[ Setúbal na Rede] – Ambiente – Opinião

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OPINIÃO
Francisco Ferreira
(professor universitário e dirigente da Quercus)

         E agora?

As eleições autárquicas revelaram várias mudanças políticas em vários concelhos do distrito de Setúbal que poderão também ser ou não sinónimo de um outro rumo para a  política autárquica ambiental. A região de Setúbal bem que precisa de uma mudança, ou melhor, de uma inversão de direcção no que respeita a três áreas cruciais do ambiente: o ordenamento do território, a política de transportes e a pressão sobre as áreas naturais. Obviamente, não nos podemos esquecer que existem aspectos importantes como a limpeza urbana, a construção de estações de tratamento de águas residuais, o encerramento de lixeiras (em que a do concelho de Setúbal é um caso esquecido na listagem do Ministério do Ambiente), o cumprimento do regulamento geral do ruído, preocupações que servem sistematicamente de bandeira política mas que já deveriam ter sido (e estão a sê-lo) resolvidas num país supostamente desenvolvido.

O ordenamento do território

Actualmente na região de Setúbal não se faz uma gestão sustentável do território. Aquilo que se faz, é garantir receitas através da cobrança da SISA e da contribuição autárquica para os municípios com base em mais e mais construção em zonas que mereciam uma ocupação de menor densidade como Alcochete; viabilizar projectos com componentes importantes mas fazê-lo a todo o custo para minimizar os gastos e ‘fazer obra’, ultrapassando todas as regras básicas de decisão (o caso da utilidade pública para a construção da Nova Setúbal tendo por contrapartida a viabilização do complexo desportivo no concelho de Setúbal é um excelente exemplo), construir sobre terrenos que deveriam ser de Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, não pensar em aspectos importantes como a mobilidade das pessoas que vão morar para as novas áreas, a área de espaços verdes, a revitalização do interior das cidades cada vez menos habitadas com mais fogos devolutos, entre outros aspectos. O Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa que já deveria Ter sido efectuado há anos, está finalmente a chegar ao fim em termos de discussão pública. Os aspectos da dimensão regional, em particular do norte do distrito, talvez mereçam assim uma atenção e uma articulação melhores.

A política de transportes

A política de transportes é um outro vector fundamental. Há uma ligação profunda entre esta questão e o ordenamento do território – mais população na periferia implica mais tráfego individual; a oferta de transportes públicos tem de ser pensada nomeadamente a preparação das vias para o tipo de transportes públicos (eléctrico rápido, autocarros) para além da forma de financiamento. As ciclovias não devem também ser esquecidas. O número de horas perdidas, os problemas de poluição do ar e de ruído, o stress do congestionamento são inconvenientes que todos conhecemos. Em vez de se gerir a oferta com mais parques de estacionamento, é preciso pensar e estudar o problema de raiz, algo que é sempre mais complexo do que o anúncio de medidas avulsas.

A pressão sobre as áreas naturais

Numa região como Setúbal, com o Parque Natural da Arrábida, Reservas Naturais dos Estuários do Tejo e Sado, Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Caparica, para além de outras áreas de Rede Natura, é fundamental conservar o que de mais importante temos no país e na Europa. Portugal é o país que a par da Espanha mais biodiversidade apresenta. A pressão urbanística é cada vez maior, sendo que algumas áreas no seio na Serra da Arrábida mais parecem zonas urbanas agravadas pela presença industrial da SECIL com direito a um processo de co-incineração de resíduos que não está a ir pelo caminho certo de forma algum. A promoção da Arrábida a Património Natural Mundial, processo que a Quercus irá prosseguir, é um passo importante mas que exige outras medidas desde já. Os planos de ordenamento são instrumentos fundamentais que estão muito, muito atrasados e que é necessário terminar e aprovar com urgência.

Depois de 16 de Dezembro, alguns políticos mudaram mas as propostas de fundo e a ruptura com uma conduta de perversão do ordenamento do território continuam até agora ausentes. Acima de tudo, espera-se que os autarcas façam uma profunda reflexão sobre o futuro a médio e longo prazo da área que gerem e que saibam ouvir os interesses da população e não apenas de alguns sectores que lhes financiam as campanhas eleitorais. Não basta dizer que se governa para todos, é preciso mostrar.