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A VOZ DOS DEUSES
OUVE-SE NA LUSITÂNIA
Este é um romance sobre o tempo anterior à nossa era, a chegar, como ela, ao fim. No fechar dos séculos (II a. C. e XX d.C.) os habitantes da Ibéria ocidental interrogam-se com idêntica apreensão, idêntica melancolia.
Fernando Dacosta
A morte de Viriato
JOSE DE MADRAZO Y AGUDO
A partir de elementos, de personagens, de locais, de acontecimentos históricos, A Voz dos Deuses, de João Aguiar, revela-se uma viagem fascinante pelo mundo brumoso das nossas origens; mundo que «morria lentamente, asfixiado pelo poderio romano» e que um homem de excepção tenta salvar durante sete anos, até ser assassinado em 139.
As raízes soltam-se-nos aí, numa Ibéria a rebelar-se contra Roma, a derrotá-la temporariamente, a fazê-la reconhecer sua igual. Fraccionada de povos, de religiões, de línguas, a Península começa, então, sob a inteligência política e militar de Viriato, a unir-se frente ao inimigo comum.
É um antigo companheiro seu, Tongio, guerreiro, sacerdote e sábio, que relata esses anos de ousadia e luz em descrições de notável despojamento.
Descarnada e vibrátil, a palavra de João Aguiar cria um ritmo encantatório pela sua contenção e transparência.
«A literatura portuguesa tem sido um pouco hermética», diz-nos, «mas as pessoas começam a dar-se conta que o audiovisual, o vídeo, estão a alterar a nossa estrutura mental, as nossas capacidade, os nossos gostos. Isso é irreversível mas não significa a morte da literatura, significa apenas que ela tem de dar outro passo. Ora, e para mim, a maior virtude da escrita é a fluidez, a transparência, a simplicidade».
ESQUECEMOS A NOSSA DIMENSÃO
Os ritos, os costumes, os sentimentos, os terrores da época são-nos dados de dentro, no seu quotidiano, na sua desprotecção, e chegam-nos vivos sob a distância dos séculos e das civilizações, compartilhamo-los – que eles estão, afinal, em nós, são a nossa origem, o nosso apaziguamento.
A busca dolorosa das raízes, que a cultura portuguesa reaprende, gerou esse estado de vibração, anunciador de futuras e formidáveis transformações que os mais sensíveis pressentem, captam já nas suas obras.
«Um dos nossos dramas é que temos vindo, sobretudo de há um século para cá, a macaquear a França na literatura, na cultura, nos comportamentos, na política. Temos uma República feita à moda de Paris… começamos a tentar libertar-nos disso, a descolonizar-nos culturalmente. Mas esquecemos milénios de tradição, não temos noção da nossa dimensão histórica. Ficamos agarrados aos Descobrimentos e não conhecemos o que está para trás, o que é anterior à própria nacionalidade, o que se deu antes de D. Afonso Henriques, antes dos mouros. Pura e simplesmente esquecemos toda esta época.»
O PRIMEIRO D. SEBASTIÃO
A Voz dos Deuses vem-nos de um tempo em que os homens sabiam decifrar os mistérios; de um tempo anterior à nossa era, a chegar, como ela, ao fim.
Neste fechar de ciclos, de séculos (II a.C. e XX d.C.), os habitantes da Ibéria ocidental interrogam-se com idêntica apreensão, idêntica melancolia.
«Quero escolher o tempo da minha morte. Acabou tudo. O nosso mundo vai acabar. Roma vai dominar a Ibéria. Teremos de viver com os seus deuses, os seus magistrados, as leis romanas,complicadas e subtis, os perjúrios, os tributos, os impostos… não quero viver nesse mundo, Tongio; só sei viver com os deuses e as leis simples e sagradas da minha tribo» (pagina 275).
Viriato é o primeiro D. Sebastião a desaparecer-nos, a incompletar-nos. Mil anos passados Portugal emerge sobre a Lusitânia, e quinhentos depois encobre-se no Promontório Sagrado, de onde ilumina o mundo.
A PEQUENEZ EM QUE NOS TEMOS
«Cansei-me da pequenez em que nos temos, do pouco que nos consideramos a nós próprios. Perdemos o império, coitadinhos, nunca mais nos consolamos, aceitamos ser o rebotalho da Europa, a anedota da Europa. Tive uma explosão de raiva: mas nós não somos nada?! Nós que temos um palácio estamos convencidos que temos um pardieiro!»
Não é por «exaltação patrioteira que o digo, digo-o para que tenhamos a noção da nossa dimensão, para que não nos continuemos a considerar uns inadaptados. Quando vivi no estrangeiro, vivi na Holanda, em Angola e no Canadá, não gostei da imagem que do lado de fora se fazia de Portugal e que não correspondia à verdade».
Somos um povo «frustrado porque o mundo em que nos inserimos actualmente pontua-se pelo colonialismo cultural dos grandes espaços económicos, pelo quantitativismo ou materialismo, tanto a Leste como a Oeste. A escala de valores é a da quantidade, a do consumo a todos os níveis. É bom quem produz muito… ora nós, portugueses, não estamos preparados para essa concorrência, pertencemos às áreas periféricas, os nossos valores são diferentes».
RESERVAMO-NOS PARA A PRÓXIMA ERA
Agora estamos a assistir «à queda do mundo tal como ele se impôs, caminhamos para o fim de um mundo, espero que não seja para o fim do mundo nuclear. As soluções políticas, filosóficas, espirituais vigentes estão esgotadas a Oriente e a Ocidente, é bem possível que as áreas periféricas assumam o núcleo do novo mundo. Não há crises económicas, há crises mentais… Portugal pode ter estado a reservar-se para a próxima era – que não vai ser de hegemonia política e económica».
Através da computorização «o mundo caminha para o fim dos espaços monstruosos. Poderemos então ter uma palavra muito importante a dizer outra vez. Ao nível muito humilde e muito restrito deste livro, estou, por exemplo, a observar nas pessoas que o lêem uma espécie de encantamento pelo tipo de valores da época que ele revela. Não houve ninguém até agora, e o livro vai entrar em segunda edição, que me acusasse de ser mau português por ter internacionalizado Viriato. É que Viriato nunca combateu em Portugal: nasceu cá mas lutou sempre e morreu em território que é hoje de Espanha.
O homem da rua, que vai chateado para casa, que faz as suas falcatruas, que vive mal, está ávido de saber o que fomos para saber o que seremos. Todos nós estamos fartos de ser pequeninos, tanto mais que antes do 25 de Abril éramos já um império de gente pequenina, sem importância no mundo».
É TEMPO DE COMBATER
Quando reaprendermos o sentido da nossa dimensão – histórica, cultural, afectiva, criadora – poderemos então continuar-nos. Completar-nos. Os escritores são os novos profetas, Pessoa o novo Viriato.
A voz dos deuses volta a ouvir-se na Lusitânia. «Porque fazes perguntas sobre o destino se os deuses já te disseram o que podias ouvir? À vossa frente o caminho é longo. Há vitórias e derrotas, alegria e sangue, traição e glória. A águia está ferida. Depois do Touro virá a Corça. Porque fazes perguntas? É tempo de combater.»
Fernando Dacosta, «A voz dos deuses ouve-se na Lusitânia», artigo em forma de entrevista no Jornal de Letras, nº 123, Novembro de 1984, p. 7.
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