CONECTARTE – CRÍTICA E OPINIÃO

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EVENTOS E CULTURA

Normalmente, quando alguma entidade ligada à cultura é questionada sobre a alcance e a qualidade das iniciativas que promove, a tendência geral é responder com estatísticas. Fica-se, então, a saber que a entidade em causa realizou inúmeras exposições, concertos, debates, apresentações e apoiou ou patrocinou um sem número de outros eventos do mesmo quilate. Ou seja, à pergunta sobre que ideia ou projecto cultural determinou aquelas iniciativas e não outras, ela esmaga-nos com a crueza de um gráfico de barras, onde está provado que as iniciativas têm crescido tanto por cento ao ano e que os números estão alinhados com as cidades congéneres de países tão ou mais desenvolvidos que o nosso.

É assim que a Câmara de Setúbal, por exemplo, costuma responder às críticas que de vez em quando aparecem de sectores ligados à cultura da nossa cidade: com números. A verdade é que os números, vistos na sua singeleza de números, não envergonham. Acredito que sim. Se somarmos todas as iniciativas elas devem rondar as muitas dezenas ou mesmo as centenas. E as pessoas que dão esses números hão-de ficar convencidas que calaram pelo peso das estatísticas a insustentável inconsistência dos argumentos críticos. E este círculo vicioso repete-se vezes sem conta, com uns a perguntar alhos e outros a responder bugalhos. E cada um vai-se ficando nas suas razões, que são, todas elas, é claro, válidas e perfeitamente justificáveis.

Não digo que muitos desses eventos não tenham importância intrínseca e que, mesmo a esmo, eles não representem uma intenção séria de produzir cultura. Fazer é importante. Mas é preciso ir mais longe. E o problema é que ninguém parece querer perceber que há uma diferença decisiva entre a proliferação de eventos culturais de forma casuística e algo anárquica, cujos efeitos são sempre de curto prazo (esgotam-se no próprio evento) e uma estratégia pensada e concertada para a construção de um discurso cultural que faça sentido e produza efeitos benéficos a longo prazo.

Por muito que nos queiram provar que não, Setúbal é um corpo social e cultural com identidade própria, com valores próprios, com gente e projectos tão importantes como os das tais cidades congéneres, de países no mesmo patamar de desenvolvimento. E se a cultura, como defendem, e bem, os guardiães da dita deve promover a cidadania, desenvolvendo no indivíduo o desejo de produzir algo social e culturalmente significativo para si e para a comunidade em que está inserido, então ela deve ser orientada para a procura desse caldo cultural cujo sabor é inconfundível, porque genuíno, produtor de artista e agentes culturais, e não para o fast food dos eventos insípidos e incipientes de consumo imediato.

                                                                                           00.11.30

Salvador Peres