Rogério Brito – Aconteceu de imprevisto. Ou seja, surgiu através de um convite, esta talvez não seja a palavra mais adequada, foi mais um desafio para aceitar candidatar-me à Câmara. Eu conhecia Alcácer do Sal, como conheço a generalidade deste distrito, fui desde 1979 consecutivamente eleito para a Assembleia da República, como deputado pelo distrito de Setúbal e, como é apanágio dos deputados do PCP, nós corremos todos os cantos tentando conhecer todas as realidades, pelo que também conhecia este concelho.
Devido à saturação de muitos anos de actividade parlamentar, que na altura era agravada pela saturação de ser também deputado do Parlamento Europeu e, o facto de ter que sair à segunda-feira e regressar à quinta, obrigando-me ainda a usar o fim de semana para estabelecer contactos com a população, fez com que a família se ressentisse pelo que não seria possível manter por muito mais tempo esta situação, que exigia um sacrifício que de algum modo o trabalho desenvolvido no Parlamento não compensava.
SR – No entanto o cargo de deputado no Parlamento Europeu era tido como um cargo hierarquicamente superior ao de presidente da Câmara, hesitou ou não ao tomar posição?
RB – Eu sou uma pessoa que fez a trajectória da vida adulta podendo sempre escolher as coisas que me entusiasmavam no sentido de ganhar a minha plena adesão. Eu gostei de estar no Parlamento, mas a saturação e a trivialidade do dia a dia vai-nos retirando criatividade e capacidade de mobilização, que pode levar a uma rotina que acaba por desvalorizar o nosso trabalho e a nós próprios, enquanto cidadãos que têm uma missão a cumprir, daí que a necessidade de novos desafios. Isto surgiu também numa idade, ainda dentro dos 40 anos mas já adiantados, esta era a oportunidade de criar novos motivos que rejuvenescessem a actividade política que eu gosto de desenvolver e foi fundamentalmente isso que me levou a aceitar o cargo.
Sobre a parte material devo dizer que gosto de viver bem, no sentido de poder ter o que me faz falta, mas não tenho hábitos de vida que tenham necessidade de grandes ordenados, de grandes rendimentos para poder satisfaze-los. Acima de tudo eu gosto de viver, gosto de poder passear e ficar num hotel razoável, mas não é importante ter que ficar num hotel de luxo, não lhe vejo sequer nenhum valor acrescentado. Gosto de ler e de ter dinheiro para comprar os meus livros, gosto de ter uma casa confortável e de ter uma boa aparelhagem sonora e de ter um bom vídeo e gosto de ter dinheiro para isso. Para além disto, não me é particularmente importante ter grandes fundos depositados na banca e andar a perder muito tempo a pensar como é que os vou multiplicar. Portanto, embora não fosse uma matéria desprezível, apesar de tudo, o que vinha ganhar numa autarquia dava para manter o nível de vida que me satisfaz. Devo dizer francamente que tenho gozado bem a vida e não tenho necessidade desses avultados bens materiais. Não é a dicotomia do amor e uma cabana, por contra posição, mas digamos que o amor e uma casinha jeitosa já satisfaz.
SR – Alcácer do Sal não é um lugar de dimensão muito reduzida para quem vem de um cargo como esse?
RB – Eu fui abordado para poder vir a ser candidato a outros municípios do país e na altura recusei. Não recusei este por dois aspectos: primeiro, fui muito pressionado pelo Manuel Sobral, que já faleceu e de quem guardo muita saudade, diria que ele foi o grande responsável pela minha vinda para aqui. Depois devo dizer que conhecia muito bem Alcácer do Sal e havia uma particularidade curiosa, esta terra sempre foi considerada um local de passagem a caminho do sul, era o local de paragem para tomar um café ou comer qualquer coisa rápida. Até as ondas hertesianas passavam por cima e quem vivia na parte baixa da cidade não tinha o direito de ouvir rádio.
Ninguém objectivamente acreditava neste concelho, também ele era muito dependente de um sector primário assente numa estrutura fundiária de exploração muito complicada do ponto de vista da resposta em termos de desenvolvimento económico, mas também ao nível da própria estrutura social. Isto era quase um feudo dos grandes proprietários agrícolas com um séquito de funcionários, tirando alguns serviços públicos. Curiosamente isto para mim constituiu um desafio. Eu conhecia o concelho e as potencialidades que estavam ali adormecidas e que podiam ser despoletadas.
A minha antecessora, que na minha opinião fez um bom trabalho na autarquia, teve tarefas que eram muito menos viradas para o desenvolvimento económico e social do concelho no sentido de encontrar novos rumos para sustentar um processo de desenvolvimento, porque teve uma fase ainda muito exigente para satisfação das infra-estruturas básicas, algo que não fica na história mas é tremendamente importante. O trabalho de conclusão das redes domiciliárias de água, esgotos, estradas municipais, ruas, infra-estruturas que em 1976 beneficiavam apenas 20% da população. Existiam terras que viviam completamente isoladas, sendo necessário percorrer 50 quilómetros para chegar à sede do concelho.
SR – Mas quando cá chegou, esses problemas essenciais já estavam resolvidos. Quais foram então as prioridades que estabeleceu na altura?
RB – A minha primeira prioridade foi alterar a cultura sócio-económica do concelho, particularmente da sede do concelho onde se encontrava o grosso da população. Claro que para modificar essa cultura era necessário faze-la acompanhar de uma mudança expressiva da estrutura económica do concelho, era preciso diversificar a economia, criar novas áreas de desenvolvimento. Após um período de falência da indústria agro alimentar do concelho, eu ainda vim apanhar a ressaca desses tempos que destruíram unidades fabris importantes no sector agro industrial, não havia mais nada. Criar aqui uma nova capacidade de resposta empresarial, ao nível da industria foi a minha primeira prioridade.
Por outro lado, um concelho destes não ter uma cama era uma coisa completamente louca. Com um grande potencial ambiental, paisagístico, estético, histórico e gastronómico, não ter uma actividade turística, não ter uma cama sequer disponível, não podia ser e essa foi outra grande prioridade, desenvolver o turismo. Não como uma panaceia para todas as carências e insuficiências do concelho, mas como um elemento que é manifestamente indissociável de qualquer estratégia de desenvolvimento.
Depois procurei também reforçar a área dos serviços, desde a educação, saúde até aos serviços públicos da autarquia. Estas foram as grandes linhas que se tentaram incutir na gestão do município.
SR – Essas foram as propostas da campanha de 1993?
RB – Absolutamente.
SR – Como é que correu essa campanha?
RB – Correu bem, sem dúvida. Eu vim numa fase em que tudo indicava que a CDU estava em esvaziamento autárquico aqui. Era colocado como um risco efectivo de perda das eleições, algo que justificava terem-se lembrado do Rogério Brito que estava em Bruxelas. Houve uma tentativa de trazer até aqui uma pessoa que não era de todo desconhecida da região, respeitada e que poderia trazer algumas vantagens devido às suas relações com o exterior, o que seria um factor de valorização futura do trabalho, o importante era ganhar as pessoas para isso. Um dos constrangimentos da campanha eleitoral para o meu primeiro mandato, foi a desconfiança que as pessoas tinham em relação à minha candidatura, não acreditavam que eu fosse um candidato para ficar.
SR – Utilizaram o adjectivo de o ‘paraquedista’?
RB – Também, mas quem pôs as coisas nesses termos foram pessoas muito retrógradas. Independentemente do alinhamento à direita ou à esquerda, este carácter retrógrado, provinciano no sentido conservador existe. As sociedades muito carenciadas tendem a agravar essa situação, fechando-se em si mesmas, tendo a tendência de considerar que um filho da terra é que era importante, e isso pesou. Não pesou em todo o lado, nomeadamente no locais mais rurais onde as pessoas me conheciam muito bem.
Depois vinha a história de que estava a ganhar tanto dinheiro lá fora e vinha para aqui. Esta questão só foi ultrapassada com uma entrevista que dei na altura para os jornais e para a rádio local, em que pedi para não me porem mais a questão porque era uma pessoa rica e podia dar-me ao luxo de dispensar o rendimento do Parlamento Europeu. Tenho ideia que muita gente acreditou que isso era verdade.
Em plena campanha tive que apresentar a minha demissão do Parlamento Europeu para ganhar credibilidade, o que foi uma situação arriscada. O programa eleitoral por si só colheu muita gente. Foi uma abordagem nova. Porém, houve algum cepticismo, isto está tudo falido vem este falar em indústria. Havia pouca capacidade de rasgar os horizontes para lá do quotidiano.
SR – A receptividade a essas propostas não terá sido muito boa porque baixou a votação da CDU no concelho e acabou por ganhar com uma maioria relativa. Como é que foi depois gerir o equilíbrio da Câmara com três vereadores da CDU, três do PS um do PSD?
RB – Foi um exercício engraçado. Visto de uma forma pouco flexível de quem não tivesse uma noção exacta da correlação de forças, e não partilhasse da ideia de que era possível construir pontes a partir do diálogo e da convergência a partir de elementos importantes, podíamos ter feito um mandato de hostilidade permanente com os consequentes reflexos nos trabalhos autárquicos.
Penso que houve da nossa parte a capacidade de diálogo suficiente para construir as tais pontes e foi possível, sem criar nenhuma plataforma de entendimento fosse com quem fosse. As questões foram negociadas caso a caso, tentando encontrar respostas positivas por parte da oposição. Não foi dramático. Houve algumas dificuldades como é evidente, mas eu penso que isso até deu algum sal e pimenta para tornar o prato mais agradável. Eu gostei deste primeiro mandato que fiz, apesar das dificuldades acrescidas por não se dispor de uma maioria.
Quando me preparava para o segundo mandato eu disse às pessoas que o que estava feito fora aquilo que eu conseguira fazer e não era resultado de qualquer constrangimento provocado pela oposição. Nunca imputei responsabilidades pelo que de mau, ou de insuficiente possa ter havido, porque foi sempre possível encontrar as saídas de uma forma satisfatória.
SR – Qual foi o trunfo depois deste primeiro mandato que lhe permite saltar de uma posição delicada de 3-3-1 para 5-2, com uma subida de 45% para 58%?
RB – Eu penso que o trunfo terá sido fundamentalmente um trabalho planificado em função de objectivos. Nós elaboramos um plano estratégico de médio prazo para o concelho, que foi apresentado em 1994 onde se definiam todas as principais linhas: objectivos, natureza das medidas para um período de dez a quinze anos. Isto deu dois aspectos positivos, primeiro definiu antecipadamente um quadro que permitia às pessoas verificar se estávamos a cumprir os compromissos que tínhamos assumido, por outro lado implicou um planeamento que impossibilitava ir pelo caminho mais fácil, aplicando apenas as medidas que mais agradavam ao eleitorado, houve por isso uma maior estabilidade na forma de gerir o concelho.
Penso que foi fundamental poder chegar às pessoas no final do mandato e dizer, nós comprometemo-nos com isto e cumprimos. A questão é se continuam a achar que este projecto é válido e vai de encontro aos anseios e à expectativas das pessoas, nesse caso dêem-nos o poder para podermos continuar. Outro aspecto importante foi a ligação permanente à população, ouvi-la, dar às pessoas um direito efectivo de cidadania, ir aos pequenos aglomerados populacionais auscultar os problemas, perguntar às pessoas o que é que elas sugeriam, ser capaz de reconhecer os erros e rectificá-los quando existiam. O importante não é a humildade do político, é a coerência, a racionalidade e a inteligência do político de saber interpretar os anseios da população e saber dar-lhes a resposta adequada, isto não é possível de fazer com uma governação à distância, tem que ser próxima das pessoas.
SR – Essa foi a estratégia que adoptou no primeiro mandato. O que mudou nos seguintes?
RB – Eu penso que na prática não mudou nada, houve sim uma solução de continuidade. O que pode ter mudado foi, no final do mandato a convicção de que a Câmara estava ganha. O que provocou a falta de empenho de algumas pessoas na campanha eleitoral, o que viria a resultar numa enorme abstenção que reflectiu apenas o excesso de confiança. Apesar de não haver um aumento real da votação na CDU nesta campanha em termos relativos, houve um aumento de 4% em relação ao PS. Esta campanha foi muito menos participada pelos candidatos que a do primeiro mandato.
SR – Ainda numa fase inicial deste terceiro mandato, qual é a marca que acha que já deixou nesta sua passagem pela autarquia de Alcácer do Sal?
RB – A marca que eu posso já ter deixado aqui impressa é a de uma equipa que realizou muito trabalho. Eu tenho muito orgulho, assim como todos os camaradas que participaram ao longo de oito anos de executivo, pelo facto de termos realizado muito trabalho. Pode ser imodesto, mas é uma realidade. Temos também a modéstia de reconhecer que continua a haver muita coisa por fazer e que tudo o que fizemos poderá não ser o melhor.
Quando eu iniciei o primeiro mandato não supus ser possível atingir um saldo tão positivo, porque sejam quais forem os sectores que abordarmos as transformações são tão radicais que este concelho hoje já tem muito pouco que ver com o que era há oito, nove anos atrás.
SR – Pode destacar uma ou duas dessas transformações que considera mais significativas e que possa ficar para o futuro como marca da sua passagem?
RB – Posso dizer que ao nível do desenvolvimento económico há marcas que são indeléveis. Há um processo de desenvolvimento turístico que é inegável e evidente e que tende a acelerar-se ainda mais. Hoje Alcácer é um destino turístico. Sem camas nenhumas passámos para uma pousada que é quase um ex libris, a antiga estalagem dos Engenheiros, em Vale de Gaio foi ampliada e está em funcionamento, a estalagem da Barrosinha que estava fechada há vários anos, transformou-se numa moderna unidade hoteleira de grande qualidade, criaram-se mais duas novas residenciais no concelho, uma delas em crescimento. Está a arrancar um novo empreendimento na Comporta para 180 camas, está-se em fase de elaboração dos planos de pormenor para o complexo turístico da Unidade Operativa do Nó Dois da Comporta onde se irão instalar 3000 camas, existe um projecto para outro empreendimento turístico para a barragem do Pego do Altar.
Outra marca será o crescimento urbano do concelho. Novos loteamentos foram construídos de forma equilibrada, sem rupturas da harmonia da paisagem, das volumetrias, e têm-se encontrado formas satisfatórias de conciliação em função da arquitectura, no caso de Alcácer com uma base medieval bastante grande que se tem conseguido preservar. A qualificação ao nível dos equipamentos é também muito importante, esta era uma terra que tinha já na altura um parque desportivo bastante bonito e francamente revolucionário para a época, depois disso já se passou para duas piscinas climatizadas, uma na sede do concelho, outra na vila do Torrão, construiu-se um pavilhão polidesportivo, escolas novas e uma rede escolar bastante boas.
Avançamos também em áreas curiosas como a ligação da escola a um projecto intergeracional a funcionar na Carrasqueira, onde no mesmo edifício funciona o pré-escolar, o escolar, um centro de dia para a terceira idade, um refeitório onde todos eles convivem, permitindo assim experiências muito interessantes entre gerações.
O conceito dos centros comunitários como o que estamos agora prestes a inaugurar na Comporta, funciona como uma extensão de saúde com óptimas condições logísticas de instalação, uma sala de conferências, a sede da Junta de Freguesia, um auditório. Tudo isto numa aldeia que embora seja um local com características especiais, está cada vez mais virado para o turismo. Isto são obras que ficam.
A remodelação ribeirinha é outro exemplo. Houve quem questionasse a necessidade de construir outra ponte afirmando que isso era uma obra de fachada. Actualmente quase todos compreenderam que afinal a obra era importante para o desenvolvimento da cidade. O desenvolvimento cultural, a criação artística dentro do concelho também é muito importante, nós somos um concelho com características rurais, mas com uma actividade cultural invejável.
Depois temos ainda o parque industrial, que já estava definido pela minha antecessora, ao qual demos continuidade criando um parque industrial bem infra-estruturado e capaz de acolher hoje industrias compatíveis com a nossa qualidade ambiental e paisagística.
SR – O que é que falta fazer? Qual é a prioridade para este mandato?
RB – Temos esta parte industrial e na indústria nós temos ainda muitos passos para dar. Nós criámos um conjunto de mecanismos de captação de investimento e procurámos gerar vantagens comparativas. Em todo o caso nós temos a consciência do peso que dentro do mesmo distrito tem a Península de Setúbal e a sua concentração urbana e industrial. Temos que ter também em conta que Alcácer do Sal não tem tradição industrial, pelo que é preciso mostrar aos empresários que podemos oferecer vantagens do ponto de vista da localização, da qualidade das infra-estruturas, da qualidade de vida proporcionada a quem para aqui se desloca.
Este é um processo que não anda tão depressa quanto a nossa vontade e claro que se esta opção não tiver por trás a vontade do poder central em desenvolver esta zona e canalizar para aqui incentivos, o nosso trabalho é muito mais difícil. No entanto, temos vindo a derrubar barreiras e a grande dificuldade estará em conseguirmos fazer a selecção do próprio investimento, em particular no mundo da pequena e média indústria. Nós não queremos as grandes concentrações industriais porque reconhecemos que não temos estrutura demográfica para isso, pelo que não queremos competir com Palmela, por exemplo. A nossa opção é mesmo por uma área de pequena, média indústria, com alguma flexibilidade, que se terminar não arraste centenas de trabalhadores para o desemprego. Procuramos uma industrialização que se compatibilize com a realidade demográfica e sociológica desta região.
SR – Quando chegar ao fim deste mandato, vai-se recandidatar?
RB – Eu penso que não era honesto dizer que me iria recandidatar. Eu sei que mandam as regras da política dizer ‘nunca digas nunca’, pelo que estar a dizer peremptoriamente que não, é relativo até porque nunca se sabe como a vida evolui. No entanto posso dizer em consciência, que julgo ter atingido com este terceiro mandato os limites das condições de desenvolver um papel positivo e útil onde as minhas capacidades e emoções estão intactas e permitem desenvolver o trabalho na sua plenitude. Tenho a convicção de que a partir daí já não teria essa mesma emotividade, a mesma disponibilidade e até a mesma capacidade física, há inevitavelmente uma perda de condições com o passar dos anos.
Penso também que ao realizar a obra devemos deixar também quadros em condições de poderem assumir, dar continuidade e até mesmo renovar os projectos e portanto é essa a solução que se tem que encontrar. Eu julgo que um político tem sempre um prazo de validade e se não tem a compreensão de que esse prazo está a chegar ao limite, arrisca-se a que em vez de sair com o orgulho do trabalho realizado reconhecido por si e pelos outros, possa até defraudar as expectativas que nele foram depositadas. Portanto há um tempo e eu julgo que o meu tempo terminará com este mandato, a este tipo de funções. Como já disse, eu careço de ter motivações e três mandatos é muito tempo na vida de uma pessoa e até da própria autarquia, é portanto necessário dar espaço para outros e partir à procura de novas aventuras.
SR – Como é que vê o poder local por dentro?
RB – Eu penso que o poder local é uma componente muito necessária dentro do nosso regime democrático, que acaba por ser vítima dessa mesma necessidade. É evidente que nas autarquias, umas têm maior capacidade para se organizar, para se estruturar e responder às solicitações da população e outras têm menos, o que tem a ver com a sua localização, dimensão, com os quadros técnicos de que dispõem e com os eleitos que estão à sua frente, portanto isto é um mundo tão vasto quanto os mais de trezentos municípios do país. Agora do ponto de vista global, o poder local é aquele que tem respondido melhor às aspirações, aos sentimentos, às reivindicações das populações desde o 25 de Abril e que mais tem contribuído para a transformação do país. As grandes realizações passaram todas ao nível do poder local, de um país terceiro mundista, sem infra-estruturas, sem redes adequadas, num curto período da história o país transformou-se radicalmente.
Em 1974 tínhamos 200 e poucos jovens que atingiam o liceu, num universo demográfico superior ao de hoje. Hoje temos 2000 e tal jovens que chegam ao liceu, isto é uma transformação extraordinária. As exigências que qualquer pessoa faz aos mais variados níveis são expressão de uma sociedade que hoje se aproxima muito mais da realidade europeia, do que propriamente o seu rendimento per capita. O Alentejo, por exemplo está a uma grande distância da média comunitária, mas se formos olhar para as condições de vida criadas nos últimos anos nós estamos ao nível do que há de melhor na Europa. Onde se continua a falhar é em áreas que não dependem das autarquias, mas sim da administração central e essa é que tem sido incapaz de transformar este país, proporcionando um desenvolvimento equitativo de todo o seu espaço, esse é que é o grande drama. O poder local, mesmo nas áreas onde não tem competências, acaba muitas vezes por se substituir ao poder central. Não deixa de ser curioso que alguns jornalistas e comentadores da nossa praça façam hoje abordagens, de uma forma que eu considero levianas, do papel das autarquias e do seu impacto ao nível do despesismo, um tema que está muito na moda, que além de mais são de uma grande injustiça de quem não conhece o país em que vive. Eu gostaria de encontrar algumas destas pessoas.
Espero ainda este ano, numa iniciativa que nós temos que são os debates com sabor a sal, trazer muitas destas pessoas para falar connosco sobre o poder local e as autarquias. Muitas vezes as autarquias são chamadas a suportar encargos que nada têm a ver consigo, é o caso do apoio para a compra de equipamentos dos bombeiros, a contratação de pessoal auxiliar para as escolas do primeiro ciclo, porque a necessidade das populações assim o exige. Nós mantemos coisas a funcionar que não passam pela cabeça de ninguém e somos obrigados a fazê-lo porque não temos outra hipótese. Quando se procura descentralizar competências não é para reduzir despesas é para melhorar a eficiência da resposta a dar às situações e é óbvio que para isso é necessário dinheiro. A eficiência das autarquias é infinitamente superior à da administração central, apesar dos gastos desnecessários que se têm com a burocracia.