[ Dia 29-07-2002 ] – João Almeida, ex-presidente da Câmara da Moita.

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João Almeida – Na altura era presidente da Assembleia Municipal, depois de ter sido vereador, e foi-me proposto pela CDU concorrer como cabeça de lista nessas eleições, o que aceitei naturalmente. O meu percurso político tinha sido totalmente feito no concelho da Moita, pelo que não tive dúvidas em aceitar.

SR – Foi vereador na Câmara da Moita desde a implantação do poder local democrático, fez uma passagem pela Junta de Freguesia de Alhos Vedros e um mandato como presidente da Assembleia Municipal. Isso tornava-o a escolha evidente para presidente?

JA – Não sei se terá sido assim a apreciação que o partido e as estruturas locais fizeram, no entanto eu não recusei porque considerei que tinha condições para poder exercer o mandato. No meio disto tudo senti-me orgulhoso e é evidente que tudo correu bem.

SR – Era um conhecedor profundo da realidade do concelho?

JA – Sim, conhecia muitos dos dossiers da Câmara, apesar de estar na Assembleia Municipal o que me obrigava a estar mais afastado da rotina da autarquia. Porém, esta actividade implicava que conhecesse sobretudo os grandes dossiers. O passado de vereador também ajudou porque nos primeiros anos estive na área sóciocultural, o que obrigava a que tivesse uma grande ligação com o movimento associativo e com os moradores. Depois passei pela administração urbanística, pela área das actividades económicas e turismo, onde ajudei a criar a Divisão das Actividades Económicas e Turismo, que na altura foi responsável pela edificação do pavilhão municipal de exposições, na época mais virado para a Feira da Vaca Leiteira, mas que actualmente é quase um pavilhão multiusos.

Pelo facto de ter exercido estas actividades não me senti preocupado por vir a ser presidente da Câmara. Aliás este município teve sempre um Plano Director Municipal, tínhamos regras definidas ao nível dos investimentos e do urbanismo, pelo que estava à vontade.

SR – O mandato como presidente da Assembleia Municipal, embora mais afastado da participação activa que tinha anteriormente, também deu algum contributo para o desempenho do cargo de presidente da Câmara?

JA – É evidente que sim. Durante o mandato como presidente da Assembleia Municipal criei a consciência de que estas entidades deveriam ter mais poderes e penso que esta é uma questão que ainda hoje se debate. Nas estruturas locais ou regionais onde estive sempre defendi que as Assembleias Municipais deveriam ter outro protagonismo, deviam ser mais conhecidas da população e deviam ter a sua própria estrutura.

No concelho da Moita, tanto quanto sei, está-se a tentar aprofundar mais esta matéria e a própria Assembleia está, neste momento, a fazer reuniões descentralizadas pelas várias freguesias. O meu anterior cargo deu-me essa sensibilidade. Quando cheguei a presidente da Câmara procurei trabalhar em parceria com o presidente da Assembleia Municipal, no sentido de dar andamento a tudo o que fosse necessário, dentro das minhas possibilidades. Julgo que demos alguns passos significativos que agora têm que ser continuados.

SR – Entre 1983 e 86 integrou o executivo da Junta de Freguesia de Alhos Vedos. Esta foi outra experiência que lhe permitiu o contacto com a população?

JA – Eu sempre disse que, antes de se chegar à Câmara, também deveríamos passar por uma Junta de Freguesia. Eu vim das Comissões de Moradores, integrei a primeira Comissão de Moradores de Alhos Vedros, logo a seguir ao 25 de Abril, onde tinha a função de interlocutor junto da Câmara na ligação ao movimento associativo e à população, o que foi uma experiência muito interessante. Depois veio a experiência na Junta de Freguesia, que foi muito importante, embora se sinta um certo desânimo quando se quer realizar alguma coisa e se é obrigado a ficar ali a passar atestados e pouco mais.

SR – Com todo esse contacto que tinha com a população do concelho, como é que correu a sua Campanha eleitoral para presidente da Câmara?

JA – Eu acho que correu bem. Mantivemos as maiorias absolutas, ainda que com alguma diminuição dos votos. Penso que o que prometemos na altura à população foi depois conseguido durante o mandato.

SR – Mas o que terá levado à diminuição dos votos? Em 1993 a CDU venceu com 52,8% dos votos e na sua eleição ficou-se pelos 45,2%.

JA – É conhecido que a partir de uma determinada altura houve uma diminuição dos votos na CDU. Nessa campanha eleitoral o Partido Socialista apareceu com uma campanha diferente e isso deve ter tido alguma influência no eleitorado. No entanto, a quebra foi um pouco por todo o país.

SR – Não considera que esses resultados tivessem a ver com alguma coisa contra a sua candidatura?

JA – Não, penso que não.

SR – Quais foram as suas prioridades para este primeiro mandato?

JA – Nós sabíamos que havia uma questão de fundo, que aliás ainda hoje que mantém, e que tinha a ver com a revisão do Plano Director Municipal, e como tal era necessário dar passos concretos nesta matéria. Por outro lado, era necessário incidir nas acessibilidades em alguns locais do concelho e na infra estruturação dos bairros, nomeadamente no que respeita aos arruamentos, saneamento, esgotos, etc. Nesse aspecto penso que as coisas foram bem conseguidas, tenho consciência que deixamos um bom projecto, que não se vai esgotar neste mandato e que deverá ser continuado no futuro.

SR – Apesar de todos estes projectos, nas últimas eleições voltou a baixar mais alguns pontos percentuais.

JA – Isso é verdade, mas penso que isso se deve a contextos que não se aplicam apenas ao concelho da Moita, porque a situação foi geral no país.

SR – Teve a ver com os maus resultados do Partido Comunista nestas eleições?

JA – É evidente que sim, nós aqui apanhamos um pouco por tabela, no entanto conseguimos resistir, já que os resultados distritais também não foram muito bons, mas na Moita mantivemos a maioria absoluta. Temos projectos interessantes e penso que a forma como nos comportámos no último mandato, bem como a forma como as propostas actuais foram apresentadas à população, algumas no seguimento de projectos já a decorrer, ajudaram a sobrepor-se à vaga de mudança que pairava no ar.

SR – Quer enumerar alguns dos projectos que deixou e que considera mais importantes?

JA – Ainda no tempo do vereador José Manuel Figueiredo no pelouro do Ambiente e Serviços Urbanos, foi feita uma análise do que era necessário ao nível das infra-estruturas dos bairros, ao nível do abastecimento de água, ampliação da rede, construção de novos furos de captação, estações elevatórias e saneamento, e estas obras estão agora a ser lançadas. Isto implicou que a Câmara contraí-se empréstimos para colocar estas obras no plano anual de actividade.

Devido à morosidade dos concursos públicos, nós tínhamos consciência que ao chegar ao final do mandato os trabalhos não estariam concluídos, porém estou a ver que algumas destas obras estão em curso. Aproveitando o terceiro Quadro Comunitário de Apoio tentámos ainda projectar outras grandes obras, de que é exemplo a revitalização urbana do Vale da Amoreira, que vinha do tempo do anterior presidente. Fazendo uso dos estudos existentes para a Região de Lisboa e Vale do Tejo, no âmbito do PROQUAL, projectamos a requalificação da Baixa da Banheira, uma obra cujos frutos serão visíveis durante este mandato.

Utilizando o POLIS, através do programa PROTEJO, desenvolvemos várias acções junto da população no sentido de averiguarmos o que pretendiam para a zona ribeirinha, tendo sempre em atenção a necessidade de encontrar parceiros adequados, nomeadamente junto da Administração Central, para realizar as intervenções, atendendo às características dessa mesma zona. Neste aspecto não conseguimos tudo o que queríamos, mas temos a promessa dos Ministérios, que embora não se avançando em toda a frente ribeirinha, pelo menos serão efectuadas algumas intervenções pontuais, quer na Moita, quer em Alhos Vedros ou mesmo em Sarilhos Pequenos. Penso que estes projectos estão em fase de conclusão, estando a sua apresentação para breve.

A revitalização da Baixa da Banheira, que tem um projecto na ordem dos cinco milhões de contos, procura revitalizar o tecido urbano além de dotar a freguesia de vários equipamentos, atendendo a que esta teve um crescimento muito rápido a partir da década de 50. Estas são algumas das principais obras que, na minha opinião, foram importantes para que a população acreditasse no nosso projecto, o que nos fez resistir à onda que varreu o distrito nas últimas eleições.

SR – Enquanto esteve como presidente, qual é a marca que deixou no concelho, e pela qual gostaria de ser recordado?

JA – Bem, há várias coisas. Uma delas tem a ver com a intervenção na estrutura da própria Câmara. Quando entrámos, em 1998, fizemos um estudo interno no sentido de averiguar as capacidades humanas que existiam dentro da autarquia e verificámos que existia um baixo índice técnico. Para que pudéssemos intervir de forma mais qualificada de modo a preparamo-nos para concorrer ao III Quando de Apoio Comunitário, havia que aumentar a capacidade técnica interna, colocando então mais técnicos em variadas áreas de modo a podermos melhorar os nossos serviços. O que realço mais no meu trabalho à frente da autarquia é a contribuição que dei para que a Câmara tivesse outra capacidade de resposta face aos projectos que estão em execução e que ainda vão dar muito trabalho.

SR – Depois de admitir que existe ainda muito trabalho para terminar, surge a necessidade de perguntar porque se demitiu?

JA – As razões para a minha demissão estão, ainda que de forma sintética, na carta que entreguei à Assembleia Municipal e à Câmara e têm a ver com a minha vida pessoal e familiar, devido a questões que não se compatibilizavam com o cargo que ocupava. Eu ainda trabalhei no programa do executivo para este ano, que está de acordo com as promessas eleitorais.

Mas quero ainda realçar outra iniciativa do anterior mandato e que nunca deixo de referir, que é a carta estratégica. No decorrer do processo de revisão do Plano Director Municipal, que não aconteceu como deveria, devido aos problemas levantados pela saída de nova legislação na Administração Central, nós conseguimos, sensivelmente a meio do mandato, ter uma carta estratégica a que chamámos “Moita 2010”. Nesta carta estão as grandes linhas de desenvolvimento a longo prazo nas quais a Câmara se têm baseado, até para concorrer aos fundos comunitários de apoio e no sentido de conseguir a integração plena na Área Metropolitana de Lisboa. Este documento é o que eu considero uma cartilha de orientação para o futuro do município, independentemente das convulsões políticas que possam vir a acontecer.

SR – Com essa carta estratégica “Moita 2010”, seria suposto que o presidente João Almeida ficasse até 2010.

JA – Sim, nessa altura talvez pensasse assim, mas a vida às vezes prega-nos partidas e temos que acreditar que existem outros valores. Não deixei a vida política activa, continuo a ser membro da Concelhia da Moita do PCP, fui reeleito recentemente numa conferência nacional do partido. Continuo a minha vida, tendo no entanto outro tempo disponível.

SR – Não se espera o seu regresso a um cargo público?

JA – Eu tenho pensado muito nisso, mas penso que ainda é cedo para tomar uma decisão.

SR – Volta a negar mais uma vez que tenha havido uma estratégia do Partido Comunista, nas últimas eleições, de fazer uma mudança de líder que já estaria prevista antes das eleições?

JA – Eu penso que isso não é verdade, aliás eu não percebo porque se diz isso. Que estratégia poderia estar montada? Não estava nada montado, isto são situações que acontecem na vida das pessoas e eu resolvi renunciar atendendo a questões familiares. Eu tenho consciência que a equipa actual dará bem conta do que está perspectivado com a população e acredito que o concelho da Moita irá continuar a evoluir no bom caminho.

SR – Não teme ter defraudado os eleitores que votaram em si?

JA – Não, eu deixei uma carta aberta no Boletim Municipal onde pedi desculpa à população caso tenha defraudado as suas expectativas.

SR – Agora que já está afastado do cargo de presidente há algum tempo já deve ter tido oportunidade de olhar para trás. Que balanço faz dos últimos quatro anos como presidente da autarquia?

JA – Faço um balanço positivo. Estou satisfeito, embora, como já disse, tenha pena de não ter disponibilidade para continuar. Sinto que dei o meu melhor, sinto-me orgulhoso de ter participado e de ter contribuído para que a palavra de ordem da campanha eleitoral, “mais qualidade, mais desenvolvimento” seja uma realidade. Julgo que estes últimos quatro anos correspondem bem aquilo que nós fizemos pelo futuro do concelho da Moita.

SR – Tendo integrado a estrutura do poder local durante mais de 25 anos, como é que vê a evolução do poder local e que diagnóstico faz hoje desse mesmo poder?

JA – Acho que tem uma importância extraordinária para o desenvolvimento da população. Qualquer autarca que fez um percurso idêntico ao meu observa que houve uma evolução positiva, que poderia, no entanto, ter andado mais depressa. Eu sou do tempo em que nesta Câmara tínhamos uma faixa à entrada a reivindicar uma lei de finanças locais. Essa lei acabou por surgir com a atribuição de competências mas sem a atribuição dos meios financeiros. No entanto, penso que se evoluiu bastante na Moita e o concelho foi sempre representado nos órgãos regionais e nacionais e aí penso que o município da Moita deu sempre um grande contributo para que o poder local conseguisse o que conseguiu.

É evidente que ao longo de todos estes anos também tenho consciência de que muito mais se poderia ter feito, não só em cada concelho mas também em todo o país. Porém, o melhor que poderia ter acontecido à população portuguesa foi o 25 de Abril e o poder local democrático. Há que estar sempre muito atento e continuar a aprofundar esse poder, infelizmente não foi criada uma maior descentralização com as regiões, mas devemos continuar a tentar. Eu penso que o município da Moita vai dar sempre o seu contributo junto da Junta Metropolitana de Lisboa, junto da Associação de Municípios do distrito de Setúbal, para que as questões do poder local cada vez se aprofundem mais. No entanto, espero que a deslocação de competências para os municípios sejam acompanhadas dos necessários meios financeiros. seta-2580572