por Eugénio Fonseca (Presidente da Cáritas Diocesana de Setúbal
e da Cáritas Portuguesa)
Portugal em Chamas
Tenho acompanhado, com muita preocupação, os incêndios que estão a dilacerar o país. Acabei de ver, pelo telejornal, imagens dramáticas de tantas e belas das nossas florestas a serem dizimadas pelo fogo e de tantas famílias que já perderam muito do que levou anos a construir. Não é justo. A minha revolta é de tal ordem que não devia escrever já sobre esta tragédia, porque corro o risco de, através do teclado do computador, escorrerem mais as emoções que a razão. Mas perante acontecimentos como este não se pode ficar em silêncio, sob pena de nos tornarmos cúmplices de todos os que, por negligência ou criminosos interesses, são responsáveis por tão grande tragédia.
Para expressar o meu pensamento e o meu sentir, nesta ocasião, nada melhor que aproveitar alguns símbolos que o fogo me sugere.
O fogo é como o ser humano, contem em si, ao mesmo tempo, beleza e monstruosidade. Não fora as consequências terríveis, nomeadamente a destruição de vidas, da natureza e de outros meios de subsistência e o matiz das chamas associado ao crepitar de tudo o que elas atingem, oferecer-nos iam um espectáculo de grande beleza.
O fogo é violento. Mas muito mais que ele são todos os que o provocam, impulsionados por interesses iníquos, ocultando-se, cobardemente, por detrás de pessoas vulneráveis, que aceitam executar este hediondos crimes a troco, muitas vezes, de fracas recompensas.
O fogo não tem consciência nem coração, pois arrasa tudo o que toca. Há muitas pessoas assim. São as que não respeitam o ambiente e fazem dos campos e das florestas autênticas lixeiras ou acendem fogueiras sem o mínimo de precauções.
O fogo é facilitista, porque não impõe grandes condições para se propagar. Assim são muitos dos responsáveis pela coisa pública. Cedem com facilidade às pressões de quem rejeita um correcto ordenamento da floresta para dela se aproveitarem sem critérios nem regras.
Que o clamor de todos os que amam o seu país e desejam viver com o mínimo de qualidade se erga tão alto como as chamas dos incêndios que estão a toldar o nosso futuro e reclamem:
– de todos os cidadãos, maior civismo na protecção da natureza, colaborando na limpeza das matas ou pelo menos–e já não será pouco – não deitando lixo nos baldios e descampados;
– dos governantes, medidas de política realistas e firmes que apostem num correcto ordenamento florestal, que sejam dissuasoras de interesses económicos atentatórios do bem comum e propiciem os meios adequados e suficientes a todas as corporações de bombeiros do país.
– dos tribunais, penas exemplares para todos os que são os primeiros responsáveis pelo atear criminoso de incêndios.
São aterradoras as imagens que nos têm chegado de muitas zonas do país. Fica-nos a sensação de que o país está em chamas e sem meios suficientes para as travar. É triste testemunhar a dor de concidadãos nossos, alguns de idade avançada, que, em breves instantes, viram reduzidos a cinzas tantos anos de duro labor. Que o auxílio a quem têm direito não tarde. Desgraçadamente, o Estado é pronto a exigir dos cidadãos o cumprimento das suas obrigações, mas muito lento a assumir os seus compromissos. O governo irá, de certo, decretar medidas de emergência que terão de passar pela atribuição de subsídios às pessoas que ficaram sem recursos, porque perderam bens e haveres. Que essas medidas não se afoguem, como é costume, no mar encapelado da burocracia. Que estas medidas excepcionais não deixem de fora as Seguradoras, obrigando-as também a cumprirem com as suas obrigações e a não gastarem todo o tempo e grande parte dos recursos humanos a encontrar formas de escaparem ao pagamento das legítimas indemnizações.
Finalmente, que se aprenda, de uma vez por todas, que também nesta área da luta contra os incêndios a única regra é “antes prevenir que remediar”. Só assim não voltaremos, para o ano, a ver o país em chamas, pelo menos daquelas que vão destruindo progressivamente o nosso devir.