamos a falar de uma falsa questão. E quando se vota numa pessoa, vota-se pela política que defende em relação a um conjunto de questões como a educação, a saúde e o urbanismo. Do ponto de vista político, o eleitorado do concelho é do PS e isso vê-se na prática, pois temos quase 40% dos votos nas autárquicas.
SR – Acredita que vai conseguir ser eleito?
JI – Esse é o nosso objectivo e temos condições para isso. É ponto assente que a gestão comunista nestes últimos quatro anos foi um desastre. Nota-se que há falta de ideias e de motivação e, nitidamente, um abandono da autarquia, por parte do presidente que já passou muitos meses fora do concelho. Que significado e consequências é que isto tem para uma autarquia que está sujeita a tantas pressões? Isso nota-se nas reclamações e no descontentamento das pessoas. Há aqui coisas que podem vir a ser extremamente preocupantes, nomeadamente o relacionamento promíscuo entre a Câmara e actividades económicas como a da construção civil.
SR – Como é que vê a recandidatura de Miguel Boieiro, pela CDU, e a de Carlos Roque, pelo PSD?
JI – Nós vemos com bons olhos as outras candidaturas porque isso decorre do processo democrático em que vivemos. Não acho que possam enfraquecer a minha candidatura porque nós temos um trabalho de há muitos anos que as pessoas conhecem. E se formos analisar os scores eleitorais, nomeadamente do PSD, vemos que foram de 6%. Contudo acho importante o surgimento desta candidatura se isso significar outras perspectivas de encarar o processo autárquico. Se assim for, essas perspectivas podem ser muito positivas e até virem a contribuir para clarificar o futuro do nosso concelho.
SR – Se for eleito, atribuirá pelouros aos vereadores da oposição?
JI – Quem ganha governa, pelo que acho que a oposição não deve ter pelouros. Tem que exercer a fiscalização do trabalho do executivo e dizer que não concorda quando não concordar. Não tem qualquer lógica que alguém que apresenta um projecto completamente diferente, venha a trabalhar com um projecto com o qual não concorda. Não vou dar pelouros à oposição nem farei negociatas pré-eleitorais, nesse sentido, para iludir incautos. Mas garanto que não vou tratar a oposição da mesma maneira que a CDU tratou os vereadores do PS. No meu caso, foi preciso um ano e meio para me darem um gabinete. Ou seja, os vereadores da oposição vão ter todas as condições que necessitam para trabalhar, se o quiserem fazer.
SR – Se não for eleito, aceitará ser vereador?
JI- Embora esteja convicto de que vamos ganhar, se isso não acontecer é claro que vou aceitar o cargo de vereador e estarei lá com o mesmo empenhamento que tenho mostrado, quer agora na vereação, quer antes, como membro da Assembleia Municipal. A garantia que posso dar é que estarei no próximo executivo municipal. Já em relação aos outros candidatos não sei se estarão.
SR – O pior adversário de todos os candidatos, em Alcochete, continua a ser a abstenção?
JI – Sim, é um fenómeno com bastante significado no concelho. Os números têm variado entre freguesias mas são muito elevados. Este ano vamos tentar mobilizar mais as pessoas, de modo a que exerçam o seu direito de voto. Nós temos experiência e meios que antes não tínhamos e a prova é que, em 25 anos, esta é a primeira vez que o concelho está coberto de cartazes da candidatura do PS, numa cobertura que começou em Agosto. Esse é um sinal de que queremos ‘provocar’ os eleitores e levá-los a participar neste acto eleitoral. Não queremos basear a campanha no ataque porque não faz parte da nossa maneira de ser.
Há momentos para fazer oposição e, nesse sentido, temos sido uma oposição moderada. Aliás, o actual presidente tem o privilégio de contar com uma oposição com elevado nível e que, por essa razão, conseguiu fazer as alterações e as reformas que ele nunca teve coragem para levar em frente. Vamos apresentar-nos ao eleitorado como a alternativa. Temos propostas concretas e credíveis e isso contará bastante para a mobilização do eleitorado.
SR – Quais são as prioridades do PS para Alcochete?
JI – Estamos neste momento a desenvolver o programa do PS para o concelho, mas posso adiantar algumas das prioridades. Estamos a contactar com vários sectores para testar e melhorar as nossas ideias para o futuro, de modo a que, quando chegarem ao eleitorado, elas possam ser defendidas por todos o intervenientes no desenvolvimento do concelho. Uma das grandes prioridades é a política social porque temos de ser capazes de ajudar os mais fracos. Há enormes lacunas ao nível dos jardins de infância e até existem algumas infra-estruturas que podem ser aproveitadas para tal. É preciso encontrar parcerias com entidades privadas, no sentido de resolver esta questão. Por outro lado, é necessário aproveitar as novas sinergias provocadas pela expansão urbana para, de alguma forma, poder contemplar este tipo de equipamento nas novas urbanizações.
As questões relacionadas com as crianças e os jovens são fundamentais, pelo que acho que devemos criar condições para a promoção do primeiro emprego. E como empresário bem colocado para a captação de investimentos, acredito que posso criar condições para incrementar o investimento e a criação de postos de trabalho. Alcochete precisa de um desenvolvimento equilibrado porque, neste momento, corre o risco de se transformar num dormitório. Falar em qualidade de vida das pessoas que vêm para cá só para dormir não é uma forma de desenvolver o concelho. Ao longo dos últimos 15 anos, Alcochete perdeu grande parte dos postos de trabalho. Ao contrário de outros concelhos, este sempre se caracterizou pela capacidade de gerar grande parte das oportunidades. Mas, pelo efeito das crises e da reconversão das indústrias, isso foi-se perdendo e hoje estamos em desequilíbrio. Por um lado é preciso aproveitar a expectativa do sector da construção civil para, de alguma forma, resolver problemas de ordem social – nomeadamente ao nível dos equipamentos -, e por outro é necessário diversificar as actividades económicas.
Precisamos de inverter esta situação e penso que Alcochete tem condições para isso. Ao contrário do que diz a gestão CDU, as zonas protegidas não são empecilhos ao desenvolvimento. Serão, talvez, empecilho ao estilo de desenvolvimento que o concelho está a seguir, que é maioritariamente de crescimento urbano. Há um grande privilégio da Câmara aos construtores civis. De tal modo que, neste momento, Alcochete tem aprovados fogos suficientes para duplicar a população do concelho. Neste momento somos 12.800 habitantes e com os cinco mil fogos aprovados ou em fase de aprovação (que representam mais 15 mil pessoas) passaremos para mais do dobro. Não é que a extensa área do concelho não o suporte, o pior é depois a falta de acompanhamento ao nível dos equipamentos e das infra-estruturas.
Se agora temos uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) saturada e a deitar águas muito maltratadas para o rio, como é que podemos exigir do Estado uma série de investimentos a duplicar? Por outro lado, a autarquia tem de assumir as suas responsabilidades e garantir aos novos moradores as condições a que têm direito. Não sou contra o crescimento do concelho, quero é que ele cresça com condições. Hoje em dia, as pessoas são mais exigentes no que toca à qualidade de vida e, por isso, exigem que o poder político seja responsável. Os políticos têm de ter capacidade para planear o futuro e, nesse sentido, vamos continuar a apostar numa política séria e verdadeira para Alcochete.
SR – Tendo o concelho uma grande área natural protegida, que tipo de desenvolvimento económico se prevê?
JI – Temos muitas áreas naturais mas, no sentido oposto do concelho, temos também zonas muito extensas que podem servir para a implementação de empresas. Há o exemplo do Passil que, contrariamente ao que esperávamos, está a desenvolver áreas de armazéns para logística. É um passo positivo mas podemos ir mais longe porque acredito que Alcochete tem condições para desenvolver indústrias limpas. É preciso criar um parque industrial na verdadeira acepção da palavra, e não o que se fez no parque do Batel que acabou por se transformar numa zona de armazéns. Os dinheiros públicos não podem ser desbaratados desta maneira e se o município investe 150 mil contos para fazer uma zona industrial, ela tem que ter um impacto positivo na dinâmica do concelho, de forma a gerar impostos e a permitir o aumento das receitas da Câmara. Actualmente não é isso que acontece.
Não queremos indústrias poluentes nem uma grande concentração de indústrias. O que queremos é indústrias limpas e ligadas a sectores tradicionais como é o da cortiça. Estamos no distrito que é o maior produtor nacional de cortiça, sabendo que a maior parte dessas empresas tiveram de sair de cá por estarem muito próximas dos perímetros urbanos. Essa deslocalização está a ser feita para zonas como Coruche, Vendas Novas e Ponte de Sor, quando tal não é necessário porque poderíamos criar as condições necessárias para a sua permanência no concelho. Há outro caso concreto de uma fábrica de cortiça, onde trabalham 150 pessoas, que tem de se deslocalizar porque está dentro do perímetro urbano. Vamos deixá-la ir para outro concelho e perder esta mais valia? Não, o que devemos fazer é criar um parque industrial com condições e dimensões suficientes para albergar empresas como esta.
Com a vinda da ponte Vasco da Gama, Alcochete muita coisa se alterou no concelho e é preciso acautelar o futuro. Penso que há quatro anos atrás o concelho perdeu uma grande oportunidade de mudar de política, mas continuo a achar o que o eleitorado tem sempre razão. As pessoas acharam melhor continuar com esta gestão mas as políticas que nós defendemos vão mostrar a diferença. Para além do apoio à infância e do incentivo ao emprego, há questões em que devemos intervir como é o caso da fixação dos jovens naturais do concelho. Neste momento, os jovens de cá não conseguem residir em Alcochete. Primeiro porque não há emprego e depois porque o preço das habitações subiu de tal modo que não conseguem dinheiro para comprar casa.
Acho que temos soluções, quer para a captação de investimentos que criem postos de trabalho quer para a habitação. Temos um projecto em curso para a criação de habitação a custos controlados. Em vez de criar novos guetos, aproveitamos as sinergias da construção e estabelecemos regras junto dos promotores. Ou seja, pretendemos associar às urbanizações de qualidade uma quota de fogos a custos controlados. Se antes da ponte Vasco da Gama eram precisos alguns incentivos para que Alcochete saísse do adormecimento – e isso não foi feito por incapacidade da actual gestão -, neste momento é preciso dar sinais de contenção. Precisamos de olhar para o mal que está a ser feito a alguns sectores da população e nós vamos fazer isso.
SR – Os problemas ambientais são preocupantes no concelho?
JI – Algumas são, mas outras são questões falsas. É o caso da incineradora militar que não me parece um problema. Claro que, em vez da incineradora, gostaria de ver uma fábrica com tecnologias de ponta. Mas desde que sejam salvaguardadas todas as normas de segurança, penso que não há motivo para alarme. Quando se quer atingir objectivos políticos, nomeadamente ataques ao Governo, por esta via é fácil fazê-lo. Mas é uma forma de estar na política com a qual não concordo, pelo que não vou fazer isso se for eleito, e independentemente da cor política do Governo.
No caso das salinas do Samouco, farei exactamente o contrário do que tem sido feito pela gestão CDU que. logo no primeiro dia em que foi anunciada a criação da Missão para as Salinas, dirigida por José Manuel Palma, houve imediatamente um oposição política. Se calhar estavam à espera que algum deles fosse nomeado. Mais tarde, vim a saber que houve pessoas que se ofereceram para estarem próximas desse lugar. O que pretendemos, em relação às salinas, é estabelecer contactos muito director e tentar ajudar porque acreditamos que aquela zona pode ser potenciada em termos turísticos, culturais e ambientais. As salinas do Samouco e a Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) fazem parte de um projecto que nós temos para uma frente ribeirinha de 9 km.
É um projecto pelo qual temos um carinho muito grande porque pretende reabilitar e potenciar toda aquela zona natural.
SR – O que é que a candidatura do PS propõe para equilibrar o crescimento entre as diferentes áreas do concelho?
JI – Verificou-se um grande crescimento junto ao núcleo histórico de Alcochete, outro no Samouco e um de mais baixa densidade em São Francisco. Há a expectativa de desenvolvimento de núcleos urbanos mais afastados, nomeadamente no Passil e na Fonte da Senhora, para onde estão previstos projectos de urbanização com os quais concordamos e a que demos apoio. A ideia é que, com estas novas urbanizações, aqueles núcleos habitacionais passem a ter uma série de infra-estruturas de que agora carecem. Este é um bom exemplo de como o urbanismo pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas. E quando isso acontece, nós estamos de acordo.
SR – Essas zonas podem vir a ser equacionadas como potenciais novas freguesias?
JI – Achamos que é correcto criarem-se duas novas freguesias, nomeadamente na Fonte da Senhora e no Passil. Desde que se criem condições para tal, como equipamentos e infra-estruturas, e parece-me que isso será conseguido com as novas urbanizações.