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O QUE DEVE MUDAR COM A DESCODIFICAÇÃO DO DNA 

 O sequenciamento do genoma já foi considerado a viagem à Lua da biologia. Mas, se a conquista da Lua teve um impacto mínimo, a descodificação do código genético vai mudar o dia-a-dia. Aqui, algumas das previsões para as próximas décadas: 

Até 2010
Vitória sobre o câncer. 

Primeiro, vêm os sintomas. Em seguida, a pessoa nota um caroço e corre para o médico, que faz uma biópsia do tumor a partir de uma análise de microscópio. Diagnosticado um linfoma, o paciente submete-se à quimioterapia-padrão. Se não surte efeito, o médico pede calma e tenta outros medicamentos. O médico examinará as células colectadas com uma matriz de DNA. Em pouco tempo, estabelecerá que o linfoma é, na verdade, um entre seis tipos geneticamente identificáveis de câncer da célula T, cada qual comprovadamente susceptível a um tipo distinto de medicamento. Outro aparelho para análise genética, o chip SNP, identificará as drogas que são processadas com rapidez excessiva pelas enzimas do fígado do paciente e, consequentemente, inadequadas para o caso. Mais de 99% das células cancerígenas serão aniquiladas durante a primeira rodada do tratamento, um coquetel de “inibidores oncogênicos” projectado para combater os promotores da multiplicação desgovernada. A segunda rodada, que eliminará mais de 99% das sobreviventes à primeira etapa, consistirá de anticorpos monoclonais, uma molécula com funções investigativas que vasculha o sangue e destrói células portadoras da proteína específica fabricada por células cancerígenas numa escala anormal. Por fim, o paciente vai receber uma “vacina do câncer” para garantir a proteção imunológica contínua contra qualquer célula cancerígena que tenha escapado ilesa. 

Como será

Matrizes de DNA – um dispositivo semelhante a um chip de computador que registra padrões de actividade de milhares de genes nas células – permitirão distinguir diferentes tipos de leucemia com base em padrões anormais de actividade genética em células sanguíneas cancerígenas. Na Internet, sites médicos oferecerão serviços de classificação genética a preços módicos para prever a reacção da pessoa a vários medicamentos. Por um preço salgado, o usuário poderá calcular os riscos de, no futuro, vir a sofrer de problemas cardíacos, câncer e outros males letais. Doenças hereditárias como a hemofilia poderão ser curadas com a terapia genética. A resistência pública a alimentos geneticamente modificados começará a perder força depois de 2005, quando um tipo de arroz com o gene responsável pela produção de vitamina A passará a prevenir a cegueira, mal que afecta 500 mil crianças por ano em todo o mundo. Alimentos e suplementos nutricionais “temperados” com vitaminas como a E, um antioxidante, reduzirão o risco de doenças cardíacas e certos tipos de câncer.

Até 2020 
Um pâncreas para reposição

Seu pâncreas será gravemente atingido por uma rara disfunção auto-imunológica. Por sorte, em 2014 você fez uma reserva de células-tronco do seu sangue. Colectadas durante um exame médico de rotina, elas estarão congeladas em seu banco de células. Empresas de biotecnologia manipularão tais células para que seu perfil de activação genética se assemelhe ao das células pancreáticas e, em seguida, multiplicá-las numa matriz de polímeros para implante no órgão danificado. No final, você ficará bem.

Como será 

A descoberta de medicamentos será acelerada. Medicamentos de fundo genético específicos para o genótipo do paciente estarão disponíveis para a maioria dos males letais. Será o fim de doenças arrasadoras como a artrite reumatóide e outras disfunções imunológicas. Será possível curá-las com drogas que desactivem a porção do sistema de defesa humano que ataca as células do próprio paciente em tais casos. Surgirão terapias certeiras para o tratamento de doenças misteriosas no passado, entre elas a esquizofrenia. Dezenas de remédios de inspiração genética, com funções específicas, estarão no mercado. Serão rejuvenescedores para o gene que controla o embranquecimento do cabelo ou o que regula a libido. Tratamentos apagarão os traços de envelhecimento. Para o homem, xampus de formulação genética reverterão a calvície. Se a tendência for para obesidade, drogas projectadas para determinado genótipo permitirão a modificação inofensiva do metabolismo energético da pessoa, que vai poder comer sem medo. Biolimpezas revigorarão os genes da derme responsáveis pela produção de antioxidantes e de enzimas de recuperação do DNA, retardando o efeito do tempo sobre a pele. A medicina regenerativa vai deslanchar quando cientistas desenvolverem formas para promover o crescimento de tecido a partir de polímeros biodegradáveis e células-tronco, possantes geradores celulares na origem de várias das células especializadas em órgãos humanos. Surgirá uma nova espécie de firma de seguro de vida, em que o segurado depositará tais células para uso posterior na geração de tecido imunocompatível para remendar ou substituir órgãos deficientes.

Filhos sob medida 

Para ajudar a clientela a selecionar um parceiro, serviços online de consultoria pré-nupcial irão fornecer análise genética. Antes de um passo mais sério, um casal poderá checar se seus futuros filhos estão expostos a riscos elevados em virtude da combinação de genes que predispõem o portador a certas doenças (todo mundo possui genes assim).Serviços de genealogia genética proliferarão, permitindo que alguém conheça em detalhes fascinantes a própria família. Será possível encomendar o perfil genético de vários parentes para mostrar como variantes genéticas por trás de traços como voz perfeita, alta emotividade e bom humor passaram dos avós para certos netos. 

Até 2040

Como será 

A expectativa de vida no mundo desenvolvido será de mais de 90 anos. A medicina preventiva individualizada será o padrão. Para a maioria das doenças haverá terapia genética, além de remédios de base genética mais tradicionais. Será possível controlar a evolução da maioria dos tipos de câncer por anos a fio. O mal de Alzheimer será detectado antes do surgimento de sintomas. A maioria das células e um punhado de órgãos importantes poderão ser regenerados num período de semanas ou meses. Tais réplicas, porém, custarão caro. Nos EUA, despesas médicas vão somar um terço do PIB. Isso colocará a medicina regenerativa no centro de um debate acalorado sobre a desigualdade de acesso entre ricos e pobres aos benefícios da biotecnologia. Clínicas de reprodução vão oferecer à clientela a possibilidade de análise de embriões gerados por fertilização in vitro para localização de centenas de doenças hereditárias. O teste será realizado em células colectadas do embrião antes do implante no útero da mãe. Com isso, os futuros pais poderão escolher um bebé livre de falhas genéticas causadoras de males como a fibrose cística. 

Pensando no futuro

Um dia, seu coração finalmente vai começar a falhar. Não tema: as células-tronco que você armazenou mais de 20 anos atrás poderão ser usadas para gerar uma cópia satisfatória do órgão, cortesia dos últimos progressos na medicina regenerativa. Uma empresa nova vai criar formas de substituir várias espécies de biomoléculas por versões sintéticas, mais resistentes. Você será um dos primeiros voluntários dos testes clínicos. Afinal, àquela altura você já estará com 95 anos. Nessa idade, uma pessoa tem de começar a pensar no futuro.

Zero Hora