OPINIÃO
João Madeira
(Historiador)
Santiago do Cacém
– um centro histórico deserto e arruinado
Quando o velho castelo de Santiago do Cacém perdeu função militar, encerrada a Reconquista e fixada muito mais a sul e a leste a fronteira, a vila pôde expandir-se mais solta daquela protecção.
As três ruas estruturantes que escorriam do castelo – a Direita, a dos Mercadores e a Quente – assimétricas, mas suficientemente aconchegadas à sombra tutelar de torres, ameias, barbacãs e alcáçovas, prolongaram a poente o tortuoso traçado de vielas que as cortavam e cerziam, configurando desafogado socalco onde se implantariam um após outro, século após século, novos edifícios, albergando funcionalidades administrativas, religiosas, sociais e ombreando com novos solares e casas apalaçadas.
À escala da terra, concentravam-se aí com toda a força do simbólico a Misericórdia e a sua igreja, os Paços do Concelho, o Tribunal, o pelourinho, o Hospital, a escola de primeiras letras, a torre do relógio, o clube mais tarde e já um pouco abaixo, lotado que estava o espaço.
O velho largo do Barreiro, depois dos Costas e agora chamado de Alexandre Herculano, na confluência das três ruas âncora, era o limite da vila, hoje o do primeiro anel do centro histórico da pequena cidade. As courelas do castelo, os vinhedos do vale por onde corre a avenida e onde começou por se incrustar o novo edifício municipal e a prisão, a Senhora do Monte, as Cumeadas, o Fidalgo eram a periferia, zona de expansão, mas só a partir lá de meados do século XIX.
Desse velho centro histórico o que resta é o sinuoso traçado de ruas e travessas, o silêncio degradado desses velhos edifícios e um deserto de vida, apenas quebrado por uma população muito envelhecida e por novos condomínios fechados à sociabilidade do velho casco urbano.
Quem dos anexos do palácio dos condes de Avilez, construído justamente numa das courelas do castelo arrematada no tempo próprio da transferência da propriedade pública à posse de velhos e novos aristocratas endinheirados, onde hoje funciona a Antena Miróbriga, quiser tomar um simples café terá de atravessar todo esse anel do centro histórico até precisamente ao seu limite. Que melhor exemplo de desertificação urbana!
Cabe perguntar onde estão os planos de revitalização do centro histórico de Santiago do Cacém? Onde estão as políticas de recuperação do tecido urbano histórico? Onde está o acompanhamento arqueológico às intervenções que aqui e ali se vão fazendo ao nível das infraestruturas ou de esparsas e desgarradas obras em alguns, poucos, dos seus edifícios?
A este nível a inoperância municipal é flagrante. Mas , mais do que isso, objectivamente o resultado de uma subestimação e desprezo sobre um dos principais miolos da memória social de Santiago do Cacém.