[ Setúbal na Rede] – Saúde

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por Joaquim Judas 
(Médico)

Os Profissionais de Saúde

(A propósito da luta dos médicos pelo pagamento das horas extraordinárias no Hospital de São Bernardo,

em Setúbal)

 

Há muito que, à esquerda, se entendeu que a participação empenhada dos profissionais é um elemento indispensável a um serviço de saúde de qualidade.
Mais do que apelos moralistas aos profissionais, à esquerda, nunca se dissociou a construção de um Serviço Nacional de Saúde, público e para todos, das questões do acesso ao ensino especializado, da formação pré e pós graduada, das condições de trabalho, das remunerações e das oportunidades de realização profissional e pessoal.

Na sua cruzada pela criação de um Serviço de Saúde, privado e para alguns, a direita foi degradando as condições de acesso ao ensino, da formação pré e pós graduada, as condições de trabalho, as remunerações e as possibilidades de realização dos profissionais de saúde. Em 2002, ano internacional dedicado aos problemas do stress no local de trabalho, os profissionais de saúde surgiram nos estudos realizados como um dos grupos sociais mais desgastados e atingidos pela doença, com elevadas taxas de depressão e fadiga. É este produto do seu trabalho que a direita apresenta incessantemente aos utentes como responsável pela falta de acesso e desumanização dos serviços públicos de saúde.

Uma das maiores perversões que a direita foi gerando com a sua política em relação aos profissionais de saúde tem a ver o valor e a fonte das remunerações dos profissionais. Segundo um estudo da OCDE publicado em 1998, os profissionais de saúde ganhavam em Portugal, no serviço público, 60% menos do que os seus colegas europeus, mas ganhavam 30% mais que os seus colegas europeus nos serviços privados. Ou seja, os profissionais de saúde em Portugal são diariamente confrontados com a realidade de optar entre ganhar 100 a trabalhar num serviço público ou 200 num serviço privado. Quem diz 100 ou 200, diz 400 ou 800, pois é essa a desproporção. E nada indica que a situação se tenha alterado.

É fácil perceber que o Estado tem poucos e fracos argumentos para fixar os profissionais ao serviço público. É fácil perceber que só aumentando razoavelmente as remunerações dos profissionais o Estado estará em condições de garantir uma efectiva melhoria dos serviços. Qualquer solução autoritária seria desastrosa e condenada ao fracasso.

Não estando, aqui e agora, em causa a competência técnica e formação humanística dos profissionais de saúde estrangeiros que escolheram ou venham a escolher Portugal como a sua terra, não pode haver dúvidas sobre os riscos para a saúde de uma estratégia que assente só e exclusivamente em manobras de gestão do mercado de mão-de-obra.

Da mesma forma, não estando, aqui e agora, em causa a autonomia da atitude clínica dos profissionais em regime de contrato individual de trabalho, não pode haver dúvidas acerca da forte tentação que as entidades gestores sentirão para lhes sobrepor estreitos critérios economicistas. 

É por isso que as lutas dos profissionais por melhores condições de trabalho e por melhores remunerações contribuem, apesar dos incómodos que provocam no imediato, para um melhor, mais eficaz e humanizado Serviço Nacional de Saúde, público e para todos.

É também por optar por uma postura autoritária e não conseguir estabelecer diálogo com os profissionais de saúde que o Ministro da Saúde do governo PSD se transformou num ridículo cadáver político que não só não resolveu como está a agravar os problemas.