EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
Olímpio Lourenço, administrador delegado da SetCom
“Temos como meta colocarmo-nos
entre as 100 maiores do país”
Integrado na paisagem bucólica de Palmela, o Grupo SetCom conta com 18 anos de experiência no mercado da electrónica tendo como objectivo principal caminhar para a internacionalização e colocar-se entre as 100 maiores empresas do país, tal como afirma Olímpio Lourenço, administrador delegado. Em entrevista a “Setúbal na Rede”, o administrador fala dos tempos em que a empresa funcionava numa garagem, mas sempre com os olhos colocados no futuro. Segundo Olímpio Lourenço, vem dessa altura, a “excelente organização da empresa”, a “tenacidade e determinação” na perseguição de metas como a “diversificação da actividade, a inovação criativa e a conquista de novos mercados”. Ao longo do seu percurso, a SetCom desenvolveu várias actividades no âmbito da electrónica profissional, tendo ao seu dispor ferramentas que lhe permitem investigar ideias, criar novos produtos e colocá-los no mercado. Após uma parceria com a Optimus, a empresa angariou a Nokia como cliente e passou a dedicar-se à assistência técnica no mercado das telecomunicações. Desde 2001, a SetCom “passa” a ‘holding’ e constitui três participadas, a Crossline, que se dedica ao projecto, à produção e à logística em electrónica, a Dynasys, para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, e a Keylab, ligada à assistência técnica e à logística associada ao serviço pós-venda.
Setúbal na Rede – Como é que a SetCom conseguiu ganhar a confiança de uma marca como a Nokia?
Olímpio Lourenço – Tudo começou com uma actividade para a Optimus, em 1998. Quando a Optimus ganhou a terceira licença de telemóveis não estaria preparada para a enorme procura inicial, pelo que foi necessário comprar mais equipamentos para lançar a operação, equipamentos que não tinham logótipo definido. Perante a disponibilidade e flexibilidade que sempre demonstrámos na nossa produção, fomos contactados para colocar os logótipos nos telemóveis, bloqueá-los à rede Optimus e fazer testes aos equipamentos quando saem de fábrica. Este foi um trabalho efectuado com muita qualidade, em tempo relâmpago e em quantidade massiva, o que nos notabilizou junto dos operadores de telemóvel.
Finda esta operação para a Optimus, a empresa lançou-nos o desafio de fazermos toda a logística da reparação dos seus telemóveis, que vai desde a recolha do equipamento até à sua entrega ao cliente, passando pela confirmação da avaria e envio para reparação. Esta nova actividade permitiu-nos desenvolver competências logísticas e software de gestão específico que reforçaram a nossa notoriedade como operadores de logística e de pós-venda. A Nokia, numa atitude constante de aposta pela qualidade, decide lançar um concurso para a criação de um novo centro de logística e reparação. A solução que propusemos obteve a preferência da Nokia, sendo hoje, inclusivamente, referenciada pela própria Nokia junto dos seus parceiros europeus.
SR – Isso faz com que esta empresa tenha que cumprir requisitos exigentes.
OL – Sim, na altura a Nokia tinha tempos de reparação muito dilatados, de várias semanas, e nós passámos a ter a grande maioria de equipamentos devolvidos ao cliente dentro da mesma semana.
SR – Foi um desafio aceitar um trabalho desta responsabilidade?
OL – Faz parte da cultura desta empresa abarcar desafios e procurar ser inovadora e criativa, sendo esta uma das vertentes que fez com que, passado pouco tempo de termos lançado a operação, tenhamos conseguido reduzir tempos de reparação. Formámos equipas, estudámos atentamente os trabalhos que necessitávamos de fazer para optimizar tempos e desenvolvemos software para gerir a operação.
Assumimos a criação de algum software que colocámos junto aos postos de recolha das avarias e dos próprios operadores de modo a que quando entra um telemóvel num desses centros nós saibamos qual é o fluxo que nos vai aqui aparecer, para que estejamos mais preparados. O que procurámos fazer neste trabalho foi criar ferramentas inovadoras e motivar as equipas.
SR – Este foi um investimento de risco?
OL – Sim, ainda que o investimento em termos de maquinaria não tenha sido muito elevado. O investimento foi sobretudo em software e em equipas, pois sabemos que muitas dezenas de pessoas estão dependentes de nós, pelo que estamos a assumir esse risco mas confiantes que as coisas vão continuar a correr bem e que a Nokia não encontrará razões para mudar de fornecedor.
SR – Esta colaboração com a Nokia representou a afirmação da empresa?
OL – A SetCom sempre teve altos e baixos na sua actividade porque sempre estivemos mais ligados à electrónica profissional, que se caracteriza por encomendas descontínuas. É um bom exemplo o fornecimento de SOS para as auto-estradas, que apenas ocorrem quando são abertos novos troços. Efectivamente nós necessitávamos de uma actividade mais constante que colmatasse os picos negativos das outras, algo que conseguimos com esta parceria. Em termos de volume tem sido uma actividade muito interessante e que catapultou a empresa para outros níveis de facturação.
SR – A empresa não voltou a passar por dificuldades?
OL – Embora em 2003 também tenhamos sentido alguma quebra nesta actividade, o Grupo conseguiu ultrapassar melhor os problemas.
SR – A criação do Grupo SetCom também foi essencial para estabilizar a empresa?
OL – Isso foi um marco histórico do nosso desenvolvimento. A empresa existe desde 1986, dez anos depois viemos para estas instalações e começámos a abarcar outros trabalhos, nomeadamente no âmbito da electrónica. Crescemos também na área da engenharia e segmentámo-nos por unidades de negócio em 1997. Criámos unidades de negócio associadas aos produtos próprios, uma unidade de contratos ligada à subcontratação e outra de logística ligada ao pós-venda. Com os desenvolvimentos destas unidades, fomos desenvolvendo competências diferentes, pelo que se tornou oportuno individualizá-las, até para uma melhor percepção pelo mercado, criando-se assim o Grupo SetCom. Nesta perspectiva, foi criada a empresa Dynasys, com o objectivo de vender os produtos criados pela empresa, a Crossline, que tem a função de criar produtos electrónicos para terceiros, e a Keylab, que está ligada à logística e ao serviço pós-venda.
SR – Como é que interagem estas três empresas?
OL – Existe uma administração que é praticamente comum às três empresas. Mantivemos na SetCom os serviços financeiros, de contabilidade, de tesouraria, os recursos humanos e a gestão de redes informáticas, já que seria muito dispendioso para as empresas suportarem os custos de cada uma destas áreas e assim têm um custo partilhado.
SR – Estas três empresas surgem na lista das maiores do distrito de Setúbal, em lugares muito próximos.
OL – Sim, embora a Dynasys tivesse tido resultados um pouco mais baixos em 2003, isto por ainda ter estado dependente de um grande cliente, como a Cabovisão, que em 2003 passou por um período de maior dificuldade. Mas na realidade, cada uma destas empresas tem revolucionado o mercado em que actua e tem conquistado cada vez mais quota. Existe uma sã competição entre as três empresas.
SR – Se não tivesse existido esta separação, a soma das três empresas na SetCom não seria tão positiva?
OL – Eu acredito que não, até porque a especialização de cada uma delas estaria encoberta pelo todo. Actualmente cada uma das empresas tem um administrador responsável por atingir objectivos específicos e nesta situação a auto-exigência e a determinação são mais valorizadas, pelo que acredito que isso tem sido vantajoso. Todas as empresas são pequenas, a maior em temos de colaboradores é a Keylab, fruto da actividade logística que desenvolve e que exige muito trabalho manual. Com esta divisão, cada uma das empresas fez as adaptações que achou necessárias para o mercado em que estava actuar. Se se tivessem mantido numa mesma empresa tudo seria mais standardizado.
SR – Como é que se têm adaptado à crise dos últimos dois anos?
OL – Tal como já tínhamos feito antes. Já tínhamos tido tempos difíceis no passado e a nossa atitude foi de nunca baixar os braços, procurar inovar e procurar novos desafios. No caso da Dynasys, que foi quem sofreu mais, procurámos outros mercados, investimos em novos produtos e com isso potenciámos a nossa actividade em mercados mais alargados.
SR – Têm sentido efectivamente a crise?
OL – Na generalidade as pessoas passaram a reparar menos telemóveis e nesse aspecto houve uma quebra de actividade. Porém, a administração da empresa identificou imediatamente os sectores onde era necessário optimizar os processos e actuámos com rapidez de modo a adequar a empresa à quebra de actividade que sofreu. Na Crossline não sentimos muito porque todos os clientes necessitam de produção electrónica. Apenas tentamos arranjar mais clientes para manter os níveis de facturação.
No caso da Dynasys, que teve um grande pico de trabalho para a Cabovisão em 2002, veio a sofrer no ano seguinte com a falta de investimento do cliente. Como a empresa se tinha dimensionado para um grande volume de trabalho, em 2002, e em 2003 houve uma grande quebra, foi necessário pesquisar e colocar novos produtos no mercado, pelo que não passámos com resultados negativos. Em 2004 esperamos que os novos produtos melhorem significativamente os resultados.
SR – Que argumentos apresenta a empresa para angariar novos clientes?
OL – No caso da Dynasys, como tem produtos próprios, existe uma direcção comercial que pesquisa novas áreas de actuação. Além disso, temos uma unidade de inovação e tecnologia cuja função é a de encontrar nichos tecnológicos e de desenvolver novos produtos e novas soluções com base nas informações fornecidas pela direcção comercial. Além destas, existe uma outra direcção que tem a função de transformar as ideias da direcção de inovação em produtos a serem comercializados. A Dynasys está organizada para a criação rápida de novos produtos para novos mercados.
SR – Qual é o grau de inovação na Dynasys quando comparado com outros projectos nacionais e estrangeiros?
OL – Um dos factores que fez com que tenhamos suplantado a crise é a humildade com que olhamos para a nossa actividade, pelo que é difícil compararmos o nosso grau de inovação. Perante a Agência Espacial Europeia conseguimos mostrar que temos capacidade para integrar um projecto que está adjudicado a um consórcio português. Neste projecto o consórcio é responsável pelo desenvolvimento de aplicações e conhecimentos na gestão rodoviária via satélite. A Dynasys é responsável pela construção de um equipamento de demonstração que irá ser instalado em duas viaturas que vão circular em Lisboa, Paris, Xangai, Dublin, etc. Este equipamento está a ser desenvolvido a partir de características funcionais analisadas por um grupo de estudo que também integramos, ainda que o nosso trabalho mais intenso decorra na segunda fase do projecto. O que nós pretendemos em cada momento é, através da análise da nossa capacidade, responder aos desafios que nos vão sendo colocados e que consideramos exequíveis.
Para além do projecto que referi, no âmbito do trabalho que desenvolvemos para os SOS das auto-estradas, recebemos recentemente um caderno de encargos para, durante um ano, sermos contactados para todos projectos de telemática rodoviária, tais como gestão de túneis, sinalização variável, vídeo vigilância, etc. Conseguimos esta capacidade de oferta com um factor que considero determinante, a capacidade de entender os vários géneros de tecnologia e integrá-los com conhecimento de causa.
SR – Num país sem tradição de inovação tecnológica, parece estranho que exista uma empresa deste género.
OL – Existem empresas como a Siemens que transferem os seus centros tecnológicos para Portugal porque nós temos capacidade intelectual. Eu diria que a nossa capacidade de inovação se deve à experiência dos accionistas deste Grupo, que têm experiências profissionais no exterior, o que lhes dá uma cultura pessoal distinta da média da cultura empresarial portuguesa. Isto, em conjunto com a perseverança e a determinação, possibilita que a empresa saia reforçada das dificuldades que tem atravessado.
Desde há alguns anos que algumas empresas, como a Philips e a Siemens, instalaram centros de inovação tecnológica em Portugal, até que foi criado um grupo que passou a desenvolver produtos de raiz nacional, grupo onde eu e vários colegas trabalhámos. Na electrónica é necessário estar sempre actualizado e foi da nossa experiência anterior que ficou o ‘bichinho’ pela inovação.
SR – Existe capacidade para a internacionalização?
OL – Com um produto que patenteámos e que quisemos produzir para o mundo inteiro, percebemos que, para grandes quantidades, não era possível produzir em Portugal. Em Taiwan e na China é mais barato produzir, até porque é mais fácil integrar logo lá os componentes. Nós entendemos a Crossline não como uma empresa de grande produção, mas como um laboratório que produz pequenas e médias séries. Assim que o produto atinge quantidades razoáveis, temos contactos para transferir a produção para a China.
SR – Existe essa intenção de transferir produção?
OL – Diria que é mais consequência que intenção. Para a actividade da Dynasys, uma empresa integradora que resolve problemas de médios e grandes clientes, com quantidades de componentes limitados, a Crossline pode ser a resposta. Se surgir algum produto passível de ser colocado entre a Europa e o continente norte-americano, então é um imperativo transferir a produção, porque estamos a concorrer a nível mundial.
No Extremo Oriente existem unidades que se optimizaram de modo a conseguirem ter preços competitivos em pequenas quantidades em paralelo com a fabricação de grandes quantidades. Em caso de necessidade, temos contactos para transferir a nossa produção, ainda que isso seja uma consequência da actividade e não um objectivo a atingir. Estamos a tentar colocar os nossos produtos no mercado internacional e enquanto os pedidos forem de séries médias, a produção será em Portugal.
SR – Esta empresa tem produtos competitivos no estrangeiro?
OL – Ainda ontem tivemos uma reunião com um empresário espanhol que vai assinar alguns contratos nos próximos meses e que vai recorrer à nossa produção. Além disso, estamos atentos ao mercado internacional, especialmente ao Magrebe, onde começam a surgir algumas infra-estruturas sociais e de serviço público que poderão beneficiar dos nossos serviços e onde estamos a competir com empresas francesas, espanholas e portuguesas. Ainda que ninguém tenha sido escolhido até ao momento, sentimos que estamos bem posicionados. E mesmo que este concurso não dê em nada, foi um primeiro passo que nos mostra que estamos no caminho certo, até porque nós temos a mais valia de podermos investigar a ideia do cliente, produzi-la e entregá-la, pois temos um ciclo que se completa dentro do grupo. Existem mesmo produtos que nós colocamos no mercado final e que o cliente não chega a ver, já que todo o processo decorre dentro da empresa.
SR – Esta é uma empresa portuguesa, de Setúbal, ou poderia estar noutro sítio qualquer?
OL – É uma empresa portuguesa com responsabilidade social a nível regional, mas é sobretudo uma pequena/média empresa portuguesa com pretensão a actuar no mercado internacional.
SR – Até que ponto a localização geográfica contribui para aquilo que a empresa é hoje?
OL – Para além dos accionistas serem daqui, existiam aqui empresas que possibilitaram que houvesse muitos recursos humanos disponíveis no mercado, de modo que não foi necessária muita formação. Nesse sentido foi diferente por estarmos aqui, mas somos acima de tudo uma empresa portuguesa, com as características do povo português que tem a capacidade de se levantar sempre, apesar das dificuldades.
SR – Qual a razão de efectuarem exposições de arte dentro da empresa?
OL – De certa forma criar produtos electrónicos também é uma arte, mas esta foi uma forma de nos aproximarmos da comunidade. Temos o espaço, que inicialmente serviu para expor a história da empresa, e pensámos em disponibilizá-lo para outras coisas. Esta actividade faz parte da nossa responsabilidade social, além de ajudar a promover a empresa. Devo também dizer que, quando acontece uma inauguração, todos os produtos servidos no catering são da região de Palmela.
SR – A SetCom actual é muito diferente do que era quando funcionava numa garagem?
OL – Todos os aspectos de organização da empresa estão reforçados, ainda que, mesmo quando a empresa funcionava numa garagem, já existisse uma estrutura, um organigrama. Também é muito gratificante verificar que hoje temos clientes em áreas muito mais diversificadas, mesmo que tenhamos também mais riscos. Em suma, penso que temos uma equipa vencedora e uma empresa que está a crescer.
SR – Sente que concretizou um sonho ao alcance de poucos, que consiste em montar uma pequena empresa que mais tarde se torna num império?
OL – Embora com muita seriedade e muita humildade, para nós é gratificante sentir que chegámos até aqui e que vamos ter ainda muitos desafios pela frente.
SR – Qual é o principal sonho actualmente?
OL – Já quando estávamos na garagem traçámos algumas linhas de orientação estratégica para determinar onde queríamos chegar e como. Já na altura tínhamos como objectivo internacionalizar a empresa, diversificar a actividade e inovar com criatividade. O nosso objectivo não era continuar a ser uma empresa de garagem que nos permitisse auferir um ordenado, mas sim criar valor empresarial. Neste momento, temos como meta colocarmo-nos entre as 100 maiores empresas do país e começar a internacionalizar a actividade. Queremos continuar a crescer.