“Gente Feliz com Lágrimas”
Parar o tempo para ganhar distância
Era Inverno. Estava muito frio para quem, como eu, vinha de um país onde chovia e gelava durante vários meses, mas onde todas as casas eram aquecidas. A escola primária tinha aquele sobrado imaculado que nos remetia logo para quem o esfregava, de joelhos, com sabão amarelo. O teatro O Bando tinha acabado de chegar e ia representar na sala. Ficámos estupefactos. No átrio coberto, que dava acesso à sala de aula, amontoavam-se dezenas de pares de sapatos, muitos deles rotos, cheios de lama e esterco. Lá dento, os pés dos meninos pousavam ao de leve, roxos e disformes, sobre o chão de madeira ressequida e ainda húmida. Estávamos numa aldeia do, chamado, interior, no sopé de uma serra que albergava os rebanhos guardados por meninos que de noite os defendiam do ataque dos lobos. Estávamos no tempo das reguadas e das mãos inchadas. Vivíamos então dias de libertação que punham fim a tempos de guerras e de oração, de despedidas forçadas e de perseguições políticas. Foi assim há tanto tempo? Já não existem por aí miúdos de mãos inchadas e de pés enregelados e gretados pelas pedras dos caminhos? E por esse mundo fora?
João de Melo faz-nos conhecer os países que existem por baixo dos mapas, lá onde se confundem passado e presente. A multiplicidade das vozes engendradas pelo autor ecoam no nosso imaginário como se fossem dirigidas por um maestro de palavras e de silêncios, suspensos num tempo parado. “O silêncio incomparável do silêncio. A mágoa. O deserto do mar com água e o deserto da água sem mar” contextualizam-se num cenário onde se degladiam as paixões de um casal desavindo. Um casal que representa a saga do ser humano obstinadamente em busca de uma felicidade que se redimensiona à escala do mundo de hoje. Se na vida conseguíssemos parar o tempo, podíamos distanciarmo-nos das coisas, relativizar as lágrimas e os risos de uma vida ridiculamente tão curta. Ao vermo-nos como paradigma dialéctico da humanidade, conseguiríamos, viver e amar desmedidamente. Apaziguar o rancor e o espírito de vingança. Talvez mais irredutíveis e irreconciliáveis, mas também mais tolerantes.
O teatro permite avançar e recuar no tempo a nosso belo prazer. Viajar no espaço sem sair do mesmo sítio. Ser um, e um outro, no mesmo momento. Agora ter a voz de uma criança e logo a seguir a voz de um velho decrépito, porque, no teatro, se pode contar, comentar e dialogar vivendo a acção em tempo real, sem por isso se ser incongruente. O teatro O Bando procura fabricar uma realidade cénica mais acutilante que a realidade de todos os dias, e neste espectáculo, ao exercitarmos o virtuosismo dos actores na vida em palco, procuramos estimular a capacidade lúdica dos outros actores no palco da vida.
Ficha Técnica Texto: Gente Feliz com Lágrimas, de João de Melo
Direcção Dramaturgia e Encenação: João Brites
Oralidade: Teresa Lima
Corporalidade: Luca Aprea Elenco
Nelson Monforte e Sara de Castro Espaço cénico Concepção: João Brites
Cenografia, Adereços e Figurinos: Clara Bento e Joana Simões
Consultadoria: Rui Francisco e Eng. Lima Ramos
Desenho de Luzes: João Brites e Luís Fernandes Montagem Direcção de Montagem: Fátima Santos
Equipa de Montagem: Bernardo P. Coelho, Bruno Lourenço e João Quaresma
Montagem e Operação de Iluminação: Luís Fernandes
Construção Execução Serralharia:
Leonel & Bicho Lda.
Execução Carpintaria: Rogério Paulo e Conceição Mendes Produção Coordenação Geral: Natércia Campos
Produção Executiva: André Pato
Relações Internacionais: Raúl Atalaia
Divulgação: Maria João Sequeira
Tesouraria: Cristina Sanches Design Gráfico: Ana Albuquerque Fotografia: Lia Costa Carvalho Registo de imagens para arquivo e promoção: Rui Simões Um agradecimento especial à polivalência de funções de Manuela Mena.
* Espectáculo para maiores de 16
Para mais informações contactar:
TEATRO o bando
Vale de Barris
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2950-055 Palmela
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