[ Dia 15-07-2002 ] – Carlos de Sousa, ex-presidente da Câmara de Palmela.

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Carlos de Sousa – Na altura era vereador do pelouro do Urbanismo e do Desenvolvimento Económico da Câmara de Palmela, pelo que conhecia bem o concelho. A CDU achou por bem convidar-me e eu aceitei-o como um desafio.

SR – Lembra-se de quem eram os seus opositores?

CS – Pelo PS foi Ilídio Ferreira e pelo PSD acho que foi Emília Catita.

SR – Quais foram as linhas de força da sua campanha?

CS – As propostas que fizemos durante a campanha eleitoral – e que foram o ponto forte do meu trabalho ao longo dos oito anos em que presidi à Câmara – eram pugnar pelo desenvolvimento do concelho diversificando o tecido económico mas tendo sempre como pano de fundo a riqueza patrimonial, a riqueza histórica e a riqueza ligada à terra. É o concelho onde a Ordem de Santiago mais tempo esteve presente, um concelho onde o vinho, o queijo de Azeitão e a maça riscadinha eram – e são – uma enorme riqueza. Portanto, o meu projecto era de desenvolvimento.

Até porque uns anos antes tínhamos entrado na Comunidade Europeia e a agricultura estava em grande crise. E isso reflectia-se em Palmela pois tratava-se de um concelho eminentemente agrícola. Tendo em conta estes factores, havia que equilibrar o concelho, nomeadamente ao nível dos postos de trabalho. E penso que conseguimos isso. Hoje em dia, Palmela é conhecida pelos seus magníficos vinhos e pela maçã riscadinha. Algumas pessoas conhecem Palmela como o concelho da Autoeuropa, mas acima de tudo é conhecida por aquilo que é dela. Essa sempre foi a bandeira do meu trabalho.

Acho que conseguimos concretizar o projecto que pretendíamos para o concelho.

A indústria automóvel tem muito peso em Palmela – o concelho passou de rural para industrial – mas, paralelamente, conseguimos fortificar os produtos regionais e, do ponto de vista histórico e cultural conseguimos fazer uma grande ligação com as pessoas, inclusivamente as que foram agora viver para o concelho, nomeadamente quando criámos uma oferta cultural diversificada e com iniciativas extremamente interessantes. É o caso do Festival Internacional de Artes de Rua, da Queima do Judas e das Janeiras. Esta ligação entre novas iniciativas e a riqueza da tradição, que, inclusivamente, nos levou a ‘desenterrar’ algumas iniciativas desaparecidas. Isto sempre em sintonia com a riqueza associativa, que em Palmela é muito grande.

SR – Como é que decorreu a campanha eleitoral?

CS – A campanha de 1997, contra Edgar Costa  – pelo PS – deu muita luta e, inclusivamente, aqui e acolá foi um pouco incorrecta da parte dele, mas a de 1993 – contra Ilídio Ferreira – correu muito bem. Até porque já nos conhecíamos: tínhamos sido colegas na OID/Operação Integrada da Península de Setúbal, e antes tínhamos sido vereadores, eu do Urbanismo em Palmela e ele do Urbanismo em Setúbal. Esse facto gerou amizade entre nós e a amizade gera respeito. Portanto foi uma campanha muito dura mas muito respeitadora. E esse respeito ocorreu também da parte da candidatura do PSD.

SR – Foi eleito com 41,8% dos votos, contra 30,8% do PS e 17,3% do PSD. Ficou satisfeito com esta margem de votos?

CS – Posso dizer que sim. O pelouro do Urbanismo, em especial num concelho como o de Palmela, permite-nos contactar com toda a gente. Isso levou a que eu conhecesse muita gente e a que os palmelenses passassem a conhecer a minha forma de trabalhar e o trabalho da CDU. Acho que isso foi importante para a minha eleição.

SR – Quando tomou posse, sucedendo a Carlos Pésinho, quais foram as suas primeiras medidas?

CS – Um dos grandes desafios foi a aplicação de uma nova forma de estar na política. Quando vereador tive alguns laivos dessa nova forma de estar, nomeadamente por ocasião da discussão do Plano Director Municipal (PDM). Foram as autarquias participadas que, com o correr dos anos, cimentámos com a frase “democracia participativa”. A primeira tónica que coloquei no primeiro mandato foi precisamente a aproximação da população da gestão municipal. E isto era especialmente importante pelo facto de Palmela ser um concelho muito extenso (460 km2) e com poucos transportes públicos, o que provocava dificuldades de deslocação das pessoas, nomeadamente até à sede de concelho.

SR – Essa forma de trabalhar é já como que uma imagem de marca?

CS – É e vai continuar a ser, porque acredito ser esta a forma mais correcta de estar na gestão de um município. Colocar água ou esgoto, havendo dinheiro e vontade política é mais ou menos fácil. As coisas fazem-se desde que haja sensibilidade, bom senso e dinheiro. O exercício da democracia participativa é completamente diferente.

SR – Em que é que o seu projecto para Palmela diferiu do de Carlos Pésinho?

CS – Houve uma linha de continuidade, até porque a força política era a mesma. Ou seja, o trabalho desenvolvido nos meus mandatos veio no seguimento da linha definida nas gestões de Carlos Pésinho, de Ferreira da Costa e de Edgar Costa, em 1976, quando concorreu pela APU. Independentemente de sermos todos da mesma força política, cada um de nós tinha dava tónicas diferentes à gestão do município. E essas tónicas tinham  precisamente a ver com a maneira de ser de cada um de nós. A minha gestão teve algumas novidades, como foi o caso das autarquias participadas, mas teve uma linha de continuidade.  

SR – Quais eram os principais problemas de Palmela?

CS – O concelho tinha uma característica – que advinha da sua origem rural – de dispersão da população. Levar as infra-estruturas básicas a todo o concelho é muito complexo e muito caro. E esse foi um dos maiores desafios que tivemos logo no início do mandato. Era preciso continuar o trabalho de infra-estruturação do concelho. Também apanhei a célebre luta pelo castelo, com a população a defender “o castelo é nosso”. A luta  correu bem e o saldo foi francamente positivo, pois o castelo passou a ser gerido pela autarquia.

SR – Que trabalho lhe deu mais satisfação, no primeiro mandato?

CS – Para além do trabalho ligado às diferentes iniciativas culturais, foi, sem sombra de dúvida, as autarquias participadas. O desafio de nos aproximarmos da população e discutirmos com ela os problemas com que o concelho se debate é bastante frutuoso.

SR – Sentiu dificuldades em captar o interesse das população?

CS – Senti os problemas que provavelmente existirão em todas as localidades deste país. Nós só temos 28 anos de exercício de democracia. Depois de 50 anos de ditadura, as gerações que estavam no poder, e até as mais novas, não sabiam o que era o exercício da democracia. Por isso, as pessoas tiveram de ser habituadas, direi formadas, para a participação. E esse hábito ficou implantado em Palmela.

SR – Como é que lidou com a oposição?

CS – Oferecíamos sempre pelouros à oposição que, por tradição, aceitava sempre. Excepção feita para o último mandato, nomeadamente o do vereador Edgar Costa, eleito pelo PS. Na minha opinião, a relação com as oposições de Palmela sempre foi boa. Cada um tinha o seu espaço, um espaço de crítica e de fiscalização da maioria, e a maioria teve sempre a preocupação de ouvir a opinião dos vereadores da oposição.

E este encontro deu sempre bons resultados. As opiniões críticas eram construtivas e sempre que isso acontecia eram interiorizadas e, nalguns casos, melhoraram significativamente os métodos de trabalho.

SR – No segundo mandato as coisas foram diferentes?

CS – As coisas foram diferentes. Edgar Costa foi vereador nos primeiros seis meses do segundo mandato e as coisas não correra nada bem. Foram seis meses muito duros porque tínhamos, praticamente, de paralisar o trabalho da Câmara para responder aos requerimentos que ele fazia. Não sei se foi com ou sem intenção, mas o que é verdade é que – utilizando os instrumentos legais ao seus dispor – queria esclarecimentos que, praticamente, obrigavam a contabilidade a trabalhar durante um mês só para responder ao que ele solicitava. Aí, sim, senti alguma vontade de ‘atrapalhar’ o trabalho da Câmara. Seis meses depois Edgar Costa demitiu-se.

SR – Porque é que se recandidatou, em 1997?

CS –  Quatro anos são sempre insuficientes para levarmos à prática um projecto. Além de que este trabalho agrada-me, apesar de ser extremamente cansativo. Deixamos de ter tempo para nós, para as nossas famílias e para os amigos, mas o grande desafio estava na concretização do projecto quer tínhamos para o concelho.

SR – Quer balanço faz do segundo mandato?

CS – Pareceu-me um mandato rico em termos de trabalho. Foi o enriquecimento das autarquias participadas, a continuação de um conjunto de infra-estruturas, espaços verdes e equipamentos, e ainda um conjunto de iniciativas culturais com um peso significativo.

SR – Foi acusado, particularmente neste último mandato, de promover o desequilíbrio urbanístico do concelho. Aceita a crítica?

CS – O desenvolvimento urbanístico do concelho está correcto. Tivemos cuidado com o ordenamento do concelho, embora eu admita que foram cometidos alguns erros. Houve coisas que decidi quando entrei e em que, provavelmente, hoje teria outra posição. É o caso, por exemplo, da Terra do Pão. Quando lá cheguei estava tudo preparado para uma hasta pública de lotes municipais. Estava de acordo com o PDM, é certo, mas passados uns anos percebi que poderia ter tomado outra posição e deixar ficar os lotes como estavam. Há coisas que vamos aprendendo com o tempo e com os nossos erros e acho que este foi um desses casos.

Do ponto de vista urbanístico Palmela tem crescido muito equilibradamente. Temos de olhar para o concelho como um todo e, neste caso, Pinhal Novo é o principal centro urbano. Está servido de óptimas acessibilidades, está a três minutos da ponte da Vasco da Gama e, como sabemos, as cidades e regiões crescem de acordo com um conjunto de iniciativas exteriores. No caso de Pinhal Novo, essa potenciação é promovida pelo conjunto de acessibilidades. Paralelamente a isso, num concelho onde se gerou tanto emprego – por via da Autoeuropa – foi necessário também  criar habitações que respondessem à procura de pessoas que ali queriam viver. Palmela sempre foi procurado por pessoas de Lisboa porque se criou a fama – e o proveito – de que é bom viver neste concelho, pelo que tínhamos de dar resposta a esta vontade.

Por outro lado, havia que satisfazer a necessidade de quem trabalhava no concelho e, neste caso, melhorar a qualidade de vida destas pessoas era dar-lhes condições de viverem no concelho onde trabalham. E um concelho que tem como cércea máxima os quatro pisos – tendo, nalguns locais apenas dois – é um concelho onde se tem em conta a qualidade de vida.

SR – Hoje sente que deixou alguma obra fundamental por fazer?

CS – Por exemplo, não foi possível captar investimento que permitisse diversificar a economia do concelho relativamente à indústria automóvel. Mas esse é um assunto que não depende do município. Temos criticado os sucessivos governos pelo facto de nunca terem olhado para a península de Setúbal como um todo. Aliás, se a península saiu da crise económica em que viveu nos últimos anos foi graças ao dinheiro das multinacionais porque nunca foi feito, pelo Governo, qualquer investimento com pés e cabeça destinado a equilibrar o tecido económico de maneira a que não sofresse com os altos e baixos das conjunturas internacionais.

Sempre haverei de ter a sensação de que poderíamos ter feito mais, mas temos de ter em conta as limitações das autarquias. Temos uma pequena percentagem do Orçamento de Estado e estamos num país com as dificuldades financeiras que conhecemos e que, inclusivamente, está na cauda da Europa. Por isso temos de ter a consciência das nossas limitações. Mesmo assim muito fazem as autarquias locais, nomeadamente se comparadas com as de outros países da Europa.

Houve, de facto, algumas coisas que gostaria de ter feito, nomeadamente no interior da máquina municipal. Gostaria de ter feito mais algumas alterações para que o serviço municipal fosse ainda melhor prestado. Fiquei com mágoa por não ter conseguido aprofundar mais esta intervenção.

SR – Em 2001 candidatou-se à presidência da Câmara de Setúbal e ganhou as eleições. Palmela deixou de ser um desafio?

CS – Não devemos olhar para os cargos eleitos como cargos vitalícios, por isso olho para o poder local com espírito de missão. É um trabalho público que me dá prazer.

Já trabalhei por conta de outrem, por isso sei o que é trabalhar para um grupo económico e outra é ter a consciência de que trabalhamos para 50 mil ou cem mil pessoas. E isso dá-me um ‘gozo’ especial. Não estava cansado de Palmela, pelo contrário, trouxe-me excelentes amigos e excelentes recordações. Continua a ser um concelho de grandes desafios que, de resto, estão a ser bem encarados pela actual presidente, Ana Teresa Vicente, mas quando me convidaram para encabeçar a lista da CDU a Setúbal achei que era altura de avançar para novos desafios. Setúbal é, sem dúvida, é um enorme desafio.

SR – Dá como bem empregues os anos que tem dedicado ao poder local?

CS – Não estou arrependido porque gosto muito do que faço. Contudo, admito que tem custos pesadíssimos. Por exemplo, o acompanhamento que dei aos meus filhos foi praticamente nulo e isso tem um peso fantástico. Não acompanhei o crescimento dos meus filhos e é a minha mulher a fazer o papel de mãe e de pai. 

SR – Actualmente, como é que vê o exercício do poder local?

CS – O poder local em Portugal é, sem sombra de dúvida, o grande contributo para o exercício da democracia. E com isto verificamos que os municípios, com apenas 8% do Orçamento de Estado, conseguem ser responsáveis por 25% da despesa pública ao nível de obras no país.

SR – O Estado reconhece o papel desempenhado pelas autarquias locais?

CS – Não, somos um país muito centralizador,. Aliás, somos um dos países mais centralizadores da Europa, do ponto de vista decisório. E isso tem os seus reflexos no poder local. A regionalização seria uma forma de revitalizar a democracia e agilizar a gestão do país. seta-1865227